domingo, 3 de novembro de 2013

Guebuza é um inocente sacrificado em nome de muitos

Acusar Guebuza de ser o promotor de um Estado de Guerra para perpetuar-se no poder é um erro. Ele já disse estar de saída, dito confirmado pela primeira-dama. Erro confesso quando os exemplos recentes mostraram a sua paciência quando o exército e a polícia eram amedrontados, humilhados e assassinados, sem que ele, na qualidade de comandante em chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, desse também a autorização que Dhlakama dera a seus homens: se se sentirem atacados ataquem também, vocês sabem onde encontrarem as armas». Para mim, em toda esta História, Guebuza é um inocente que carrega a culpa de muitos compatriotas e dirigentes da Frelimo, incluindo os da Administração de Chissano. Chissano, não pode ser visto como campeão da paz, quando deixou que o actual problema de dois exércitos tivesse barbas brancas. Suas palavras recentes, segundo as quais ele enganou Dhlakama, são reveladoras de muita coisa. E pior do que isto, é o silêncio dele, neste momento angustioso. Duas perguntas foram-me feitas ontem, por um amigo de longa data: a primeira, se era eu o autor deste artigo aqui cujos ecos, mais do que eu imaginara, já se fazem sentir um pouco por todo o país, a segunda, se eu desejava revogar ou defender o que afirmara naquele artigo. Respondi à primeira afirmativamente. Quanto à segunda, escrevi inúmeros  comentários sobre pontos de vista muito diferenciados mostrando o perigo que a existência de dois exércitos representa num Estado que se presuma de Direito. Em primeiro lugar, nalguns, discuti a humilhação sofrida pelo povo protagonizada ante FIR (Força de Intervenção Rápida) e pôde até afirmar que esta atitude policial daria mais legitimidade as acções da Renamo, caso esta ripostasse, porque ai o povo veria uma polícia que, ao invés de defender humilha, a ser também humilhada. O exemplo de Moxungue foi revelador daquela profecia, quando um grupo de polícias foi aniquilado pela Renamo sob pretexto de que «já estava cansada de tanta humilhação e que, doravante, assim seria: levou, deu».
 
Condenei a actuação da FIR no Maputo e igualmente condenei a actuação dos guerrilheiros da Renamo em Moxungue num espírito tão puro, claro e cristão que até os meus temidos adversários ideológicos, longe de encontrarem algo a censurar, admitiram que aquelas críticas eram úteis e mereciam ser lidas por pessoas devotas. Admiro que alguns hoje encontrem nos meus escritos uma apologia à Guerra. A desmilitarização da Renamo é um imperativo nacional. Todos estávamos de acordo nisso. De entre todos os homens, tinha que ser eu a abandonar as verdades aprovadas pela voz unânime de amigos e adversários, e a opor-me a ideias que todo o mundo se regozija de reconhecer? Em segundo lugar, escrevi determinados textos contra a hipocrisia do MDM, (demonstrada aqui)  nos quais ataquei aqueles que, com falsas palavras, vidas democráticas impróprias e exemplos escandalosos prejudicaram o povo moçambicano tendo aprovado a lei que abriu a precedente do que hoje arruína a nação. Naquele momento, em 2012, eu era contra a aprovação da lei eleitoral até que se criassem condições de consenso que nos poupassem do sangue que hoje corre pelas estradas e pelas matas deste sacrificado país. Sim, mesmo que isso significasse o adiamento das eleições. E a hipocrisia do MDM pouco tempo manifestou-se, quando em surdina, começou a apoiar a paridade (veja aqui), principio gerado pela Renamo, contra aquilo que em sede própria, isto é, no Parlamento, aprovara ao lado da Frelimo. Não é verdade que a decisão apressada para correr atrás de eleições confunde, atormenta e angustia as consciências dos moçambicanos, enquanto as gritantes e intermináveis emboscadas devoram os bens e a riqueza dos moçambicanos, e mais particularmente da ilustre província de Sofala?
 
Não é justo que os membros do MDM encontrem a culpa onde não está, isto é, em Guebuza, cuja missão é salvar o país do desastre iminente ao qual a Renamo pretende precipitá-lo. É tempo de darmos uma condenação unânime contra as atitudes da Renamo, que perigam a Democracia que tal como provam os exemplos históricos do nosso passado, tanto sangue e suor custou. Se eu revogasse o que escrevi sobre o tema de desarmamento da Renamo, estaria a fortalecer a sua tirania e a abrir ainda mais a porta a tantas críticas a alguém que está a desempenhar o seu mandato e a cumprir a sua promessa eleitoral, feita em 2005, segundo a qual, acabaria com os exércitos paralelos. A missão é de risco, mas deve ser cumprida e o seu não cumprimento poderá criar nos adeptos de partidos políticos militarizados uma resistência com uma ira renovada contra tudo o que represente o governo do dia. Então, veríamos estes homens inchar, espumar e enfurecer-se mais do que nunca. O progresso das nossas forças armadas, do qual dependerá principalmente tudo o resto, é tão bem conhecido pelo público moçambicano e apresenta-se, acredito, razoavelmente satisfatório e encorajador para todos. Antes de ocuparem qualquer espaço advertem, avisam,num esforço tendente a apenas ocupar os espaços fora do controlo delas e poupar as vidas humanas. O exemplo da não perseguição ao líder da Renamo ilustra muito bem esta intenção, ate porque segundo o «Governo, na voz do ministro da Agricultura, José Pacheco, que tem chefiado a delegação governamental ao diálogo com a Renamo, diz que Afonso Dhlakama não corre nenhum perigo de vida e que o assalto a Santhundjira não visava a sua eliminação física». Mas embora tenhamos grandes esperanças no futuro sem guerra, não arriscamos uma previsão sobre ele.
 
Por esta mesma terra, há 37 anos atrás, todas as atenções nacionais estavam concentradas numa guerra iminente. Todos a receavam e a tentavam evitar. Enquanto neste país estava a ser proferido o discurso da vitória sobre o colonialismo, agentes insurrectos tentavam, no mato, organizar-se para a destruição do recém-Estado. A situação era difícil. Ambas as partes repudiavam a guerra, acusando-se mutuamente, mas uma delas preferia fazer a guerra a deixar sobreviver a nação, enquanto a outra preferia aceitar a guerra a deixá-la perecer; e a guerra prosseguiu por 16 anos. Naquele tempo, mais de 80% da população moçambicana era formada de analfabetos que não se encontravam uniformemente distribuídos. Estes analfabetos constituíam um interesse peculiar e poderoso. Todos sabiam que, de certo modo, este interesse era a causa da guerra, porque os analfabetos são facilmente manipuláveis. Hoje, a realidade é diferente, mas os intelectuais, em vez de olharem criticamente a quem oferecer responsabilidades, são levados a ver no próprio Governo um inimigo a abater. Os reforços soviético, zimbabweano, tanzaniano, cubano, britânico a um lado; rodesiano, sul-africano e malawiano ao outro, não foram capazes de dar vantagens aditivas a nenhuma das partes em luta. A guerra prosseguiu e com ela as consequências inerentes: mortes, destruição de infraestruturas e de valores ético-morais, estes últimos que tinham sido edificados por gerações de moçambicanos, todos desaparecidos agora; deslocados e refugiados.
 
Estes reforços, perpetuação e expansão deste sofrimento eram os objectivos pelos quais os insurrectos pretendiam aniquilar o poder de Maputo, mesmo recorrendo à guerra, ao passo que o governo não exigiu mais do que o direito a restringir a sua expansão territorial recorrendo ao apoio de países amigos. Os insurrectos eram chamados de Bandidos Armados enquanto estes chamavam de comunistas os governantes e neste jogo de palavras nenhuma das partes esperava que a guerra durasse tanto tempo e chegasse à magnitude que atingira. Ambas procuravam um triunfo mais fácil e com um resultado menos radical e espantoso. Ambas liam a mesma Bíblia e rezavam ao mesmo Deus, e ambas invocavam a Sua ajuda contra a outra. E como não era possível responder às orações de ambas as partes, nenhuma teve uma resposta completa porque o Todo-poderoso tinha os seus próprios desígnios. E a guerra terminou como havia começado, sem vencedor nem vencido, em 1992. Os que estavam no poder continuaram e os que estavam à margem dele também ali se acomodaram. Ouviram-se palavras proferidas pelas partes dizendo e convencendo-nos que a paz viera para ficar.
 
A paz é uma dádiva e obra divina para a qual concorrem as acções humanas enquanto executoras da vontade da providência. A guerra é obra humana e certamente inevitável mas ai do homem que a pratica primeiro. Suponhamos que a guerra moçambicana é uma dessas ofensas que, de acordo com a providência divina, são inevitáveis, mas que, tendo ultrapassado o tempo que lhe foi atribuído, Deus pretende agora eliminar. Ele envia Guebuza para tomar esta difícil decisão de trazer a paz, como castigo devido àqueles que primeiro praticaram a ofensa: será que discernimos aqui um desvio dos atributos divinos que os crentes em Deus vivo sempre lhe atribuem? É que a guerra já começou e esperamos de todo o coração e oramos fervorosamente para que este colossal flagelo da guerra possa terminar rapidamente. No entanto, se Deus desejar que ela continue até que se esgotem todas as riquezas acumuladas em vinte anos de paz e de árdua labuta do povo moçambicano, e até que todas as gotas de sangue provocadas pelo trabalho sejam pagas por outras provocadas pela arma, como foi dito há dois mil anos, ainda assim se deverá dizer: «o julgamento do Senhor é verdadeiro e justo».

Eusébio A. P. Gwembe!