domingo, 25 de janeiro de 2015

O Problema de Habitação, Avante, Senhora Ministra (I)

Local: Izmir, Turquia.

A fusão, pelo Presidente da República, dos Ministérios de  Administração Estatal e da Função Pública pareceu uma das mais ousadas decisões por permitir matar, diga-se, dois coelhos numa única cajadada.  Há dias, na Zambézia, a ministra da Administração Estatal e Função Pública, Carmelita Namashulua apelou as pessoas para construírem casas resistentes, de modo a evitarem-se as mortes que acontecem por desabamento. Os pescadores dos deslizes, com machismo à mistura, vieram criticar a ministra pelo pronunciamento no lugar de apoiar na iniciativa e contribuir com pensamentos positivos de como o Estado pode fazer a sua parte. Há homens velhos desde a juventude. São os que, voltados para um passado recente ou longínquo, não aceitam as transformações a que assistem. Preferem troçar e abanar a cabeça, entregues à ociosidade. Sonham por um futuro melhor sem nunca lutarem por ele. O problema de habitação é, ao lado do problema alimentar, um dos principais com os quais a nossa geração há confrontado. A ministra disse que poderíamos seguir o exemplo de casas construídas nos centros de reassentamento no Vale do Zambeze. Contudo, nem todas as pessoas tiveram a sorte de lá chegar para ver de que casa se referia. 


Estou a pensar numa pergunta de Antropologia Cultural em que o docente, o já falecido Padre António Augusto, queria saber «quando é que as pessoas deixariam de construir casas redondas, vulgas «palhotas» para apostarem nas casas rectangulares e melhoradas»? E, no dia da correcção disse ele que primeiro mudam as ideias depois as acções, de tal sorte que as segundas premissas são consequência das primeiras. Pois bem. O apelo da ministra, longe de ser ridicularizado é uma premissa para a ideia enquanto as críticas que se lhe dirigiram se situam na lógica da segunda premissa. O apelo é o de que temos que fazer com que as pessoas mudem de ideia sobre o tipo de casa em que vivem. Combater o tradicionalismo nocivo que as levam a repetirem sem cessar que «os nossos pais, avós, bisavós, ou seja, os nossos antepassados, assim viveram». E como mudar-lhes as ideias? Colocando-lhes diante de casas modelo porque, como dizia o filósofo inglês, autor do «O Indivíduo contra o Estado», Herbert Spencer (1820-1903), há pessoas incapazes de abstrair que, pela sua natureza, só entendem com imagens.


Ciclicamente, Moçambique tem sido palco de calamidades naturais recuando, por assim dizer, a vida das pessoas afectadas. Há canseiras e dispêndios que elas acarretam e é tempo de pensarmos em soluções duradouras. Os moçambicanos, apesar da sua mobilidade para as grandes cidades, não são nómadas. Segundo worldometers, o país possui 26.472.977 habitantes dos quais 8.467.165, ou seja, 32% urbanizados. Portanto, 68% dos moçambicanos vive em zonas rurais. Nem todas as pessoas vivendo nas cidades levam a vida que ela impõe, chegando outros tantos a viverem pior do que os que vivem nos meios rurais. Um dos grandes problemas relacionados com a habitação está a dispersão da população para quem é preciso fornecer energia, água, educação, saúde, além de outros serviços públicos de primeira necessidade. Embora não tenham energia em suas casas, algumas têm passados os fios de energia por cima de seus tectos ou dos tectos de seus vizinhos. Melhorar a vida rural exige combater a dispersão populacional sem nunca cairmos em erro de aldeamentos coloniais ou de aldeias comunais. 



O problema é tanto juntar as pessoas como fixá-las em locais seguros, transformando as actuais aldeias em povoados de lindas casinhas definitivas e limpas, desenvolvendo nelas, o amor aos vizinhos, à vida em sociedade, à casa e à terra, combatendo ao mesmo tempo o egoísmo e a imoralidade que o isolamento incentiva. Só assim desaparecerá a mobilidade populacional desproporcional, a produção aumentará regularizando-se, e a assistência do Estado será mais intensa e com poucos gastos. Os planos de reassentamento nunca deram resultados satisfatórios porque julgou-se, à partida, que os homens rurais estão dispostos para tudo, a troco de uma vivenda moderna, com as consequentes facilidades de asseio! Simples e abertos como crianças, lançam-se a toda a novidade, mas uma vez quebrado o encanto das primeiras impressões, atiram ao lixo, o que antes adoravam. Quando a monotonia de dias sempre iguais, e as obrigações de uma vida finada apertem, será difícil reté-los. Por isso, há que acompanhar os planos de melhoria das condições habitacionais usando os próprios interessados nos seus espaços habituais, como demonstraremos adiante.



Se o sentido lógico dos ideólogos do reassentamento resultou em fracassos, os governantes não devem cruzar os braços. Pelo contrário, devem seguir o sentido lógico dos fracassos, criando, em primeiro lugar, as condições de atracção e, em segundo plano, chamar aqueles sobre os quais tem o poder de decisão: os funcionários públicos. Sem imitar o gigantesco dos modernos palacetes das cidades, onde há homens empinhados como os fósforos na caixa, o homem rural moçambicano, ultrapassa contudo a rapidez com que são feitos, porque em dois ou três dias levanta um palacete e dependências necessários à vida caseira. A natureza e o clima prodigalizam facilidades. Há paus por toda a parte, barro para betumar os intervalos de pau a pau, palha a monte pelo mato fora, dá óptimo colmo para coberturas. Quando ameaça arruinar-se, renova-se, ou muda-se para novos ares, se os vizinhos, o régulo ou os terrenos, já não satisfazem. É uma vida regalada, livre de arrelias e contribuições prediais que a cidade exige. O frio também não aperta, salvo nos meses de Junho e Julho, em alguns locais.

(Continua)

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