Observam-se esforços convulsivos, por parte da oposição e
dos seus agentes na imprensa dita «livre», no sentido de encontrarem os
argumentos políticos ideais em defesa da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Desses argumentos, destaca-se particularmente o princípio da Paridade,
defendido pela Renamo, segundo o qual a CNE deve compor-se de membros de
partidos políticos com assento parlamentar em igualdade numérica. A falsidade e
a hipocrisia de tal argumento, repetido em milhares de formas na imprensa
oposicionista, são evidentes para todos os que não querem atraiçoar o princípio
fundamental da democracia: a proporcionalidade. Temos três partidos políticos
na Assembleia da República entre os quais dois estão na oposição. Suponhamos
que haja uma CNE composta por 15 membros. Ora, seguindo a paridade, à partida,
a soma dos dois daria uma vantagem numérica à oposição, isto é, no cenário em
que cada partido possua 5 membros, a oposição teria, no conjunto, 10 membros
contra 5 da Frelimo, uma espécie de batota. Mas o problema de fundo não está na
maioria ou minoria numérica quando se sabe que não é na CNE que se ganham
eleições. Beira e Quelimane estão nas mãos da oposição sem nenhuma paridade!
Em primeiro lugar, o argumento da paridade é usado com
certas interpretações sem indicar concretamente a que se refere. Uma tal postulação,
deixando de fora a questão numérica, é uma chacota directa à doutrina
fundamental da democracia, nomeadamente à doutrina da proporcionalidade, que os
ditadores que se passaram para o lado dos democratas reconhecem quando falam,
mas esquecem quando agem. A defesa de um princípio sem pernas para andar só
mostra que eles não estão interessados na democracia e, parece muitos seguirem
cegamente. Não está no interesse da Renamo lutar pela democracia muito menos
pela fortificação dos partidos da oposição. Existem, no país, mais de meia
centena de partidos políticos legalmente instituídos e várias organizações da
sociedade civil cujos interesses estarão fortemente ameaçados caso o princípio
da Paridade seja adoptado.
A História da democracia moçambicana ensina que nenhum
processo eleitoral foi democraticamente aceite pela perdiz que hoje destrói
aquilo para que jura ter lutado durante a longa noite dos 16 anos, na sua
violenta e insana resistência durante a qual não hesitou em recorrer a qualquer
acção, tal como nos demonstrou na história recente do Moxungue. A Renamo, cujos
interesses são agora defendidos pelos seguidores da oposição que esperam colher
espólios da desordem e abraçam a causa da paridade, conquistou o seu
reconhecimento à custa de uma série de revoltas e sangue que deram ao povo
muito sofrimento ainda não totalmente esquecido. Nos seus panfletos, na
resolução dos seus congressos e nos seus discursos de propaganda, já explicou
ao povo, milhares e milhões de vezes, a natureza da sua luta. Assim, a actual
defesa da paridade sob a forma de chantagem contra o Governo visa forçar este a
comprar a estabilidade. Por outras palavras, se o Governo for intransigente, ela,
fazendo uso da sua reserva militar, ataca e mata civis, divide o país,
condiciona a circulação esperando que o Governo compre a estabilidade, custe o
que custar. Quem defende esta forma de fazer política trai os alicerces da
democracia e deita abaixo os pilares da construção do Estado de Direito a favor
do qual todos somos chamados a defender. Os actuais gritos e lamentos contra o
regime sob a forma de clamores a favor do Estado Democrático, são uma chacota à
Democracia e representam, na realidade, uma merecida passagem para o lado dos
ditadores e a negação, ao Estado, do direito à sua própria revolução. São uma
defesa do reformismo partidário, no preciso momento em que este reformismo está
em colapso.
Em segundo lugar, todos os defensores que explicam a
natureza da paridade estão a expressar a ideia que eles próprios expressaram
com maior exactidão quando disseram que a CNE estava partidarizada. Não há um único
democrata nem um único lúcido sincero entre aqueles que agora clamam contra a
CNE que reconhece esta verdade fundamental da democracia: a Frelimo teve uma
maioria absoluta e possui a legitimidade para aprovar leis para acções
presentes e futuras e defender acções passadas. E agora, quando ela começa a
agir e movimentar-se para a destruição desta maquinaria da partidarização da
CNE apostando no maior envolvimento da Sociedade Civil, alguns colocam a situação
como se a Renamo estivesse a dar aos moçambicanos a democracia pura, como se a
Frelimo estivesse a abandonar a resistência e pronta a submeter-se à minoria
parlamentar, como se numa república democrática não existisse causas a defender.
Os democratas sinceros sabem muito bem que a expressão Paridade
da CNE, mesmo na mais democrática das repúblicas burguesas, é uma frase vazia
de sentido. A Renamo chamou paridade o direito dela estar em igual posição em
relação à Frelimo, partido de quem recebeu tetra-derrotas. A Renamo chamou
Paridade o direito de os partidos políticos dividirem entre si as riquezas do
país. Quando fala da distribuição da riqueza não o faz em prol do povo mas olha
para o seu umbigo. Com que legitimidade ela a Frelimo devem dividir entre si as
riquezas de todos os moçambicanos? A paridade na riqueza nacional é subversão das
coisas. A Renamo pretende moldar a chamada opinião pública para se apoderar,
por via de força, do poder e da riqueza. O primeiro passo foi apagar da cena
política o MDM para, de seguida, virar as baterias contra o arqui-adversário de
sempre. E os acontecimentos revelam-nos que os defensores da democracia pura são,
na verdade, os defensores do sistema mais sujo e corrupto de domínio dos
partidos políticos sobre os meios de democratização das massas.
Enganam o povo
com frases agradáveis, sonantes e bonitas mas totalmente falsas, tentando
dissuadir as massas da tarefa histórica concreta de libertar a CNE dos partidos
políticos que assumiram o seu controlo. A verdadeira CNE apenas existirá na ordem estabelecida pela
Sociedade Civil, na qual será impossível ser árbitro da própria causa, onde
será impossível sujeitar directa ou indirectamente os seu membros ao poder da
influência, onde não haverá obstáculos que impeçam nenhum partido de usufruir e
até concretizar o direito igual ao uso da CNE para ganhar eleições. O resto,
são manobras dilatórias de quem jurou não ir às eleições e tudo fazer para que
os outros também não o façam. Devemos, como um povo, rejeitar a resistência violenta
de uma força política em vias de perder o seu domínio político. Segue-se, pois,
que a paridade é um princípio de grandeza moral coberta de aço mas com pernas
de barro. A qualquer humidade vai derreter e não conseguirá andar.