sábado, 19 de abril de 2014

Guebuza, homem certo na hora certa



Por vezes a História faz o homem, em vez de o homem fazer a História. O nosso tempo está replecto de perigos, mas, felizmente, temos o homem certo para nos proteger. O texto abaixo foi escrito para ser lido em 2030, sobre o actual momento.




Os perigos vinham de todos os lados. Os disparos de metralhadoras haviam voltado pela mesma mão de há duas décadas. Já fluíam as conversações tendentes a minimizar o clima de tensões. E todo o diálogo obedecia ao objectivo de apressar a obra de progresso, que tínhamos a nosso cargo, e de melhorar, sucessivamente, as condições dos moçambicanos, na paz. Por toda a parte se desenvolvera então a ambição dos inimigos da Frelimo. A Renamo resolvera apossar-se do poder, embora para o conseguir tivesse de afrontar os princípios de justiça e de esquecer os deveres duma aliança de décadas, à sombra da qual obtivera sempre assinaladas vantagens. Apresentou o princípio de Paridade para equilibrar as coisas na Comissão Nacional de Eleições, porque «a intolerância política, a exclusão, o aumento da pobreza e das desigualdades foram amplamente apontados como sendo parte das possíveis causas do conflito[1]».




Os que cobiçavam a felicidade dos frelimistas adquiriram deste modo uma arma poderosíssima para combaterem ali a influência da Frelimo e poderem guiar os moçambicanos ao sabor dos seus interesses. Souberam aproveita-la, sem sombra de escrúpulos. Por todo o sertão de Gorongosa, e principalmente em Moxungue, instalaram-se alguns lunáticos, possuidores de largos recursos materiais, contra os quais as nossas reduzidas forças ali estacionadas em constantes movimentos mal podiam lutar. Dos órgãos de comunicação social surgiram homens empenhados quase exclusivamente em desenraizar do coração dos moçambicanos o amor a Pátria e em os levantar, em som de guerra, contra a sua liderança. O espirito de rebelião lavrou intensamente, como uma queimada que se propaga através dos campos duma floresta virgem, em grande parte, do nosso país. Mas mais uma vez, Guebuza provou que é dos que acobardam facilmente e soube, em todas as conjunturas, arcar com as suas responsabilidades. Foi um ciclo heroico, em que o homem de que me ocupo, auxiliado eficazmente pelos homens que ele escolheu, escreveu de novo, com o seu suor e o seu sangue, páginas das mais belas de coragem e de patriotismo.




Naqueles dias os renamistas continuavam a emboscar as viaturas como se fossem animais incapazes de regular as suas acções e destituídos da razão e campeavam desassombradamente nas florestas, matando homens e mulheres, crianças e velhos suspeitos de apoiarem o regime, sem leis que lhes impedissem as infames práticas, e considerando-se até como beneméritos, vangloriando-se da benéfica influência que diziam exercer na Grande Gorongosa. Até 11 de Abril de 2013 haviam morrido oito pessoas[2]. O seu chefe, continuava ali, num local chamado Sadjunjira, a dar conferências de dia e a armar ciladas de tomada do poder pela força nas noites. Em 3 de Abril de 2013, em Moxungue, seis polícias revestidos da autoridade moral para proteger a área foram mortos, a mando do chefe que nas próprias palavras «para salvaguardar a sua vida, a única solução que teve foi de dar ordens aos seus homens para responderem pela mesma medida, atacando o posto policial», tendo considerado os ataques a viaturas, assassinatos de civis e saque de bens de viajantes registados na EN-1, de «acidentes de percurso». Vai ser um dilema difícil para os demónios quando tentarem encontrar um lugar adequado para a alma de quem mandou matar de forma deliberada.




Pouco tempo depois, em 17 de Junho daquele ano eram invadidos um Paiol das FADM na estrada de Inhaminga, e outro Paiol, entre Derunde e Muanza. O saldo de mortos nos dois incidentes às mãos da Renamo era de 13 militares. Era preciso dar-lhes batalha formal, fossem quais fossem os inconvenientes políticos que resultassem da extinção dessa iniquidade, afrontosa para todos os princípios democráticos. A essa missão, tão digna das almas bem formadas, dedicou-se o espírito cavalheiresco de Guebuza, homem intemerato da causa liberal, lutador insigne, de tanta coragem e heroicidade, de crenças muito sólidas e uma tenacidade de aço. Nenhuma dificuldade conseguia amedrontar-lhe o ânimo, nenhum perigo era capaz de o fazer vacilar, não obstante ser diabolizado pelos Jornais da Direita. Nada, porém, conseguia quebrantar a tenacidade do apóstolo, entre nós, da libertação. Foi o que sucedeu na realidade. A partir dessa época os acontecimentos precipitaram-se porque a corrente já era muito impetuosa e a onda tornara-se tão alta que galgava sem custo todos os obstáculos. No momento em que entrava para Sofala a fim de proceder com a presidência aberta, ordenava a invasão de Satungira, a 21 de Outubro daquele ano. As Forças Armadas fizeram tudo o que esteve a seu alcance para evitar danos humanos, tendo usado, para o efeito, um amplificador de som que, à distância, comunicava «saiam, retirem-se, apenas queremos a base». O chefe, com os seus acólitos, retiraram-se sem oferecer resistência. Durante a fuga havia ordem para que ninguém usasse celular, mas um dos fugitivos acabou sendo apanhado a telefonar e, de imediato, foi considerado espião. Para salvaguardar os interesses do grupo pagou com a própria vida, mas o anúncio da sua morte viria dos próprios colegas em 25/10/2013.




O combate tinha de ser muito rude, porque, do outro lado da barricada, estavam prontos para se defenderem até a última extremidade todos os que tinham interesses ligados à odiosa Frelimo e perfilhavam a crença geral e enraizada de que só uma guerra marcaria o fim do regime. Para se avaliarem as resistências erguidas contra o esforço de Guebuza de estabelecer um verdadeiro Estado de Direito basta lembrar que dezenas de organizações que se diziam ser da Sociedade Civil levantaram as suas vozes criticand-o e atenuando afrontar directamente a Renamo, o cancro da paz, o que fez com que o porta-voz da presidência, Edson Macuacua, se pronunciasse amargamente nestes termos: «É de facto estranho que quando as Forças de Defesa e Segurança, que têm legitimidade e legalidade para actuarem em defesa da segurança do Estado, actuam, dirigentes das organizações da sociedade civil aparecem frenéticos com discursos inflamatórios de condenação. É caso mesmo para perguntar, a quem servem estes dirigentes das organizações da sociedade civil? Qual é a agenda destas organizações? Parece que perseguem objectivos e agendas inconfessáveis, contrários aos interesses nacionais”. CanalMoz, 28/10/2013




E o exército continuou a dar o golpe de morte das bases da Renamo espalhadas pela savana atirando para o exílio os homens que nelas faziam a sua vida obscura, organizando os mais cruéis métodos de morte. A Renamo avançara para o Sul, na província de Inhambane, na esperança de fazer estremecer os alicerces do regime; mas nenhum obstáculo seria capaz de atemorizar o espírito de Guebuza ainda no momento em que os tratadistas mais eminentes e partidários do regime consideravam Dhlakma insusceptível de trabalhar para a paz a não ser pela coacção e pela força. Quando era geral a convicção de que o Presidente da República é que era arrogante, Guebuza, na sua prontidão admirável, proclamava já o mais nobre princípio, aquele a cuja aplicação se deveram os mais belos resultados da convivência política moderna, o diálogo, sintetizando-o nestas palavras: Estou disposto a conversar com o presidente da Renamo. Fê-lo sem perder de vista que aos homens da Renamo era preciso dar-lhes completa segurança de pessoa e propriedade para se desenvolver entre eles a instrução, criando-lhes escolas numerosas e hospitais, abrindo-lhes vias de comunicação que facilitem as transacções comerciais e pelas quais a força armada pudesse marchar sem embaraço para manter a ordem pública ou para repelir agressões estranhas. Havia convicção inabalável de que por estes e por outros meios que se empregariam, se faria aumentar as necessidades dos renamistas, as quais estimulariam os mesmos a buscar pelo seu trabalho meios de as satisfazer. Quem pensava deste modo não poderia deixar de honrar as suas opiniões, trabalhando quanto em suas forças coube para conseguir a completa emancipação do adversário. Mas a Renamo continuava defendendo a sua ideia de Paridade nos órgãos eleitorais.




E passando das palavras aos factos, em 24 de Abril do mesmo ano, apresentava argumentos cuja aplicação resultaria na criação de um grupo de negociações que se convencionou de diálogo. A atmosfera nacional não estava ainda bem preparada. Os interessados, no estado de coisas estabelecidas, possuíam poderosos meios de influência e não queriam declarar-se vencidos, por isso, tudo fizeram para criar impasses. Guebuza não era homem para desanimar e ainda menos para desistir e logo, na semana seguinte renovava o apelo de negociar com o Senhor Dhlakama. Apesar disso, as suas ideias de uma revolução sem sangue continuavam a encontrar uma viva oposição. Viu-se forçado a criar ambiente propício para o diálogo, não num hotel de luxo mas no Centro de Conferências, para que ele pudesse triunfar.




Os renamistas, pelo seu lado, não se resignavam a perder os seus interesses, nem queriam sujeitar-se à derrota, apesar de a sentirem próxima. Acoitaram-se em Inhaminga, onde o domínio das forças armadas não estava ainda solidamente firmado e abriram ali, com o máximo impudor, sucursais escandalosos de treinos militares onde a miúdo eram vendidas, em ignóbil leilão, as almas dos jovens recrutados à força na cidade da Beira, recrutas prontamente atribuídos às forças armadas convencionais. A esse degradante espectáculo só meses depois é que se pôs um termo, precisando o Governo para isso de organizar uma expedição e conseguindo então que as forças armadas desactivassem algumas bases.




As campanhas de Gorongosa, de Inhaminga e de Moxungue, contra os inimigos numerosos e escondidos, incitados, instruídos e municiados pelos que queriam, acima de tudo, derruir o nosso domínio, ficaram famosas entre as mais notáveis campanhas de todos os tempos pela rapidez de execução, castigo exemplar dos rebeldes e forma completa como atingiram o seu objectivo. As FADM foram duras no castigo, mas combateram sempre com nobreza e lealdade que, submetidos os renamistas, jamais os perseguiram com represárias cruéis. Terminados os combates, esqueciam-se do mal que eles, obedientes joguetes de ambições alheias, os quiseram causar. O compromisso das FADM aos renamistas, combatendo no fundo as suas tendências para a ociosidade e o seu amor à inércia e à matança, que levava muitos deles a viverem exclusivamente da mulher, não receava confrontos directos, caso fosse preciso.




E o que é oportuno frisar é que a guerra de autodefesa que as forças armadas moviam contra o extermínio do povo era mal vista pelos adeptos da Renamo que já se orgulhavam de ter um defensor mais fortes, capaz de submeter a temida Força de Intervenção Rápida. Nessa ocasião, os apologistas silenciosos da violência viram com manifesta má vontade o enérgico correctivo que as forças infligiram aos criminosos de Moxungue trocando a esse respeito uma demorada e azeda correspondência facebookiana entre si; desaprovando o que as FADM haviam feito e criando-lhes depois dificuldades à ocupação dos espaços, que indiscutivelmente lhes pertenciam. E mais tarde, a as FADM não hesitavam em enxovalhar a Renamo da maneira mais civilizada obrigando-lhe a restituir-lhes as bases. Isso não impediu que ela, abusando da sua força, sujeitasse as populações à humilhação a que me referi e que fez brotar dos lábios de Gabriel Muthisse as frases mais belas e de mais rubra indignação de quantas constituíram a glória da sua missão: «a Renamo tinha que enterrar o machado da guerra». O diálogo com esta organização classificada como «terrorista» por Gustavo Mavie, foi um trabalho portentoso de inteligência, de continuidade e de confiança nos nossos destinos. Um trabalho de ingente preparação e, ao mesmo tempo, de realizações imediatas, tanto que fomos nós os primeiros que abrimos às portas ao diálogo nacional e sem interferências externas nesta parte de África.







[1] Egidio Chaimite, indignai-vos, IESE, 26 de Fevereiro de 2014.


[2] (JN, 11 de Abril de 2013).

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