terça-feira, 22 de abril de 2014

Guebuza, o homem que venceu todas as batalhas (2)


Já estou em 2030 continuando a conversar com os meus netos. A figura central das nossas falas estão em volta de uma figura: Guebuza.

O combate tinha de ser muito rude, porque, do outro lado da barricada, estavam prontos para se defenderem até a última extremidade todos os que tinham interesses ligados à odiosa Frelimo e perfilhavam a crença geral e enraizada de que só uma guerra marcaria o fim do regime. Para se avaliarem as resistências erguidas contra o esforço de Guebuza de estabelecer um verdadeiro Estado de Direito basta lembrar que dezenas de organizações que se diziam ser da Sociedade Civil levantaram as suas vozes criticando-o e atenuando afrontar directamente a Renamo, o que fez com que o porta-voz da presidência, Edson Macuacua, se pronunciasse amargamente nestes termos: «É de facto estranho que quando as Forças de Defesa e Segurança, que têm legitimidade e legalidade para actuarem em defesa da segurança do Estado, actuam, dirigentes das organizações da sociedade civil aparecem frenéticos com discursos inflamatórios de condenação. É caso mesmo para perguntar, a quem servem estes dirigentes das organizações da sociedade civil? Qual é a agenda destas organizações? Parece que perseguem objectivos e agendas inconfessáveis, contrários aos interesses nacionais”. Sim, isso netinhos foi escrito no CanalMoz, de 28/10/2013
 
E o exército continuou a dar o golpe de morte das bases da Renamo espalhadas pela savana atirando para o exílio os homens que nelas faziam a sua vida obscura, organizando os mais cruéis métodos de morte. A Renamo avançara para o Sul, na província de Inhambane, na esperança de fazer estremecer os alicerces do regime; mas nenhum obstáculo seria capaz de atemorizar o espírito de Guebuza ainda no momento em que os tratadistas mais eminentes e partidários do regime consideravam Dhlakama insusceptível de trabalhar para a paz a não ser pela coacção e pela força. E passando das palavras aos factos, em 24 de Abril do mesmo ano, apresentava argumentos cuja aplicação resultaria na criação de um grupo de negociações. Quando era geral a convicção de que o Presidente da República é que era arrogante, Guebuza, na sua prontidão admirável, proclamava já o mais nobre princípio, aquele a cuja aplicação se deveram os mais belos resultados da convivência política moderna, o diálogo, sintetizando-o nestas palavras: "Apesar da situação de Sadjundjira, estou pronto para receber o senhor Afonso Dhlakama para dialogar. As nossas delegações política e militar continuam prontas para acertos do nosso encontro".
 
Não é que disse isto na Soalpo, ali em Chimoio, numa presidência aberta! Fê-lo sem perder de vista que aos homens da Renamo era preciso dar-lhes completa segurança de pessoa e propriedade para se desenvolver entre eles a instrução, criando-lhes escolas numerosas e hospitais, abrindo-lhes vias de comunicação que facilitassem as transacções comerciais e pelas quais a força armada pudesse marchar sem embaraço para manter a ordem pública ou para repelir agressões estranhas. Havia convicção inabalável de que por estes e por outros meios que se empregariam, se faria aumentar as necessidades dos renamistas, as quais estimulariam os mesmos a buscar pelo seu trabalho meios de as satisfazer. Quem pensava deste modo não poderia deixar de honrar as suas opiniões, trabalhando quanto em suas forças coube para conseguir a completa emancipação do adversário. Mas a Renamo continuava defendendo a sua ideia de Paridade nos órgãos eleitorais, e não só. É aqui que surgiu aquilo que no provérbio local dizemos dar a mão e pegar o braço. 

A atmosfera nacional não estava ainda bem preparada. Os interessados, no estado de coisas estabelecidas, possuíam poderosos meios de influência e não queriam declarar-se vencidos, por isso, tudo fizeram para criar impasses. Guebuza não era homem para desanimar e ainda menos para desistir e logo, na semana seguinte renovava o apelo de negociar com o Senhor Dhlakama. Apesar disso, as suas ideias de uma revolução sem sangue continuavam a encontrar uma viva oposição. Viu-se forçado a criar ambiente propício para o diálogo, não num hotel de luxo mas no Centro de Conferências, para que ele pudesse triunfar. E a Renamo, atacou um camião em Nampula, aquela via que vai a Cuamba. Mas não foi a única vez. Os oportunistas também fizeram ataque a um empresário local, problema de dívidas com funcionários, segundo se comentava. Mas ai, os atacantes eram parte de guarda pessoal do Sr. Dhlakama que foram sendo capturados um a um e não se sabe se cumpriram cadeia ou não. Não sei o que lhes aconteceu lá no comando provincial, porque na Cadeia, perto de onde o vosso avô trabalhava, não havia mostras de terem entrado.
 
Os renamistas de outras latitudes, pelo seu lado, não se resignavam a perder os seus interesses, nem queriam sujeitar-se à derrota, apesar de a sentirem próxima. Acoitaram-se em Inhaminga, em Kaphiridzange – lá na zona do vosso bisavo –, em Nkondedzi, entre outros locais, onde o domínio das forças armadas não estava ainda solidamente firmado e abriram ali, com o máximo impudor, sucursais escandalosos de treinos militares onde a miúdo eram vendidas, em ignóbil leilão, as almas dos jovens recrutados à força na cidade da Beira, recrutas prontamente atribuídos às forças armadas convencionais. E havia entre eles alguns mercenários interessados nas pedras preciosas. Um deles, lembro-me, chegou a pedir-me o contacto do Administrador da Gorongosa, a julgar que eu caia facilmente. A esse degradante espectáculo de recrutamento só meses depois é que se pôs um termo, precisando o Governo para isso de organizar uma expedição e conseguindo então que as forças armadas desactivassem algumas bases. Foi no ano seguinte, nos dias 2 e 3 e o vosso avô estava no local. Não imagineis quanto me doi o coração, de imaginar o sucedido naqueles dias. Chovia intensamente e eu desci em Caia tendo seguido, primeiro, a direcção do régulo Tinga Tinga. Deixemos isso para amanhã.
 
A verdade é que as campanhas de Gorongosa, de Inhaminga e de Moxungue, contra os inimigos numerosos e escondidos, incitados, instruídos e municiados pelos que queriam, acima de tudo, derruir o nosso domínio – eu nessa altura soube estar do lado certo –, ficaram famosas entre as mais notáveis campanhas de todos os tempos pela rapidez de execução, castigo exemplar dos rebeldes e forma completa como atingiram o seu objectivo. Os ataques de surpresa diminuíram drasticamente na EN1. As FADM foram duras no castigo, mas combateram sempre com nobreza e lealdade que, submetidos os renamistas, jamais os perseguiram com represálias cruéis. Terminados os combates, esqueciam-se do mal que eles, obedientes joguetes de ambições alheias, os quiseram causar. O compromisso das FADM aos renamistas, combatendo no fundo as suas tendências para a ociosidade e o seu amor à inércia e à matança, que levava muitos deles a viverem exclusivamente da mulher, não receava confrontos directos, caso fosse preciso. E o que é oportuno frisar é que a guerra de autodefesa que as forças armadas moviam contra o extermínio do povo era mal vista pelos adeptos da Renamo que já se orgulhavam de ter um defensor mais forte, capaz de submeter a temida Força de Intervenção Rápida.
 
Nessa ocasião, os apologistas silenciosos da violência viram com manifesta má vontade o enérgico correctivo que as forças infligiram aos criminosos de Moxungue, de Gorongosa, de Inhaminga, de Maringue, trocando a esse respeito uma demorada e azeda correspondência facebookiana entre si; desaprovando o que as FADM haviam feito e criando-lhes depois dificuldades à ocupação dos espaços, que indiscutivelmente lhes pertenciam. E mais tarde, as FADM não hesitavam em enxovalhar a Renamo da maneira mais civilizada obrigando-lhe a restituir-lhes as bases. Isso não impediu que ela, abusando da sua força, sujeitasse as populações à humilhação a que me referi e que fez brotar dos lábios de Gabriel Muthisse, sub-chefe da delegação governamental ao diálogo, as frases mais belas e de mais rubra indignação de quantas constituíram a glória da sua missão: «a Renamo deve enterrar o machado da guerra», disse ele.
 
O diálogo com esta organização classificada como «terrorista» por Gustavo Mavie, num programa «Café da manha da Rádio Moçambique, em meados de Abril de 2014, foi um trabalho portentoso de inteligência, de continuidade e de confiança nos nossos destinos. Um trabalho de ingente preparação e, ao mesmo tempo, de realizações imediatas, tanto que fomos nós os primeiros que abrimos às portas ao diálogo nacional e sem interferências externas nesta parte de África, não obstante a Renamo insistir na internacionalização do conflito. Até que numa destas vezes atacou o comboio de carvão, precisamente quando estava em ascensao, o que lhe causou danos irreparáveis presságios do seu fim. Tenho que tomar umas notas, amanhã retomamos.

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