Liriana Bruto era órfã, pobre e desprezível. Em viagens, levava sempre o único par de botas, e só as calçava quando tinha de atravessar alguma ribeira e logo depois as descalçava outra vez! Certa vez, admiradas, as companheiras de viagem perguntavam-lhe porque procedia dessa forma. Liriana costumava responder:
- As botas servem para proteger os pés. Ora, em terra, vejo muito bem onde há pedras ou espinhos e desvio-me deles, mas na água não sei o que piso e portanto lá é que preciso das botas.
Continuando jornada, descansaram à sombra duma árvore e Liriana abriu então o seu guarda-sol! Uma das companheiras espantou-se e disse:
- Ó Liriana, isso é para sol e não para a sombra, abra olho moça!
- O sol não me mata facilmente, mas aqui, debaixo desta árvore, tamanha, se se desprende do alto um ramo seco, bem me pode matar num instante, se eu não tiver qualquer coisa a defender-me. – respondeu ela.
E as amigas julgavam que assim fazia por ser pobre e por não ter pais que a ensinassem. Andando, pelo caminho encontraram cavalos abandonados em número igual ao delas. Decidiram montar ao que ela montou-se com a cara voltada para a cauda!
- Assim, o que é isso, Liriana? Perguntou, uma amiga.
Enquanto atravessavam o rio, saíram da água alguns homens. Eram donos dos cavalos. Chegados, prenderam as moças e as levaram aos juízes daquela terra. Mas os juízes recusaram-se atender o caso delas porque andavam há mais de dois anos às voltas com uma questão e não eram capazes de a resolver. A questão era esta: enquanto o marido andava por longe, o demónio tomou a figura dele e apresentou-se à esposa, que o recebeu como se fora o ausente. Quando o verdadeiro marido voltou, não sabia a esposa nem ninguém distinguir um do outro. Também os juízes estavam na mesma. Apresentaram-se como solução muitos e famosos mágicos, mas o resultado era nulo.
- Posso ajudar – disse Liriana aos juízes.
- Não nos incomode – ameaçaram eles – levem estas infelizes à prisão – concluíram.
- Ao menos deixem-na dizer uma palavra – insistiu ela, ao que os juízes aceitaram.
Ainda algemada, Liriana, mandou colocar duas garrafas em cima das mesas dos juízes e ordenou aos dois supostos maridos que entrassem lá para dentro de tal sorte que só seria o marido aquele que fosse extraordinário. Logo o intruso se transformou em abelha e entrou. Liriana imediatamente mandou arrolhar a garrafa e deu a seguinte sentença:
- É este o falso marido, porque assim como tomou a forma da abelha do mesmo modo tinha a faculdade de tomar a forma do marido ausente.
EAPG