João Belo, C. P. 34.
P. East Africa - Via Lourenço Marques.
17-03-1954.
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Exmo Sr. Eduardo Chivambo Mondlane,
United States Of America,
Illinois, Evaston.
A sua saúde, que a minha vai bem, graças a Deus. Naturalmente o senhor vai estranhar receber esta minha carta sem saber quem lhe manda, talvez por já não se lembrar de mim. Sou uma daquelas pessoas a quem o Senhor mandou cumprimentos por intermédio do Mabunda, irmão mais moço do Dr. Mabunda a quem, segundo me consta, o senhor preparou a papelada para ir matricular-se ai numa das universidades locais. Sou, numa palavra, um conterrâneo seu, natural de Chibuto, residente actualmente em João Belo, onde presto serviço de intérprete administrativo. Desejo retribuir-lhe os cumprimentos que nos enviou por intermédio do senhor Mabunda de Chicumbane. Grato fiquei por saber que um meu patrício havia tirado um Curso de Ciências Económicas e financeiras em Lisboa, mas que já se encontrava na América para tirar uma especialidade e doutorar-se. Que tal vão esses estudos? Quando é que pensa completar o curso, e quando volta para cá? Como vê, também sou das pessoas que gosto de instruir e educar os meus filhos. Tenho a estudar, em Lourenço Marques, no Liceu Salazar dois filhos e um, na escola Técnica da mesma cidade. Gostaria depois mandar alguns filhos a Portugal, afim de tirarem ali algum curso superior, mas para isso é preciso dinheiro, o que não tenho, pois Deus, dá nozes a quem não tem dentes como se (o)usa dizer. No entanto, vou ver se tento conseguir alguma Bolsa de Estudo para eles seguirem depois os seus estudos superiores em Portugal. Deus queira. Quanto a vida em Gaza é barata, verificando-se já um número progressivo de pequenos agricultores indígenas que fazem as suas culturas de vária espécie: arroz, milho, feijão, trigo, algodão e outros cereais, que são vendidos depois em mercados pelos próprios indígenas, assistidos pela autoridade. Há nativos que chegam a tirar 100 a 150 sacos de qualquer das espécies de cereais indicados. Somente o ano passado é que foi ano de fome devido a escassez das chuvas. Porém, sua Excia, o Governador Geral de Moçambique, Gabriel Teixeira, fez na Inhamissa, uma obra meritória, transformando, no seu dito, o Xai-Xai, antigo celeiro de mosquitos, num celeiro de cereais, o que é bastante consolador para as populações indígenas. Há bastante terra para todos aqueles que têm vontade de trabalhar. Temos bastantes escolas do ensino primário Oficial e do ensino missionário, Portguês, espalhadas por mato além. Temos Liceus e Escolas Técnicas em Lourenço Marques, faltando-as ainda aqui, em Gaza. Quanto ao ramo do comércio, há por enquanto poucos indígenas inclinados para isso, verificando-se em grande escala, comerciantes monhés e alguns europeus. Os agricultores indígenas, na maior parte, fazem as suas machambas com charruas de bois e alguns com tractores da sua propriedade. Por hoje não vou além deste ponto final, mandando-lhe os meus respeitosos cumprimentos.
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Resposta de Mondlane ao Senhor Chissano
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Eduardo C. Mondlane
1935 Sherman Ave.,
Evanston, Ill.
23 de Dezembro de 1954.
Exmo Sr. Alberto Chissano,
Intérprete Official Administrativo,
Caixa Postal 34,
Vila de João Belo, Moçambique
Exmo Senhor Alberto Chissano,
A sua estimada carta do mês passado impressionou-me tanto que traduzi-a para que os meus amigos americanos que se interessam por Moçambique possam lê-la. Sinto-me muito orgulhoso por ter um patrício tão devotado ao seu povo. Não sei se o senhor Chissano compreende o valor intrínseco do que faz por educar os seus filhos. Nenhum povo no mundo tem alcançado uma posição superior sem que tenha habilitado os seus filhos no manejo das ciências. O futuro do nosso povo Africano dependerá da qualidade de educação que os nossos filhos poderão obter, e esta depende de grau de sacrifício que nós responsáveis pela sua educação estamos preparados a dar. Parabéns patrício.
Os meus estudos vão avançando. Estou agora para acabar a minha tese para a licenciatura. Ficarei mais um ano e meio a fazer uma dissertação para o meu doutoramento em ciências sociais. Para conseguir ficar na universidade e pagar as despesas dos estudos, comida e sala de dormir, bem como os livros, etc., ensino três classes (aulas) cada semana. Tenho em meu cargo 90 estudantes, todos eles brancos excepto um Negro americano e um Chinês. Aqui nesta parte dos Estados Unidos não há preconceitos raciais. Vivo aqui em boas relações sociais com todos os meus colegas, estudantes e professores.
Uma razão porque não escrevo tanto é a falta de tempo. Diga ao nosso amigo Sansão que hei de escrever logo que apanhar um minuto. Estou muitissimo ocupado. Mas não me esqueço dos meus compatrícios. Admiro o Senhor Mutemba muito. Ele é um dos nossos geniosinhos que infelizmente não conseguiu continuar os seus estudos. Estou certo que apesar de não ter feito estudos avançados na medicina é melhor doutor do que muitos deles. Uma coisa que eu admiro muito em Sansão é o seu amor pelo nosso povo africano. Mandá-lo os meus mais sinceros cumprimentos, e diga-lo que vou escrever muito já.
Que tal é da vida em Gaza. Dê-me alguns detalhes sobre a vida do povo na sua próxima carta.
Com os meus cumprimentos do Ano Novo.
Assino,