quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Renamo: entre a Luz e a Escuridão

O prodigioso ressurgimento da ala militar da Renamo mostra que os objectivos dela, desde o levantamento de 1976, nas matas de Manica, nunca viraram. Uma vez, Armando Guebuza disse: «A Renamo ainda não desistiu da sua intenção de chegar a uma solução por via militar, através da violência. A nossa experiência indica que a Renamo raramente cumpre os compromissos assumidos. Queremos garantias de que a Renamo vai respeitar um eventual acordo de paz. É do interesse de todas as formações políticas que a Renamo se transforme num partido político e cesse a violência no país. Notícias, 9 de Março de 1992. Estas palavras, ditas há mais de duas décadas, continuam actuais. A Renamo não cumpriu com os acordos de cessar as hostilidades, não entregou a lista dos seus homens para integração, não quer entregar, num espírito de boa fé as armas que detêm para se transformar em partido político e fazer política não a guerra. Uma escolha para a Renamo: ou faz a política ou faz a guerra porque um servo ao serviço de dois Senhores agradará a um em detrimento do outro. Com efeito, todos os homens que deram cara a este movimento, desde Orlando Cristina passando por Evo Fernandes e Raul Domingos até ao advento de Bissopo, se empenharam com tenacidade e o mesmo propósito, embora, através de processos diferentes, em anular a Frelimo, tendo como base a arma. Este facto não pode surpreender. Um oficial deste movimento disse-me que «o futuro da Renamo está nas armas». Já o próprio Dhlakama reagira a posição de Guebuza dizendo: «O meu movimento é contrário à discussão do cessar-fogo nesta altura, porque um acordo de cessação imediata da guerra iria levar o Governo a bloquear o processo das reformas políticas». Voz de América, 10 de Março de 1992. Segundo se veicula, recentemente, Dhlakama terá telefonado à um grupo restrito de deputados, para dar orientações do que deve ser defendido no Parlamento. Quer dizer, enquanto se discute no parlamento, os guerrilheiros vão fazendo pressão armada, amedrontando e ele, na tentativa de fugir da responsabilização, vai atiçando o fogo a partir da caverna do silêncio. 

O que, pelo contrário, não pode deixar de surpreender singularmente, é observar-se que o MDM tem sido, desde há algum tempo a esta parte, a grande propiciadora da cumplicidade. Voltemos à carga. De armas em punho, a Renamo, mais uma vez, está a destruir o país que, com muito sacrifício, se reergue dos escombros. Na sua propaganda, os dirigentes dessa organização apresentam-se como santos. Para eles, todos os males, incluindo as calamidades naturais, têm origem na Frelimo. Falam do povo desgraçando-o. Falam do povo emboscando-o. Falam do povo comendo-lhe o seu gado a preço simbólico de 100 Meticais, o que constitui roubo. Falam do povo sacrificando-o. O cumprimento da obrigação involuntariamente assumida, vence as razões que aconselham o silêncio e por isso é preciso falar, sem naturalmente esconder que o fazemos com a alma amargurada e revoltada pela agressão armada a que os nossos conterrâneos foram submetidos. Desculpai a referência neste momento e nestas circunstâncias a uma grata recordação que me assalta o espírito e que de algum modo me serve de credencial. Entre Junho e Agosto encontrava-me de férias em Tsangano com alguns amigos que se encontravam lá em defesa da pátria. O meu distrito estava sendo palco de confrontos armados. E recordo mais do que os meus sacrifícios, os sacrifícios e sofrimentos dos que por lá deixaram os ossos ou vieram morrer prematuramente na zona segura. Quando andei por essas terras a que criei eterno amor – talvez porque nasci lá o porque lá dei bastante sangue aos mosquitos - registei em cartas as observações que consolavam a minha curiosidade e, relendo essas observações, verifico que elas me fizeram conhecer praticamente a exactidão do pensamento do notável «visionário e filho mais querido»: «A Renamo ainda não desistiu da sua intenção de chegar a uma solução por via militar, através da violência». Lá, uma dezena de escolas foi fechada, afectando mais de 3 milhares de alunos e os hospitais funcionam a meio-gás; em Morrumbala, seis escolas foram fechadas, afectando quase duas milhares de alunos; e há outras tantas partes em que alunos estão fora das escolas e os professores continuam a auferir os seus salários sem trabalho, numa altura em que a produtividade se tornou imperativo nacional. 

Quando a Frelimo apela a Renamo para que entregue as armas, esta se recusa e acusa aquela de ser também um partido armado, numa clara demonstração de fuga para frente a fim de justificar a tragédia. O apelo da Frelimo deve ser tomado como um apelo ao repensar os caminhos que nos levem a viver na mais santa paz, respeitando-nos e estimando-nos. A Renamo agride o povo por causa das suas diferenças para com a Frelimo. Nós, o povo, pagamos preço alto às chantagens deste ainda partido político armado, tal qual o Hezbollah. Mas o Governo Libanês aceita o braço armado do Hezbollah por ser o único capaz de enfrentar Israel. E a Renamo, a quem quer enfrentar? Ao povo! É seguro dizer que fomos apenas vítimas e somos, portanto, acusadores e não réus. A Renamo quer dirigir, a todo o custo. Dirigir um país, como sabiamente foi sendo dirigido, não é tarefa para aventureiros, umbiguistas, intriguistas, divisionistas e, sobretudo, tribalistas. Recordemos que com a Frelimo, povoações que mal despontavam são agora grandes urbes. Estradas, aeroportos, caminhos-de-ferro, fábricas, centrais eléctricas, estabelecimentos comerciais, grandes fazendas agrícolas, universidades, escolas, hospitais, pontes, numa palavra, o progresso surge, irrompem por todos os lados e, apesar de tudo, cada vez com maior pujança. De resto, honestamente, não se percebe como, quando e por quem deve ser exercido o poder, senão a Frelimo. Na verdade, se é certo que a Renamo assentou no princípio de Autonomias Provinciais, doutrina que não nos trouxe qualquer novidade teórica ou prática, absteve-se de estabelecer uma definição prática sobre como ela própria a materializaria sem abolir os municípios. Trouxe um conceito fantasioso e nessa ordem de ideias faz de conceitos um programa político para dividir o povo. Aconselhada pelos seus patrões estrangeiros que vivem em estados federados, sugere uma mudança, dos nacionalistas aos tribalistas, portanto, inaplicável no nosso modelo de estado unitário, como tantas vezes tem sido dito e redito. Não foi o povo que disse à Renamo que quer autarquias provinciais, pelo contrário, foi a  Renamo quem disse ao povo, pelo que usar o povo para legitimar posições alheias a este é falta de escrúpulos. Mas admitindo por mera hipótese, que assim fosse, bastará uns tantos habitantes de determinado território segredarem na intimidade das suas casas ou mesmo na praça pública que desejam autarquias provinciais para se dever mudar?! 

Será razoável que missivas de uma ou de algumas dezenas de cidadãos dirigidas a uma praça, ou meia dúzia de tiros na Gorongosa, em Morrumbala, em Tsangano ou uma insurreição fabricada em Inhambane possam pesar de tal modo que ponham em jogo o destino da Unidade Nacional? Será correcto, será justo, será sequer admissível que em nome das mudanças assim concebidas se destrua a unicidade da nação por meio de autonomias locais? Vai para 20 anos que as populações do país realizam diariamente o mais autêntico, o mais eloquente e o mais exigente de quantos plebiscitos lhes poderiam ser pedidos para manifestação da sua vontade. Cada dia, o povo recorda com gratidão que foi a Frelimo quem libertou a terra e o homem. Podemos espreitar para os países vizinhos que tentaram provar o veneno da mudança. Se não recuaram, estão estagnados, se não venderam a soberania tiveram que recomeçar. Isso nos auxilia a interpretar o verdadeiro sentido e objectivos das supostas autonomias: substituição aparente do poder político e manutenção e extensão de zonas de influência sem responsabilidades da soberania, ou seja, um neocolonialismo de índole puramente materialista com recurso aos patrões estrangeiros. O progresso, como atrás me referi, processa-se a um ritmo verdadeiramente impressionante, na nossa terra. E porquê? Porque ao povo foi informado que a única forma de sair do retrocesso é pelo trabalho, pela auto-estima e pelo abandono da vida de mão estendida. Segundo narra o Génesis, Deus disse a Adão, depois do pecado original: “tirarás da terra o teu sustento com muitas fadigas todos os dias da tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que te tornes na terra de que foste tomado: porque tu és pó e em pó te hás-de tornar”. Movida pela escuridão, a Renamo é contra este preceito bíblico. Mesmo na luz, não quer ver o povo trabalhando a terra e quer desacreditar a Frelimo desgraçando o povo. Tal como um parasita que suga o hospedeiro até a morte conjunta, assim ela procede. Mas o homem expulso do paraíso, isto é, o homem entregue a si próprio, determinando-se por seu livre arbítrio, havia de edificar o mundo em que tinha de viver. Este penoso encargo constitui a história do nosso tempo. Paz e Trabalho! E são estes princípios, são estes os atalhos, são estes os valores supremos, as grandes armas de que nos temos servido em todas as épocas da nossa história recente e que ainda hoje empregamos com a mesma generosidade e a mesma fé nos duros combates em que estamos empenhados. Esperamos, sinceramente, que a Renamo faça escolha entre a luz e a escuridão antes que seja feito um pedido formal para a sua inclusão no grupo de organizações terroristas.  Disse!


Eusébio A. P. Gwembe