Meu caro plebeu
Quando, nos saudosos dias de vida religiosa, éramos assíduos frequentadores das missas dominicais, mal diríamos então que, passados 17 anos nos tornaríamos a encontrar nesta longa caminhada da vida, numa terra longínqua como Turquia. O amigo, coberto de glória, pelos seus triunfos sucessivos que o tornaram um empresário moderado, que encanta seguir, eu gasto e cansado pela longa permanência fora do país. Naquele tempo, sempre saudoso, para reforçar a modesta compreensão linguística, lancei mão, com parca habilidade, de crónicas que escrevia para uma revista religiosa da Companhia de Jesus. Assim me ficou o hábito de escrever, nunca perdido pela temporada na Europa, de onde te mandei cartas sobre as nossas relações de longa data e, em especial, sobre os nossos valores religiosos. É baseando-me nestes valores que analiso a actual realidade nacional. Quando os frelimistas tratam de situação particularmente muito grave, costuma escrever no cabeçalho das suas directivas as palavras «Unidade, Trabalho e Vigilância». Ter alguma palavra ou expressão de esperança é uma prática sensata que conduz à clareza do pensamento. Meu caro, estejamos vigilantes porque as constatações do passado mês de Novembro, acerca de regiões autónomas, passados já três meses, não perderam a sua actualidade, pelo contrário, parecem urgir-nos ainda mais. Uma nuvem negra cobre o céu da Frelimo! Naquele dia - ainda me lembro - dizias que as duas oposições tinham agendas e visões diferentes mas iguais na concepção. Se para a Renamo a justiça seria possível na divisão do país, para o MDM ela encontrava a sua materialização na tribalização da política. A Frelimo, pelo contrário, acredita que a justiça deve ser encontrada na Unidade Nacional. E concluías dizendo que a ideia da unidade é a mais valiosa pelo que deve ser defendida. Concordei contigo em tudo e ainda concordo.
Entretanto, devo dizer-te, pois, algumas coisas preocupantes. O que está a acontecer é que as intenções da Renamo são demasiado incertas e falta-lhes a clareza necessária para que possamos nos pronunciar sobre elas. A última e tremenda guerra da qual acabámos de sair, além do seu elevado custo enquanto durou, dinheiro que poderia ser investido em outras áreas sociais, aumentou a miséria e a penúria, principalmente nas áreas afectadas, afastou investidores criando incertezas. Preparou um terreno fertilíssimo para os factores de divisão e veio dar mais força aos que a financiam e habitualmente a fomentam. A guerra sempre recuou os nossos ideais. Dos esforços e dos trabalhos dos guerrilheiros da Renamo só hoje restam ruínas, nada mais do que ruínas e miséria, medo e desespero. Por mais paradoxal, porém, que pareça, é disso que a Renamo se serve e se orgulha, lançando culpas a quem governa, mesmo quando ela é responsável que intimida investidores. Vemos, por uma parte, o homem comum voltar-se para essas doutrinas de autonomia como para um Evangelho, que traz a promessa de uma vida melhor depois da morte. Esta mesma Renamo, nos anos 90, recusou nomear Governadores e administradores nas áreas que tinha vencido. Esta ideia já era originalmente da Frelimo e eles a recusaram alegando que queriam governar todo o país. Com o passar da idade, há que tudo fazer para ser presidente de alguma coisa, o que é bom! Porém, o boicote das eleições municipais pela Renamo em 1998 e em 2013 afastou-a da conquista dos espaços onde pudesse exercer o agora tão almejado poder autónomo com o seu lugar ocupado pelo MDM, hoje em apulos. Por outro lado, intelectuais, intimados por uma espécie de fatalismo, ou fecham voluntariamente os olhos ao perigo imediato ou capitulam de antemão, preparando-se para um martírio inevitável. E nos aconselham a tratar Dhlakama como ovo, dando-lhe toda a razão do país porque, segundo dizem, pode ficar zangado e complicar as coisas. Acrescentam dizendo que assim o fazem para o bem da própria Frelimo. Entretanto, o perigo mais grave é que, ultimamente, de vários segmentos da sociedade, a juventude desempregada tem sido facilmente seduzida.
Ao ver as flagrantes injustiças e abusos da ordem social nos quais poucos comem e muitos se sufocam com o cheiro dos restos de boa comida, ao ver o sonho de ter emprego estar cada vez mais reservado para quem já tem algum dinheiro devido à venda de vagas e ao uso de influência feita pelos sectores dos Recursos Humanos nas instituições públicas e que as forças da posição parecem não poderem ou não quererem enfrentar a situação de frente, dão ouvidos às novas doutrinas. E isto faz com que se diga de boca cheia que a proposta de lei a ser submetida para Assembleia da República seja tratada de forma especial sob risco de «este Governo cair». Meu caro plebeu, vemos o Parlamento a perder a sua vitalidade. Já é difícil afirmar que o poder pertence ao povo quando o Parlamento que o representa não é livre de debater e de decidir de forma consciente e quando a maioria parlamentar é ameaçada pela minoria. Ademais, a teoria da divisão do país não é uma suposição abstracta porque os seus ideólogos a ensinam, agem e vivem. É de grande importância que os frelimistas a conheçam, tal qual é na verdade. Este é o nosso dever mais difícil e urgente nos dias que correm. Dever mais urgente, pois o objectivo imediato, visado pelos nossos irmãos, não é apenas divulgar a própria doutrina, mas pôr em confronto directo entre o Presidente Nyusi e a Frelimo; apossarem-se do poder, para, com seus métodos já conhecidos, poderem cortar à Frelimo qualquer acesso ao povo. Estamos perante uma violação dos destinos nacionais e tal está a acontecer debaixo de um véu de frases moralizadoras provenientes de pessoas em quem seria de esperar palavras de condenação, talvez destinadas a apaziguar a consciência.
É preciso cortar os tentáculos empolgantes da Renamo, que se estendem sem cessar aos lares dos pobres para saciar as suas bocas sugadoras, com falsas promessas. Ela sonha em criar um cinturão de resistência silenciosa que nos poderá pesar no futuro. Como frelimistas, amigo, temos que ir-nos prevenindo das manobras suspeitas da Renamo. Abraçados por uma mão de confiança cega e calados poderemos acordar assustados, despejados do poder porque sem acesso ao povo. Assim como no passado o anti-socialismo, assim agora o anti-constitucionalismo pôde nascer e robustecer-se devido às condições de vida da grande massa populacional, tão duras, ou antes insuportáveis, que reinavam e ainda reinam. O que devemos aconselhar que se faça e em que devemos ajudar, é, sem mais nem menos, um plano de salvação nacional que dará melhores condições de vida ao povo. Em que, então, o rápido desenvolvimento e, provavelmente crescimento económico deverá ajudar a cada um dos moçambicanos? É, nem mais nem menos, a segurança alimentar, a assistência social, a liberdade e o progresso para todos os lares e famílias, para todos os homens e mulheres de todo o país. E aqui, refiro-me, em particular, à miríade de casas e pequenas cabanas nas quais os chefes de família lutam, no meio de todos os acidentes e dificuldades da vida, para proteger a mulher e os filhos das privações e educar a família segundo conceitos éticos que frequentemente desempenham um papel fundamental em suas vidas.
Do teu amigo, deste lado da Ásia Menor, Unidade, Trabalho e Vigilância.
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