Como todas as organizações trabalhistas formais, isto é, partidos e sindicatos, a oposição moçambicana desenvolveu tendências oligárquicas em que os interesses privados dos líderes são opostos aos interesses dos filiados. Porém, o povo é chamado para encobrir as verdadeiras intenções dos líderes. Robert Michels tinha razão quando a dado passo notou que a centralização do poder acaba nas mãos de poucos. Esses poucos – a oligarquia – irão usar todos os meios necessários para preservar e aumentar ainda mais o seu poder. No caso da Renamo e do MDM, este poder está em Afonso Dhlakama e em Daviz Simango. Quando o país precisa de uma oposição que formule projecto de como podemos sair do fundo do poço, vemo-la muda e centrada na violência, enquanto instrumento para aquisição do poder. Como todos os líderes políticos, Dhlakama e Simango também têm controle do seu poder sob sanções e recompensas. Eles tendem a promover aqueles que compartilham de suas opiniões, o que inevitávelmente reforça o espírito oligárquico auto-perpetuante. Eles controlam a informação que flui até os círculos mais baixos de comunicação, censurando o que ele não querem que os militantes e o povo comum saibam. Mas, sobretudo, dedica recursos significativos para persuadir a militância da justeza de suas posições.
Quando Dhlakama fala de dirigir o Centro/Norte a partir de Março próximo, há pessoas a se extasiarem. Confesso que causa-me perturbação o tom agressivo com que o eterno líder apregoa o advento de uma verdadeira democracia nas imaginárias regiões e proclama as virtudes da Renamo como uma organização verdadeiramente democrática. Ele que nunca passou por voto! Até parece estarmos perante um régulo que aspira a um estado de verdadeira beatitude democrática. Se virmos bem as coisas, o discurso ameaçador de Afonso, secundado por Daviz, não é novo e a pretensa ideia separatista nada tem de original. Vem de longe! Uma parte de fracassados políticos sempre revelou grande disponibilidade para aderir à uma retórica tribal-regionalista eunuca e moralmente demagógica. São utopias desacreditadas e ambições revolucionárias falhadas, de quando em quando ressuscitadas sob novos herdeiros daqueles que dirigem, a que Robert Michels tão bem definia, pela “Lei de Ferro da Oligarquia». A posição de Dhlakama não pode conduzir senão ao desastre político da Renamo e a emergência gloriosa do ainda dormente Movimento Democrático de Moçambique. Interessa ao MDM uma Renamo violenta, incapaz de se organizar politicamente, a fim de emergir na arena nacional. Um sonho adormecido mas potencialmente não esquecido!
E não é de descartar que os meios a usar incluam a possibilidade deste partido estar a atiçar senão mesmo a financiar todos os focos de violência. Tudo para dificultar os processos que antecederão as eleições de 2019, mormente, o recenseamento, a formação, a capacitação e o próprio processo eleitoral. Está provado pelos olhos que estas duas formações políticas, ainda ligadas pelo cordão umbilical tribal, discutem os mesmos espaços e os mesmos eleitores. Se assim acontece do lado atávico do MDM para quem o adversário de peso é a Renamo, esta última tem interesse numa bipolarização política como via para derrotar o também adversário de peso: a Frelimo e, por via disso, ter acesso ao poder. Para tal, um ambiente de tensão constitui um meio para que a Frelimo não materialize o que está no seu projecto de governação e assim, poder ser desmentida pela ausência de obra. Em última instância, uma violência política assim organizada mostraria que a sua desorganização interna é obra do adversário e que a violência que os seus membros fazem quer em forma verbal quer por actos são em resposta às provocações de que são vítimas. É uma táctica de auto-flagelação. Um ambiente de paz e estabilidade seria compensado pelo voto, nas eleições de 2019 de que a Renamo e o MDM, mais uma vez, sairiam derrotados.
Façamos uma breve excursão histórica sobre o lado violento desta oposição, para percebermos como ela tem na violência um instrumento para manutenção e obtenção do poder. Existe uma relação intrínseca entre a violência e o insucesso político desta nossa oposição. Quando ela se sente incompreendida ou incapaz de formular políticas que vão para além dos membros beneficiários, a violência é o provável recurso no compasso de espera entre o processo geral desorganizado e o tempo necessário para se organizar. Mas isto se deve à própria origem da Renamo que, por força do ADN, não foi capaz de impedir que genes violentos passassem para o segundo filho, também surgido num contexto de violência: o MDM, para quem toda a diminuição do seu poder é um convite à violência. Sempre que sente que este lhe foge das mãos, é sempre difícil resistir à sua tentação. A violência praticada e financiada por esta oposição, sob várias formas, tem um carácter instrumental. Mas o poder nunca é propriedade de um indivíduo, como sucede sobretudo na Renamo; pertence a um grupo e só continua enquanto o grupo mantém a sua união. Qualquer tentativa de isolamento obrigará aos deputados deleitados nas mordomias da capital a ter que se separar do cordão umbilical.
Aqui é onde entraria o MDM que havia de pescar na rede, coagindo aos deputados renegados a renunciarem a Renamo e aderirem ao galo. Até porque a distância entre galinha e perdiz apenas reside na esperteza. Porque a violência é, por natureza, instrumental, como todos os meios, requer sempre orientação e justificação através do fim que visa. Para a oposição, a combinação entre a violência e o poder é como se estivéssemos a falar de unha e dedo. Assim, a violência é uma pré-condição do poder. O MDM nunca foi capaz de condenar a Renamo quer pela sua linguagem ameaçadora do Estado de Direito quer pelos seus actos que retraem os investimentos. Quando a Renamo tem necessidade de justificar a violência, a partir da parte incerta, Simango diz «força Dhlakama». Ambos não dizem que o que precisam é o poder ilimitado porque este é um fim em si próprio, por isso, não necessita de justificação, mas sim de legitimidade. A violência destes dois partidos não depende do número praticado ou das opiniões, mas dos instrumentos. Mas tenhamos atenção! Os fortes sentimentos fraternais engendrados pela violência colectiva seduziram muita gente bem-intencionada com a esperança de ver essa violência dar origem a uma nova comunidade e a um homem novo. Ao fim, a desgraça daí resultante foi pior do que era de esperar. A violência, é mais frequentemente a arma da reforma do que da revolução. O seu perigo está sempre nos meios se sobreporem aos fins. Por isso, digamos não à violência.
Com efeito, a necessidade de fortalecimento do partido diante da classe dominante provoca a cristalização de interesses cultivados pelos chefes e a identificação deles como interesses da organização. Assim, os interesses dos filhos, sobrinhos, primos e amigos dos primos dos membros próximos à cúpula da Renamo e do MDM, são identificados como sendo os interesses do povo. Mesmo aqueles que parecem terem sido eleitos de forma democrática, já se tornam conservadores e aferrados ao poder, sem disposição para enfrentar as urnas. Alguém poderá pensar que os pequenos chefes da oposição estão a trabalhar. Desengane-se visto que é pobreza que lhes move. Quando os chefes não possuem nem fortuna pessoal nem outras fontes suficientes de renda, eles se agarram com tenacidade, por razões econômicas, ao seu emprego, o qual terminam por considerá-lo como sua posse, como seu bem inalienável. A perda do cargo seria para eles um verdadeiro desastre financeiro