quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A legitimidade para reclamar

O último relatório do índice de desenvolvimento humano coloca-nos na cauda do mundo. Estamos entre os dez piores países, em termos do rendimento percapita, da esperança de vida e do nível de educação. À primeira vista tive a sensação de que fomos injustiçados e se assim foi deve haver um culpado. De lá para cá, fiquei a procura do culpado. Porém, antes de o encontrar, comecei por avaliar o meu próprio desempenho durante o ano. É que, se os indicadores de que se serviram são distribuídos ao colectivo, este por sua vez é a soma dos vários «individuais» de que faço parte. Tratou-se de uma improdutividade colectiva mas com responsabilidade individual. 

Compreendi que as desculpas históricas de colonização, das calamidades naturais, da guerra e outras para justificar o meu fracasso são a almofada para a minha inércia. É verdade que teria N desculpas para me safar. Contudo, parece-me que já não é plausível culpar o colonialismo de todos os meus males. Embora a colonização tenha deixado cicatrizes profundas no imaginário colectivo, é claro que o colono também deixou para trás coisas úteis e boas como estradas, escolas, hospitais, fronteiras, a língua, as leis. Neste sentido, o colonialismo foi a base da Unidade Nacional. 

Mas hoje, em que mais de 70% dos africanos de hoje nasceram já depois da independência, começo a ter vergonha de evocar o colonialismo pela minha incompetência. O colonialismo não condena necessariamente um país à penúria eterna. A Correia, anexada pelo Japão em 1910 sofreu a destruição da sua cultura com o seu povo submetido à servidão. A língua coreana foi banida, os coreanos impedidos de aceder à universidades. Os jovens eram enviados para os trabalhos forçados nas minas e nas fábricas de munições no Japão, ou obrigados a servir no exército. Mais de cem mil mulheres foram submetidas a servidão sexual nos bordéis militares como «mulheres de conforto». 

Expulsos os japoneses, em 1945, eclodiu uma guerra civil que deixou divididos os coreanos em Norte e Sul. A parte Sul que era tão pobre como o Ghana em 1953, é hoje vinte vezes mais rica. Este país e os seus habitantes poderiam ter razões suficientes para culpar o passado. Como notou Robert Guest, o contraste é o Zimbabwe em que o Presidente, como Primeiro-ministro recebeu o país com uma das melhores economias da África. É claro que conseguiu disfarçar durante algum tempo. Porém, ao apreender a propriedade privada, deu um aviso surdo aos investidores internos como externos para que «não ponham o seu dinheiro no Zimbabwe[1]». 

Fixou o preço do petróleo abaixo do que custa a importar, pelo que as bombas secaram. Tentou criar dinheiro imprimindo mais notas causando hiperinflação. Usando políticas que falharam noutros lugares tornou os zimbabweanos muito mais pobres do que eram à data da independência. Medidas de contenção das despesas atingiam hospitais e escolas enquanto ministros ainda andavam de Mercedes Benz e o orçamento militar nunca sofria reduções. Leis sensatas eram aprovadas mas postas de lado logo que o cheque da ajuda entrasse nos cofres.  Os  zambianos também estão mais pobres do que quando o colono saiu de lá, porque a crença na acção afirmativa para aumentar o número de  negócios dirigidos por negros consistiu em distribuição massiva de lugares na função pública e empréstimos bancários para os amigos da nomenclatura. 

E a África do Sul, pode correr o mesmo risco em poucas décadas, se o ANC continuar com o que nos é dado a saber. Há bons exemplos na África. O Botswana tem sido consistentemente democrático e melhor gerido. A sua economia tem reforçado a sua democatização e é hoje  um dos poucos modelos de desenvolvimento democrático e económico numa África carente de exemplos. Mas para o conseguir, os Tswana tiveram que trabalhar duro. A sua liberdade não significou apenas o poder de votar. A sua liberdade significou reorganizar uma companhia na falência e colocá-la, juntamente com uma injecção maciça de capital, nas mãos de novos gestores, diferentes dos incompetentes que a tinham arruinado antes.  

Não serão os outros a fazer com que Moçambique figure entre os melhores. Tenho que ser eu, pelo esforço próprio. Os estrangeiros ou o Governo podem ajudar, mas o sucesso dependerá de mim. Quero ser diferente, apostar mais no que o país e os outros verdadeiramente necessitam. Os britânicos tornaram-se ricos produzindo têxteis melhores e mais baratos e outros produtos que tanto os nacionais como os estrangeiros estavam desejosos de comprar. O Japão melhorou técnicas de fabrico inventadas noutros países de forma a produzir carros melhores e mais baratos, semicodutores e aparelhos de fax; a América soube criar desejo de muita gente para passar a gostar de filmes americanos, remédios americanos, aviões americanos, serviços dos bancos americanos. Quero contribuir com ideias para criar condições de transformar as matérias-primas em produtos manufacturados. 

Quero a liberdade de cavar a minha fortuna sem embaraços oficiais. E vou trabalhar para isso. Não quero mais culpabilizar a guerra da Renamo pela minha improdutividade de hoje. Os angolanos ficaram muito mais tempo em guerra e, por conseguinte, têm menos anos de paz do que eu. Porém, longe de serem muito miseráveis, os problemas que hoje enfrentam dizem respeito as dinâmicas do seu desenvolvimento. Eu quero fazer alguma coisa para deixar de viver num país em que empresários e albinos são raptados, assassinados e onde as campas são vandalizadas, como meio de obter riqueza. 

Fui tentado a apontar as baterias para todos os lados: ao poder politico vigente que nada fez para alterar este estado de coisas; à oposição que desmobiliza, difama e vive vendendo a nossa desgraça, lá fora. Os corruptos foram outros moçambicanos, menos eu. A corrupção que tanto odeio foi obra dos outros. O que eu dei e recebi a mais e à margem de qualquer serviço foi tido como uma simples gratidão; os outros é que não trabalharam. Tenho muitos culpados em que não me revejo. Em 2015, não tive capacidade suficiente de definir as prioridades, por isso estou entre os piores. 

A Constituição define como base do desenvolvimento do meu país, a agricultura. Mas, eu não sou agricultor, portanto não me revejo nesta constituição pelo que, mais uma vez, a culpa é dos outros, os tais que deviam fazer tudo para dignificar a base do desenvolvimento. Eu e a minha actividade fomos excluídos e, por via disso, não posso ser culpabilizado porquanto a minha actividade era secundária. Mas no novo ano, quero ser diferente. Quero criar ou promover a criação de associações para acederem aos vários fundos que o Governo e Organizações diversas colocam ao dispor do povo comum, no lugar de culpar a pertença partidária como condição. No fundo, no fundo, o que quero é a legitimidade de reclamar.





[1] GUEST. Robert. África, Continente Acorrentado: O Passado, o Presente e o Futuro da África. Civilização Editora, Barcelona, 2005

sábado, 12 de dezembro de 2015

Que interesses defende a União Europeia em Moçambique?

Segundo a LUSA, «o chefe da delegação da União Europeia (UE) em Moçambique, Sven Burdsdorff, defendeu uma governação inclusiva no país». Sinceramente! Foi longe de mais e podemos apostar, aqui e agora, para que nos diga em que se baseia o seu conceito de «inclusão». Se a Renamo e o seu filho renegado, o MDM, desejam governar que trabalhem para que as regras democráticas os legitimem. Nesse momento, a Frelimo não irá reclamar a partilha do poder, tal como não reclama onde o MDM danosamente governa hoje. A campanha contra o Governo que está agora em curso não será a última. Outras virão tão suspeitas e parciais como esta. É preciso não as dar por inteiro ao desprezo. Como é que ele sabe que há, no país, o antónimo da inclusão? Temos a certeza de que viajantes pouco escrupulosos e apressados recolhendo fábulas do descontentamento popular, jornalistas das crises inventando notícias, analistas agitando o signo das guerras, democratas da fome e da podridão, à procura de antagonismos e contradições, continuarão a atirar às nuvens e a errar o alvo, a atacar uma mão suposta e fantasmagórica da exclusão em tudo o que é canto, com que pretendem vestir as realidades moçambicanas. O que se impugna, critica e rebate é precisamente o alvo movente do que não somos, do que não pensamos, nem fizemos ou representámos. Quantas vezes o PR se encontrou com diferentes seguimentos sociais na busca de caminhos para a inclusão? De que segmentos sociais se refere o Senhor Sven Burdsdorff?

A inclusão não pode nem deve confundir-se com coligações. Nós temos o nosso entendimento do que é inclusão. Por isso, temos empenho em ser visitados, analisados e estudados. Há quem não se sente feliz pelo facto de o povo estar insistentemente apostar na Frelimo. Por isso não faltam elementos de trabalho, de estatística e documentação – pelo contrário, os frelimistas, se queixam da grandeza dos elementos postos à sua disposição que não sobra o tempo para estudar melhor. Temos o direito a que nos apreciem em termos correctos, equilibrados e justos e que as campanhas intelectuais, difundidas com ajuda de uma certa imprensa, não sirvam para malsinar nossos propósitos, adulterar a verdade e contestar o nosso direito, à procura de uma porta especiosa ou falsa para entrar em nossa casa e nela ditar a lei dos grandes senhores – patrões estrangeiros – que brasonam de igualdade jurídica e política, mas à sua volta só semeiam ódios, procurando bater os ferros da mais negra servidão. Não obedecem a altos objectivos as mentiras que vem sendo forjadas com relação ao comportamento político da Frelimo: pelo contrário, há que tomá-las como verdadeiros crimes – e que crimes! -, porque ameaçam comprometer o futuro da pátria, visto que lhe apontam o caminho da perdição como se fora o da felicidade, o da salvação. As coligações não devem ser forçadas. Quem quer ser membro da Frelimo, que peça o cartão porque «na casa do Pai há muitas moradas». Bem sei que nem todas as verdades se dizem; mas, especialmente a homens públicos, há muitas que é criminoso calar. Chega de recados descabidos que podem dar a entender que estão para defender os interesses de uma parte dos moçambicanos quando é dever defender os interesses da UE.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Renamo: entre a Luz e a Escuridão

O prodigioso ressurgimento da ala militar da Renamo mostra que os objectivos dela, desde o levantamento de 1976, nas matas de Manica, nunca viraram. Uma vez, Armando Guebuza disse: «A Renamo ainda não desistiu da sua intenção de chegar a uma solução por via militar, através da violência. A nossa experiência indica que a Renamo raramente cumpre os compromissos assumidos. Queremos garantias de que a Renamo vai respeitar um eventual acordo de paz. É do interesse de todas as formações políticas que a Renamo se transforme num partido político e cesse a violência no país. Notícias, 9 de Março de 1992. Estas palavras, ditas há mais de duas décadas, continuam actuais. A Renamo não cumpriu com os acordos de cessar as hostilidades, não entregou a lista dos seus homens para integração, não quer entregar, num espírito de boa fé as armas que detêm para se transformar em partido político e fazer política não a guerra. Uma escolha para a Renamo: ou faz a política ou faz a guerra porque um servo ao serviço de dois Senhores agradará a um em detrimento do outro. Com efeito, todos os homens que deram cara a este movimento, desde Orlando Cristina passando por Evo Fernandes e Raul Domingos até ao advento de Bissopo, se empenharam com tenacidade e o mesmo propósito, embora, através de processos diferentes, em anular a Frelimo, tendo como base a arma. Este facto não pode surpreender. Um oficial deste movimento disse-me que «o futuro da Renamo está nas armas». Já o próprio Dhlakama reagira a posição de Guebuza dizendo: «O meu movimento é contrário à discussão do cessar-fogo nesta altura, porque um acordo de cessação imediata da guerra iria levar o Governo a bloquear o processo das reformas políticas». Voz de América, 10 de Março de 1992. Segundo se veicula, recentemente, Dhlakama terá telefonado à um grupo restrito de deputados, para dar orientações do que deve ser defendido no Parlamento. Quer dizer, enquanto se discute no parlamento, os guerrilheiros vão fazendo pressão armada, amedrontando e ele, na tentativa de fugir da responsabilização, vai atiçando o fogo a partir da caverna do silêncio. 

O que, pelo contrário, não pode deixar de surpreender singularmente, é observar-se que o MDM tem sido, desde há algum tempo a esta parte, a grande propiciadora da cumplicidade. Voltemos à carga. De armas em punho, a Renamo, mais uma vez, está a destruir o país que, com muito sacrifício, se reergue dos escombros. Na sua propaganda, os dirigentes dessa organização apresentam-se como santos. Para eles, todos os males, incluindo as calamidades naturais, têm origem na Frelimo. Falam do povo desgraçando-o. Falam do povo emboscando-o. Falam do povo comendo-lhe o seu gado a preço simbólico de 100 Meticais, o que constitui roubo. Falam do povo sacrificando-o. O cumprimento da obrigação involuntariamente assumida, vence as razões que aconselham o silêncio e por isso é preciso falar, sem naturalmente esconder que o fazemos com a alma amargurada e revoltada pela agressão armada a que os nossos conterrâneos foram submetidos. Desculpai a referência neste momento e nestas circunstâncias a uma grata recordação que me assalta o espírito e que de algum modo me serve de credencial. Entre Junho e Agosto encontrava-me de férias em Tsangano com alguns amigos que se encontravam lá em defesa da pátria. O meu distrito estava sendo palco de confrontos armados. E recordo mais do que os meus sacrifícios, os sacrifícios e sofrimentos dos que por lá deixaram os ossos ou vieram morrer prematuramente na zona segura. Quando andei por essas terras a que criei eterno amor – talvez porque nasci lá o porque lá dei bastante sangue aos mosquitos - registei em cartas as observações que consolavam a minha curiosidade e, relendo essas observações, verifico que elas me fizeram conhecer praticamente a exactidão do pensamento do notável «visionário e filho mais querido»: «A Renamo ainda não desistiu da sua intenção de chegar a uma solução por via militar, através da violência». Lá, uma dezena de escolas foi fechada, afectando mais de 3 milhares de alunos e os hospitais funcionam a meio-gás; em Morrumbala, seis escolas foram fechadas, afectando quase duas milhares de alunos; e há outras tantas partes em que alunos estão fora das escolas e os professores continuam a auferir os seus salários sem trabalho, numa altura em que a produtividade se tornou imperativo nacional. 

Quando a Frelimo apela a Renamo para que entregue as armas, esta se recusa e acusa aquela de ser também um partido armado, numa clara demonstração de fuga para frente a fim de justificar a tragédia. O apelo da Frelimo deve ser tomado como um apelo ao repensar os caminhos que nos levem a viver na mais santa paz, respeitando-nos e estimando-nos. A Renamo agride o povo por causa das suas diferenças para com a Frelimo. Nós, o povo, pagamos preço alto às chantagens deste ainda partido político armado, tal qual o Hezbollah. Mas o Governo Libanês aceita o braço armado do Hezbollah por ser o único capaz de enfrentar Israel. E a Renamo, a quem quer enfrentar? Ao povo! É seguro dizer que fomos apenas vítimas e somos, portanto, acusadores e não réus. A Renamo quer dirigir, a todo o custo. Dirigir um país, como sabiamente foi sendo dirigido, não é tarefa para aventureiros, umbiguistas, intriguistas, divisionistas e, sobretudo, tribalistas. Recordemos que com a Frelimo, povoações que mal despontavam são agora grandes urbes. Estradas, aeroportos, caminhos-de-ferro, fábricas, centrais eléctricas, estabelecimentos comerciais, grandes fazendas agrícolas, universidades, escolas, hospitais, pontes, numa palavra, o progresso surge, irrompem por todos os lados e, apesar de tudo, cada vez com maior pujança. De resto, honestamente, não se percebe como, quando e por quem deve ser exercido o poder, senão a Frelimo. Na verdade, se é certo que a Renamo assentou no princípio de Autonomias Provinciais, doutrina que não nos trouxe qualquer novidade teórica ou prática, absteve-se de estabelecer uma definição prática sobre como ela própria a materializaria sem abolir os municípios. Trouxe um conceito fantasioso e nessa ordem de ideias faz de conceitos um programa político para dividir o povo. Aconselhada pelos seus patrões estrangeiros que vivem em estados federados, sugere uma mudança, dos nacionalistas aos tribalistas, portanto, inaplicável no nosso modelo de estado unitário, como tantas vezes tem sido dito e redito. Não foi o povo que disse à Renamo que quer autarquias provinciais, pelo contrário, foi a  Renamo quem disse ao povo, pelo que usar o povo para legitimar posições alheias a este é falta de escrúpulos. Mas admitindo por mera hipótese, que assim fosse, bastará uns tantos habitantes de determinado território segredarem na intimidade das suas casas ou mesmo na praça pública que desejam autarquias provinciais para se dever mudar?! 

Será razoável que missivas de uma ou de algumas dezenas de cidadãos dirigidas a uma praça, ou meia dúzia de tiros na Gorongosa, em Morrumbala, em Tsangano ou uma insurreição fabricada em Inhambane possam pesar de tal modo que ponham em jogo o destino da Unidade Nacional? Será correcto, será justo, será sequer admissível que em nome das mudanças assim concebidas se destrua a unicidade da nação por meio de autonomias locais? Vai para 20 anos que as populações do país realizam diariamente o mais autêntico, o mais eloquente e o mais exigente de quantos plebiscitos lhes poderiam ser pedidos para manifestação da sua vontade. Cada dia, o povo recorda com gratidão que foi a Frelimo quem libertou a terra e o homem. Podemos espreitar para os países vizinhos que tentaram provar o veneno da mudança. Se não recuaram, estão estagnados, se não venderam a soberania tiveram que recomeçar. Isso nos auxilia a interpretar o verdadeiro sentido e objectivos das supostas autonomias: substituição aparente do poder político e manutenção e extensão de zonas de influência sem responsabilidades da soberania, ou seja, um neocolonialismo de índole puramente materialista com recurso aos patrões estrangeiros. O progresso, como atrás me referi, processa-se a um ritmo verdadeiramente impressionante, na nossa terra. E porquê? Porque ao povo foi informado que a única forma de sair do retrocesso é pelo trabalho, pela auto-estima e pelo abandono da vida de mão estendida. Segundo narra o Génesis, Deus disse a Adão, depois do pecado original: “tirarás da terra o teu sustento com muitas fadigas todos os dias da tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que te tornes na terra de que foste tomado: porque tu és pó e em pó te hás-de tornar”. Movida pela escuridão, a Renamo é contra este preceito bíblico. Mesmo na luz, não quer ver o povo trabalhando a terra e quer desacreditar a Frelimo desgraçando o povo. Tal como um parasita que suga o hospedeiro até a morte conjunta, assim ela procede. Mas o homem expulso do paraíso, isto é, o homem entregue a si próprio, determinando-se por seu livre arbítrio, havia de edificar o mundo em que tinha de viver. Este penoso encargo constitui a história do nosso tempo. Paz e Trabalho! E são estes princípios, são estes os atalhos, são estes os valores supremos, as grandes armas de que nos temos servido em todas as épocas da nossa história recente e que ainda hoje empregamos com a mesma generosidade e a mesma fé nos duros combates em que estamos empenhados. Esperamos, sinceramente, que a Renamo faça escolha entre a luz e a escuridão antes que seja feito um pedido formal para a sua inclusão no grupo de organizações terroristas.  Disse!


Eusébio A. P. Gwembe

domingo, 1 de novembro de 2015

Na Contingência da Guerra e da Paz a liberdade vencerá

Na tradição Ngoni, quando somos testemunhas de uma agressão na rua, não podemos deixar impunemente o mais fraco sozinho face ao mais forte, virar costas e seguir o nosso caminho. Acreditamos que a não assistência aos indivíduos em perigo, embora não constitua um delito, é uma falha moral que já custou demasiadas mortes e demasiado sofrimento a demasiados indivíduos para que aceitemos cometê-la. No dia 10 de Julho, saindo de Tsangano em direcção a Mitengo-Mbalame, ao longo da picada um jovem aparentemente debilitado estava a ser espancado pelos populares que o acusavam de ter sido um dos autores dos incêndios às habitações de Monjo. Parei o carro e falei para o homem que aparentava ser chefe daquele espectáculo. Quando o homem se aproximou da porta do meu carro, mostrei-lhe uma nota de 500 Mts (Quinhentos Meticais). Se meter este jovem no carro dou-lhe essa nota. O homem não resistiu e carregou o jovem para lá atrás da viatura. A fúria popular era tal que não a consigo descrever. O jovem era membro das Forças Armadas de Defesa de Moçambique que tinha sido atingido por uma bala dos guerrilheiros da Renamo, no dia 7 daquele mês, tendo permanecido três dias no mato onde acabou sendo achado por aquele grupo de homens ávidos de vingança. Estava a ficar tarde. Antes de ir-me embora, o homem que me vendeu a liberdade do jovem fez-me uma advertência mais ou menos como se segue: tenha cuidado senhor, há muito fósforo por ai; ainda é possível andar mas... mas... mas... a guerra vai estalar dentro de breves meses ou até dentro de poucos dias. Limitei-me a sorrir, um gesto que ele correspondeu enquanto se dobrava em gestos de gratidão pelo dinheiro que acabava de conseguir. 

Hoje, três meses depois daquele encontro ocasional, é de cada vez mais difícil ter-se a convicção de que, mais hora menos hora, se não ouvirá a detonação apavorante da pólvora sobre que se anda a riscar fósforos. Se não for doutra maneira, pode acontecer até que as armas, a tanto tempo apertadas, desfechem por si mesmas, já enfadadas de esperar que as disparem. E, todavia, não deixamos de admitir, no momento em que escrevemos, que o género de paz em que se vive e que tanto amargura o país, não chegue a sofrer alteração para pior. Com o agravante de que as flutuações económicas o irão inflamar. Em suma, a despeito de tudo, ainda confiamos em que não haja guerra. Ninguém desconhece - até os que pensam em bater-se e preparam o esforço máximo para sustentar os combates mais temerosos - que a guerra seria para todos, vencedores e vencidos, a mesma catástrofe a prazo, a destruição apocalíptica do país e da obra reconstrutora que, através de duas décadas, nele ergueu o espírito de paz e de tolerância. E a aconselhar a prudência e o espírito de conciliação - não obstante os preparativos bélicos e as atitudes ameaçadoras - acresce também este factor psicológico, capaz de influir decisivamente no ânimo do povo como influi no dos indivíduos: o medo. Com efeito, o receio do que a guerra poderá ser para cada uma das partes em contenda é o que mais tem valido à manutenção da paz nestas horas incertas e sobremodo inquietantes. A forma como terminou o último conflito é força motriz para ainda pisar-se o travão da guerra pois a certeza numa vitória militar já teria feito desencadear o que nos parece um evitável conflito. 

Confiemos, pois, em que esse factor psicológico continue a exercer a sua acção pacificadora e salutar. Neste canto de África, os moçambicanos correm o perigo certo e iminente de os envolver a catástrofe, se a loucura se tornar mais forte do que o medo. Nada temos a ver com os antagonismos que dividem os políticos, nem com as reivindicações territoriais que põem agudamente o problema da paz ou guerra. Para o povo comum que somos não existem objectivos ocultos e perigosos, interesses políticos cuja preponderância exija imposição, e muito menos ódios que nos levem a admitir a necessidade duma guerra, quanto mais desejá-la. Em poucas palavras, quer isto dizer que, inalteravelmente fiéis aos interesses da nossa crença numa paz duradoura e justa, e nos termos em que ela significa para nós, não deixaremos de expressar o nosso repúdio às acções e discursos de propaganda da desordem. Não somos, por isso, dos povos que, tornado inevitável o pior e desencadeado, para mal de todos, o conflito, mais devam temer as suas consequências. Não somos de exigir reuniões sem resultado porque não temos mais razões para nos acautelarmos contra a paz, sobretudo se, para afastar o flagelo da guerra, os homens desavindos as convocarem. Um encontro convocado com fins de satisfazer e equilibrar as ambições e os interesses dos fortes, pode tornar-se mais traiçoeiro do que as contingências duma guerra. Moçambique tem razões de sobra para não esquecer o que representou para ele o vocábulo «guerra». A História diz-nos, através do que depois se soube, que as reuniões entre os grandes têm sido algumas vezes apenas a fachada jurídica de combinações inconfessáveis antes concertadas no segredo dos protagonistas. E as suas decisões apaziguadoras podem, afinal, mostrar-se ainda mais injustas do que a voz dos canhões. 

A entrega daquele jovem por aquele grupo de furiosos fez-me ter a certeza de que no lugar de acções que nos aniquilem, deveríamos conferir glória e esperança à liberdade conquistada. Da nossa experiência de um extraordinário e inexplicável desastre humano que durou tempo demais, deveria nascer uma sociedade da qual todos os moçambicanos se orgulhariam. Deveríamos compreender que cada um de nós está tão intimamente enraizado no solo deste país e que ninguém é mais moçambicano do que os demais. A sensação estranha que partilhamos explica a dor que trazíamos no coração quando víamos o nosso país a despedaçar-se num terrível conflito. Esperamos pelo dia em que estenderemos saudação fraterna: Aos humilhados das áreas em conflito, aos refugiados ao Malawi, aos exilados na própria terra, que querem viver e viver livres. Àqueles e àquelas que são amordaçados, perseguidos ou torturados por simples suspeita de pertencerem a este ou aquele grupo, que querem viver e viver livres. Aos sequestrados das cidades, aos desaparecidos do meio rural  e aos assassinados, que queriam viver e viver livres. Aos pastores/sacerdotes brutalizados, aos jornalistas silenciados, às viúvas e às órfãs que vendem o seu corpo para sobreviverem, aos trabalhadores sem direitos de irem trabalhar, aos camponeses sem terra, aos resistentes sem armas, que querem viver e viver livres. Esperamos ardentemente por esse dia. Enquanto esperamos dizemos a todos eles: coragem, a liberdade vencerá.


Eusébio A. P. Gwembe, Izmir, Turquia

sábado, 17 de outubro de 2015

A Renamo: No combate em que morreu André Matsangaissa

Hoje é um dia grande para a Renamo. Morre em combate, há 36 anos, o seu primeiro comandante, André Mathadi Matsangaíssa Djuwayo. Seus seguidores armados ficarão conhecidos pelo seu nome, tal como ficaram os seguidores de Cristo: os cristãos. Os matsanga são os seguidores de André Matsangaissa, bandido para uns, herói nacional para outros! São 10 dias do mês de Outubro de 1979. O local chama-se Gorongosa, para onde as forças governamentais se dirigem para partir «a espinha dorsal do inimigo». É noite e sete homens armados chegam a uma aldeia comunal situada a alguns quilómetros da Vila. A sua missão não é clara mas a sua presença aterroriza e intimida os camponeses ali residentes. Uns começam a abandonar a aldeia o que chama atenção às Forças Populares de Libertação de Moçambique. Parece-me que estes homens aperceberam-se da grande operação arquitectada contra eles e vieram a este local apenas para certificar a suspeita antes de bater em retirada, abandonando no terreno material militar. Um Jornal dirá 30 dias depois que «…, antes de partirem, queimaram dezenas de habitações, saquearam uma Loja do Povo e, num acto de selvajaria característica, cortaram ambas as orelhas a dois camponeses, um deles uma mulher». Tempo, nº 474 – 11.11.79, pág. 13

O poderio militar da força inimiga vai obrigar as FPLM ao prolongamento das operações que levarão uns 15 dias porque o objectivo é neutralizar uma suposta «importante força inimiga, infiltrada na área da Gorongosa». O efectivo que acompanha o líder do até aqui denominado MNR (Mozambique National Resistence) é estimado em cerca de 350 homens, e integra oficiais rodesianos e moçambicanos que penetraram em Moçambique com o objectivo de estabelecer um acampamento militar no interior, a partir do qual poderão lançar acções de sabotagem contra alvos económicos e sociais. Outros grupos pouco importantes estão dispersos em Mucuti, Mabate, Chidoco, Sitatonga, Chinete, Muxungue. Os sete homens vistos são rebenta-minas e servem de isca para convidar o adversário ao terreno lamacento. Refugiam-se num pequeno planalto no alto da serra da Gorongosa, a mais de 1800 metros de altitude. A sua posição é praticamente inexpugnável contra ataques por terra e por dia, facilmente, é abastecida em armas, munições e mantimentos pelos aviões e helicópteros rodesianose pelas populações cúmplices. 

Para proteger o acesso ao acampamento principal, foi estabelecido um posto avançado em Morombodze, uma estação pecuária que antigamente pertencia a um inglês, guarnecendo-o com um efectivo calculado em cerca de 100 homens. Esta área tem a importância estratégica para a defesa das posições principais do grupo. É aqui que termina a picada quase intransitável que vai da Vila, a única via de acesso para viaturas a partir da pequena plataforma ali existente. No comunicado do Estado-Maior General de 2 de Novembro reconhece-se que «as condições de acesso terrestre a este local são de tal modo difíceis que, para se percorrer a pé os poucos quilómetros que o separam de Morombodze, são necessários cerca de três dias». No dia 11, as FPLM lançam uma ofensiva. Os combates são aqui particularmente violentos, com o efectivo inimigo cercado, encontrando-se instalado nas próprias instalações da estação pecuária. Os 100 homens resistem ao poder de fogo das forças atacantes, e lançam uma contra-ofensiva a partir das cinco horas da manhã do dia 12. 

O tiroteio, quase à queima-roupa, prolonga-se até às 11:00 horas, quando as FPLM reagrupam as suas forças para novos desenvolvimentos. A resistência sugere haver pessoas importantes no local. Aproveitando-se do reagrupamento das FPLM, o grupo dispersa-se pela mata adentro o que permite que no dia seguinte, 13, o posto seja ocupado, com resistência esporádica e localizada. Ocupada a posição estratégica de Morombodze, as FPLM preparam-se para a ofensiva final contra o acampamento inimigo na Serra. No dia seguinte, 14, os rebeldes desencadeiam uma série de acções, numa tentativa de fazer dispersar as forças agora ocupantes. A floresta nas cercanias de Gorongosa está em ebulição e o turbilhão de tudo isso é um grupo de 350 homens armados com armas ligeiras contra um exército armado até aos dentes. Nos dias 14, 15 e 16 os combates estão circunscritos nas cercanias do posto avançado ora ocupado. Para lá são mobilizados materiais de guerra e homens na tentativa de romper o cerco. A resistência tenaz dos rebeldes volta a sugerir haver entre eles os principais comandantes, mas ainda ninguém tem certeza. 

Pela manhã do dia 17, ataques coordenados saem de diferentes posições contra Morombodze o que força as FPLM a dividirem-se em pequenos grupos e a penetrar para o interior em perseguição aos adversários. Há muitas baixas do lado das FPLM, o Hospital da Vila já não é capaz de atender quantos feridos para lá chegam. Também há muitas mortes do lado dos rebeldes e só mais tarde saber-se-á que entre eles estava o próprio comandante, o André. No dia 17, entre os que combatem notam a ausência do comandante, pois estão divididos em pequenos grupos. A ira e a necessidade de certeza força-os a ter que aumentar a intensidade dos ataques. No dia seguinte, 18, aproxima-se da Vila, fustigando-a com um poder de fogo. Neste dia, 20 homens já tombaram e os 80 sobreviventes dividem-se em três grupos conforme fora traçado no dia anterior: o primeiro ataca directamente o quartel das FPLM, criando um pânico entre os habitantes da vila; o segundo ataca uma área residencial, criando uma debandada geral e o terceiro ataca a zona do hospital, deixando doentes desprotegidos. As FPLM estão sob fogo intenso em todas as frentes. Pela mata ainda há resistência, mas não tanta. Há que redobrar esforços para proteger a vila. Os combates iniciam-se cerca de dez horas da manhã, e prosseguem até às cinco da tarde. Por um pouco a vila não cai. Os rebeldes querem ver se no Hospital haverá alguns elementos feridos entre eles o seu comandante. 

A percepção de um dos comandantes das FPLM é de que «o grupo inimigo julgou provavelmente que, como um importante efectivo moçambicano se encontrava na serra a proceder a operação de «limpeza», a vila estaria pelo menos parcialmente desguarnecida. Por outro lado, tentou aproveitar-se ao máximo das características da vila, particularmente da grande dispersão das casas e instalações ali existentes». Tempo, idem. Ao fim do dia os dois primeiros grupos são rechaçados com numerosas baixas, deixando feridos que são capturados pelas FPLM, e o terceiro consegue atingir as paredes do hospital com balas, e um roquete destrói por completo a casa mortuária, situada a cerca de 20 metros do hospital. A vila está momentaneamente dividida com os rebeldes a controlar uma parte nos dias 19, 20 e 21. Apesar de todas as tentativas de romper o cerco, e dos reforços importantes recebidos as FPLM instalam a artilharia na plataforma de Morobodze. No dia 22, procedem ao bombardeamento sistemático do campo no topo da montanha, que será completamente arrasado. 

No dia 23, as forças de infantaria iniciam a escalada da montanha, cujo cimo atingem a 26, limpando completamente a encosta. Os sobreviventes dispersam-se em pequenos grupos, fugindo em direcção à fronteira ou, abandonando armas e uniformes, fazendo-se passar por elementos da população. Na montanha numerosas ligaduras cheias de sangue são ali encontradas. Cadáveres também são encontrados mais tarde em áreas vizinhas, nomeadamente num rio que corre nas proximidades. O saldo global da operação é de mais de 100 baixas do lado dos rebeldes, um número elevado de feridos e 22 prisioneiros, sendo ainda abatido um helicóptero quando tenta evacuar oficiais rodesianos, na zona de Manica. Do lado das FPLM o número de baixas é estimado em cerca de 136 mortes, 45 feridos e, 37 desaparecidos em combate, entre mortos, capturados e desertores. A tentativa de estabelecer um campo militar no interior de Gorongosa, para servir de base para o desencadeamento de acções de terrorismo e sabotagem, fracassou mas abriu espaço para que Maringue, já sob liderança de Afonso Dhlakama, emergisse como símbolo de resistência da Renamo até ao Acordo Geral de Paz, de 1992.


Nota: Na foto, André Matsangaissa e Pedro Marangoni, Arquivo de  Pedro Marangoni
Eusébio A. P. Gwembe, Historiador

terça-feira, 16 de junho de 2015

A Renamo e sua nova ameaça à Paz

Nestes dias de intensa luta contra os inimigos da paz que há duas décadas tentam escravizar as nossas populações para permanecerem na insegurança no  próprio solo, aprouve a Deus nosso Senhor enviar à Moatize uma nova e difícil atribulação. O pérfido ataque militar ao exército, no passado domingo se confirma. A Renamo continua a avançar com a ideia de criar um  exército próprio, lançando novas forças ao ataque. Os distúrbios provocados na região ameaçam ter um efeito  desastroso sobre a situação futura deste persistente braço de ferro, se o exército responder. O destino de Moatize e de Tsangano, o bem estar do povo e todo o futuro da nossa querida província de Tete exigem que o sossego seja reestabelecido. Mas o sossego só pode aparecer se as armas à solta forem recolhidas e extirpado o fantasma do reinício de uma nova e, talvez, prolongada guerra. Ninguém duvida que a Renamo, não hesita em recorrer a ela e a qualquer provocação, tal como nos demonstram os seus actos, na realidade uma passagem para o lado da negação ao povo do direito à paz, no momento em que o recurso à violência para se chegar ao poder está em colapso por todo o mundo que se preze civilizado. Esta situação pode ser atraente para certos espíritos que acalentam a esperança de vingar as suas mágoas e o seu ódio à Frelimo, através de uma nova catástrofe. Nunca, como nesta hora histórica, revelou o governo moçambicano tanta força de carácter -  e é este governo ao qual todos devemos nossa maior conquista, que a Renamo se atreve a ameaçar com ataques.

A Renamo sempre chamou de democracia  à liberdade dos seus homens armados continuarem pobres e de morrerem à fome no mato, enquanto os chefes levam uma vida boa nas cidade, quando podiam enquadrar-se na vida civil com todos os seus benefícios. São anos perdidos! Os seus defensores oficiais e oficiosos enganam o povo com frases agradáveis, sonantes e bonitas mas totalmente falsas, tentando dissuadir as massas da tarefa histórica concreta da  Renamo para libertar o povo da má governação imaginária. Os progressos da última década mostram que, apesar dos esforços desestabilizadores da Renamo contra a governação da Frelimo, a roda do destino e o impulso da calma e determinação do povo avançam em direcção a um objectivo: desenvolvimento. Nestes últimos meses, o ritmo aumentou e já nada a pode parar. Há muitos anos o exército e o governo têm sido pacientes com a Renamo, mas esta, em vez de reconhecer os direitos das forças armadas circularem em todo o território nacional, atreve-se a falar de «nossas bases» e lança-se ao ataque, num acto de provocado suicídio. Até provas em contrário, recuso-me a acreditar que os verdadeiros democratas vivam com exércitos paralelos em seus países. Mais de um milhão de mortos em 16 anos cujo erro foi terem nascido e vivido no nosso solo pátrio; dariam voltas nas suas sepulturas. E até provas em contrário, recuso-me a acreditar que a Renamo defende a paz destruindo-a.

Um povo digno do seu passado e do seu nome entre as nações civilizadas não pode viver perpétuamente o fantasma do retorno da guerra. Quando a Renamo recebe apoio expresso vindo de certos segmentos, não é voto de confiança garantido. Pode estar para ser usada por  verdadeiros anarquistas e ela pagará a factura mais pesada da História: o desaparecimento. Estes segmentos são mais movidos pelo ódio contra a harmonia do que o amor à Renamo. Deixai-me repetir categoricamente que apesar das provocações da renamo, o juramento sagrado do nosso Presidente que fez perante todos nós é que fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir que moçambicanos matem outros moçambicanos. Entregou-se à tarefa com entusiasmo e esperança porque tem um coração de paz. Assim seja! 

domingo, 31 de maio de 2015

Sobre a idade do Partido Frelimo (I)

O crescimento da imprensa e das oportunidades de/para divulgação de informações entre as massas provocou esforços convulsivos, por parte de algumas pessoas, no sentido de desacreditarem a idade da Frelimo buscando encontrar argumentos políticos fictícios e não científicos em defesa de uma estranha. Desses argumentos, destaca-se particularmente a ênfase de que a Frelimo de 1962 era uma Frente, no sentido de congregação de vários movimentos numa só organização com vista ao alcance da independência. Para cúmulo, os seus autores chegam a afirmar que, uma vez alcançada a independência, haveria dissolução da Frente e cada um seguiria a sua rota. A falsidade e hipocrisia de tal argumento, repetido em milhares de formas na imprensa dita livre, são evidentes para todos os que não querem atraiçoar o princípio fundamental da Ciência. Em primeiro lugar, este argumento é usado com certas interpretações baseadas não em factos históricos mas na traição da própria Língua Portuguesa quando se fala de «Frente», sem indicar concretamente a que «Frente» se referem. Em segundo lugar, não foi a Frelimo uma Frente que havia de ser dissolvida, uma vez alcançada a independência. É mais uma pressa dos autores da  propaganda contra a cinquentenária Frelimo, ao confundi-la com as intenções por detrás da COREMO. Vamos aos factos:
  • «Em 24/3/65 iniciou-se em Lusaka (Zambia), a conferência da Unidade Moçambicana que se prolongou até 31/3/65. Nos trabalhos participaram representantes dos seguintes PARTIDOS:
  • · União Nacional Democrática de Moçambique (UDENAMO), representada por:
  • · Paulo Gumane e Sakupwanya;
  • · União Nacional Democrática de Monomutapa (UDENAMO) representada por: Hlomulo J. C. Gwambe, Calvino U. Z. Mahlayeye e John Gent Bande;
  • · Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), representada por: Dr. Eduardo Mondlane e Shithole;
  • Mozambique African National Congress (MANC), representada por Peter K. Simbi e Mathews Kambezo.
A conferência tinha como finalidade reunir num único, todos os movimentos de Libertação de Moçambique, que se deveriam dissolver, e, aglutinarem-se num «Comité Revolucionário de Moçambique – COREMO», que, como único Partido dirigiria a lenta e implacável luta contra o Imperialismo, Colonialismo e Neo-colonialismo». A delegação da Frelimo não concordou, argumentando que, se realmente se pretendia realizar a unificação de todos os PARTIDOS empenhados na independência de Moçambique, a Frelimo, estava pronta a recebê-los no seu PARTIDO, mas de modo algum a dissolver-se e agrupar-se num outro ainda totalmente desconhecido, pois encontrava-se na vanguarda da luta e não podia abdicar da sua posição perante a massa dos seus elementos. Por não chegarem a acordo foi pedido à delegação da Frelimo para abandonar a conferência, prosseguindo os seus trabalhos os restantes PARTIDOS»

Estivemos a citar in extensis o documento da PIDE datado de 18/08/1965 que vai anexo. Em terceiro lugar, como se pode depreender, tudo acontece em 1965 visando unir os partidos separados. E o resultado é a expulsão da Frente, pelos Partidos que a deveriam constituir, o que é absurdo. Naquele encontro daquele ano decisivo da História do Partido Frelimo, no momento em que a verdade lutava para ser reconhecida no caos internacional onde prevaleciam os poderes do domínio maligno e do imperialismo, Mondlane, acompanhado por Shithole. Mostraram-se firmemente dispostos a preservar a soberania da Frelimo. Porque o seu vasto programa dispunha unida e resolutamente a preservar a dignidade de todos os moçambicanos face aos esquemas imperialistas de algumas nações que desmascaravam os seus desejos de domínio e supremacia. Naquele dia, Mondlane decidiu mostrar ao mundo que quando um pequeno grupo de indivíduos decide preservar e salvar a dignidade de um povo, fazem-no, e que quando estes indivíduos estão resolutamente determinados a defender os seus princípios e a manter a sua dignidade, não deixam de alcançar os seus objectivos. E assim fez, nos encontros de Lusaka. Enquanto Gwambe e outros incidiam os seus discursos a falarem da URSS e dos EUA, Nato e outras nações, Eduardo Mondlane falou em nome de cada moçambicano, mas também em nome de todas as nações Livres.

Nunca foi a ideia de Mondlane dissolver o Partido Frelimo, uma propaganda barata, esta. Ele falou em nome de todos os que acreditavam na liberdade e que estavam dispostos e prontos a defendê-la, sob égide do partido que representava. Falou em nome dos princípios proclamados em Junho do ano de 1962, com alguns dos integrantes da equipa que, porém, agora eram eles que estavam a violar esses princípios de União. Como haveria garantia de que daquela vez haviam de manter a União? Coube a Mondlane aceitar a responsabilidade de os reafirmar e restabelecer, recusando-se a abrir mão para a dissolução do Partido. Antes, porém, tentou, por todos os meios possíveis, cooperar com os outros membros da delegação de Lusaka, mas eles exigiram ser pagos à cabeça. Declarou que estava disposto a negociar acordos, mas mal começaram as negociações começaram as ameaças e as intimidações, querendo fazer vincar a ideia da dissolução da Frelimo. Como Mondlane recusou, começaram a lutar contra ele, tendo-o mandado embora, reunindo-se, os restantes, de seguida, em COREMO, com apoio da Zâmbia. Uma tal postulação, deixando de fora a questão dos integrantes, isto é, actores, como se de uma questão insignificante se trata-se, é uma chacota directa à História, nomeadamente ao papel do indivíduo e o acaso. Engels escreveu que são históricas todas as ciências que não são ciências da natureza e que as ciências sociais ou humanas sem a componente "tempo" não são ciências, nem são históricas.

Para compreender a idade do Partido Frelimo é preciso fazer uma breve história do conhecimento histórico que possuímos sobre a sua fundação. A síntese do material até aqui disponível permite-nos concluir que o processo de união é anterior a Mondlane e iniciou na Tanganyika. Mas que sempre fracassava, em parte, devido ao analfabetismo, à ambição desmedida de alguns e pela interferência estrangeira. Para Zengazenga [1] «as reuniões realizadas em Dar-es-Salaam na presença de protectores estrangeiros não conduziram a nenhum resultado». Já em Julho de 1960, Marcelino dos Santos, na altura apoiante do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), isso mesmo, tal como o era Hélder Martins, encontrou-se com os líderes da MANU e da UDENAMO (União Democrática dos Naturais de Moçambique) em Dar es Salaam, tendo-os aconselhado a unirem-se. (A UDENAMO de Hlomulo Gwambe foi fundada em 2 de Outubro de 1960). Em finais de 1961, Baltazar Costa escreveu a Mondlane cuja resposta foi boa «estou prestes a entrar de férias, irei a Tanganyica tentar a Unificação dos dois partidos, nessa altura conhecer-nos-emos». Em Janeiro de 1962, o Governo da Tanganyika comunica aos dirigentes da MANU e UNAMI sobre o encontro de Adis-Abeba, em Fevereiro daquele ano. Mas não avisam Gwambe, porque era tido como sendo espião do Governo português e da PIDE a quem enviava fotografias dos  companheiros e de outros nacionalistas, em troca de valores monetários. (Voltarei a falar deste caso em próximas ocasiões).

A chegada de Mondlane, foi uma surpresa aos líderes que já tinham feito acordos em Tanganyika, primeiro em Novembro de 1961, depois em Janeiro de 1962 e finalmente e apressadamente, na tarde de 24 de Maio de 1962 para que fossem aceites na Conferência de Accra, documento este que foi falsamente divulgado como tendo sido assinado em Ghana. Por isso, Gwambe não chegou a ser membro da Frelimo e, de forma frontal, foi promovendo intrigas que causaram imensuráveis danos ao Partido, danos que o levaria a desintegração. Foi graças a força de vontade de Mondlane que a nova união, a de Junho de 1962 ganhou o seu espaço, Marcelino dos Santos definiu a sua filosofia, no Primeiro Congresso, de Setembro daquele ano. O segundo Congresso, realizou-se em 1968, em Niassa e o Terceiro, em 1977, estranhamente o ano que é convocado como ano da Fundação do Partido Frelimo, pelos propagandistas da falsificação da História. Quer dizer, a Frelimo é um Partido que se funda no seu Terceiro Congresso? Em 1977, a Frelimo tratou de mudar de orientação ideológica. Junto anexo o desmentido do argumento de que os propagandistas da menoridade da Frelimo se servem. Portanto, pelo exposto, o Partido Frelimo vai completar 53 anos no próximo dia 25 de Junho. É a Frelimo de Mondlane, da qual Gwambe não fez parte.

Eusébio A. P. Gwembe, Historiador


[1] Dr. António Disse Zengazenga nasceu na aldeia de Salamadze, no distrito de Angónia, província de Tete, em 6 de Outubro de 1933. Frequentou os Seminários de Zóbuè e da Namaacha, onde fez três anos de Filosofia e dois de Teologia. Foram António Disse Zengazenga, Uria Timóteo Simango e Refael Silvério Nungu, que estrangularam a revolta contra Eduardo Chivambo Mondlane organizada por José David Mabunda, José Paulo Gumane e Fanuel Guidion Mahluza a 3 de Outubro de 1962 em Dar-es-Salaam. Pertenceu ao primeiro grupo de soldados que a Frelimo mandou treinar no Egipto, em Dezembro de 1962. É autor do «Memórias de um Rebelde».




quarta-feira, 8 de abril de 2015

Os primeiros tendões da paz moçambican

Nampula, 17-09-2013

A Segunda Guerra Mundial foi o resultado de uma paz mal feita no final da Primeira. A Itália, mesmo tendo juntado o seu destino aos dos Aliados, depois de uma vitória comum que lhe custou seiscentos mil mortos, quatrocentos mil desaparecidos e um milhão de feridos, quando se discutia a paz à volta da mesa, só recebeu as migalhas de um rico espólio colonial. E a Alemanha, derrotada, viu suas possessões africanas a serem entregues a outras potências e a cair num colapso, quando era um país de grandeza material. Quando os preparativos para a Segunda Guerra davam mostras as mentes magoadas já estavam dispostas a receber o inevitável. Entre o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) e o início da Segunda Guerra Mundial (1939) passaram 21 anos, o mesmo período que nos separa do Acordo Geral de Paz (1992) a estas escaramuças de 2013. Um certo dia, Prof. Dr. Elísio Macamo escreveu que a Renamo não perdeu a guerra, mas pode ter perdido a Paz. Estas pequenas comparações de contraste servem para ilustrar o ambiente sombrio por que estamos a passar e confirmar a tese de que a História se repete.
Aquando do tratado de Roma, em 1992, havia grandes esperanças e uma certeza absoluta de que a guerra tinha acabado e de que o país se tornara estável numa verdadeira e genuína reconciliação. Não vejo, nem sinto essa mesma confiança, nem sequer as mesmas esperanças, no turbulento país de hoje. É por ter a certeza de que ainda temos o nosso destino nas mãos, nas nossas próprias mãos, e que temos o poder de salvaguardar o futuro, que senti o dever de falar agora, quando a ocasião e a oportunidade se apresentaram. Vou dizer o que tenho dito, repetidamente! Não acredito que a Renamo deseje a guerra. O que ela deseja são os frutos da paz e a expansão ilimitada da sua influência. Mas o que aqui devemos considerar, enquanto ainda há tempo, é a prevenção permanente da guerra e o estabelecimento, o mais rapidamente possível, de condições de liberdade e democracia. As dificuldades e os perigos de hoje não serão eliminados se ficarmos à espera para ver o que acontece, nem praticando uma política de apaziguamento. É tempo de o Governo agir na busca de um interlocutor válido, na capaz de encetar condições de diálogo com a ala militar. Mas o mais importante é localizar o próprio Dhlakama, enquanto há tempo. Não se pode esperar que ele reapareça através dos meios de comunicação estrangeiros, o que poderá lançar desespero a todos nós e reanimar o espírito de vingança dos seus homens. O que é necessário é um acordo com a Renamo militarizada, e quanto mais for adiado, mais difícil será de o obter e maiores se tornarão os perigos que nos ameaçam. Pelas mortes de civis e militares, de Abril a esta parte, já não é válida a velha doutrina de que os atacantes irão gastar suas munições e render-se-ão ou seja, o exército tudo fará para devolver a paz aos moçambicanos. Vivemos um problema político e como tal deve ser resolvido por vias políticas e nunca por vias militares.
Não nos podemos dar ao luxo, se o pudermos evitar, de ter pouco espaço de manobra, dando azo à tentação de teste de força. Não podemos deixar fugirem os 21 anos tão importantes nos quais criamos sonhos de prosperidade. Poderemos ser todos, o povo, o Governo e a Renamo, vítimas de uma catástrofe. No passado, vi pessoas a aproximarem-se de nós e a avisar, mas ninguém lhes prestou atenção. Em 1988, o Papa João Paulo II, aquando da sua visita a este país, dizia que «a História não é um mero resultado de fatalidade; ela é algo feito também pelas providências humanas. A História deste momento ficará marcada por aquilo que nós, Igreja, Autoridades Políticas, Forças Religiosas, Forças Sociais e Comunidade Internacional, fizemos ou deixamos de fazer pela paz e pelo desenvolvimento de Moçambique. Parece impor-se enveredar pelo caminho do diálogo para a reconciliação, que faça cessar o espargimento do sangue do irmão e purifique o ambiente do ódio e do desamor». Mas, ao invés de escutar-lhe a mensagem, em 17 de Julho de 1989, o então Presidente, Joaquim Chissano, questionava «Quem é, realmente, a Renamo e quais as suas intenções? Os bispos não constituem uma equipa de mediação mas sim de uma exploração para nos ajudar, em primeiro lugar, a decifrar as intenções de gente que tinha começado a disparar mesmo antes de falar. Porque a luta da Renamo não nasce nem de uma cisão do partido ou reivindicações não obtidas. São violências, massacres e basta». Hoje, em 2013, sabemos das reivindicações da Renamo, algumas das quais, tão justas e benéficas mesmo para aqueles que as repudiam recorrendo à retórica. Foi precisamente por ter compreendido que a retórica em nada contribuiu que em 1990 Chissano afirmou (veja Tempo, 25.03.1990), nos EUA: «Informei o Presidente Bush da decisão do meu Governo de entrar em negociações directas com a Renamo para pôr termo ao sofrimento do nosso povo. O meu governo está pronto para iniciar o diálogo a qualquer altura. Se não estivéssemos ocupados com a independência da Namíbia poderia dizer que estamos prontos agora mesmo». Até ao ano de 1988, ou mesmo antes, Moçambique poderia ter sido salvo do horrível destino que lhe coube, e todos nós poderíamos ter sido poupados às misérias que a guerra lançou sobre a nação e sobre cada uma de nossas famílias.
Nunca houve, na história, uma guerra mais fácil de evitar actuando atempadamente do que a que acabou de desolar o país por 16 anos, sem se disparar um único tiro, e Moçambique poderia ser hoje poderoso, próspero e honrado; mas ninguém quis ouvir e fomos todos sugados, um a um, pelo terrível turbilhão. A decisão será nossa, mas de modo nenhum podemos deixar que aquilo volte a acontecer. Só o conseguiremos se agora, em 2013, o mais tardar até 2014, chegarmos a um bom entendimento com a Renamo militarizada, e mantendo esse bom entendimento por muitos anos de paz através da nossa força e determinação nacionais. É preciso, senão mesmo necessário, que o Governo de Moçambique declare amnistia geral aos guerrilheiros da Renamo e, em nome da paz, organize o seu recenseamento geral para se inteirar acerca de suas condições de vida, no sentido de dar-lhes a vida condigna na sociedade. Eles não são outros; são moçambicanos quanto o somos todos e não possuem outro Moçambique onde possam fixar residência. Ora, enquanto pretendermos que a sua residência seja o túmulo, pela lei da sobrevivência, tudo farão para protegerem a própria vida e o país pagará alto preço. Não nos podemos considerar livres se um só moçambicano estiver aprisionado nas matas da Gorongosa, de Moxungue, de Rapale e de Canda, sem esperança quanto ao seu futuro. Que cessem as perseguições aos renamistas armados, em nome da paz e chamemos aos até aqui renegados, à mesa de negociações. A paz é possível, porque os que tomaram a decisão para estas escaramuças na paz também têm o poder de as fazer cessar na guerra. O diálogo com quem não dispara, como até aqui aconteceu, poderá surtir poucos efeitos e exacerbar as tenções e a ansiedade. Gostaria de dizer aos meus colegas que estas escaramuças são as últimam. Esta é a primeira solução que respeitosamente proponho nesta alocução, que intitulei «os primeiros tendões da paz».
Eusébio A. P. Gwembe 
Historiador

domingo, 5 de abril de 2015

O que não somos capazes na paz será possível na guerra?

Uma Páscoa diferente. Não paro de imaginar cenários tristes, a milhares de distância de casa! Dhlakama confirmou que houve confrontos militares em Gaza. Para onde caminha o país? O que o espera, para além da guerra? Talvez Gorongosa e Maputo prevejam melhor o que pode acontecer, do que nós outros. As democracias iludem-se pensando que a paz, obtida através do arrasamento de todos e da destruição de tudo, lhes trará força para subsistirem. Este é o tempo da tempestade. Não é o tempo da euforia. A tocha da Unidade corre risco de ser emboscada ou então, terá que fazer o seu trajecto de avião. Advém daí a relevância que o ante-projecto da Renamo adquire e o lento, mas previsível, desfile até ao final dos trabalhos parlamentares. Caberá ao Partido Frelimo, o peso da escolha de uma solução governativa para Nyusi. Isto porque segundo o Péricles Nativo, em Mafambisse «é assim como as coisas são feitas. Mesmo lá nos Obamas, lá na América, quando é exactamente para criar nova administração dentro de um país é preciso que juridicamente a Assembleia da República receba aquele documento que seria chamado de anti-projecto para ser ratificado». No caso do provável caldo de tendências difícil de consumir o império da força vingará. Mas já lá vamos.

O líder da Renamo, que olha para si próprio com a autoridade de um "salvador" num país onde todos anseiam a vinda do Messias, ou Nyusi, que vai criando uma expectativa incomum entre os críticos e os apoiantes pela até aqui liderança calma e didáctica como vem conduzindo os destinos da nação, são apenas os protagonistas do desfile. Faltam todos os outros, que vão entrar em cheio no barulho que se seguirá. E essa é a segunda parte do enredo. Afonso Dhlkama, já aqui o dissemos, é o que mais razões tem para estar sereno. Depois de ter visto passar as administrações de Samora, de Chissano e de Guebuza não só elogiou o seu novo interlocutor, como foi capaz de apoiar que ele merecia presidir a Frelimo, o que acabou acontecendo no Domingo de Ramos. E não pára de chamá-lo de «o Presidente», o que é muito bom. Pior será o andar de Nyusi, de quem se espera mais serenidade na forma de lidar com os homens armados da Renamo. Um dossier com barbas brancas. As chefias policiais e do exército, ligadas à antiga administração, poderão ser o seu calcanhar de Aquiles, se é que o obedecem ou optarão por dar falsos relatórios de um perigo eminente representado pelos homens armados da Renamo e, assim, legitimar uma ofensiva. E os tacos! É que, o andar das mexidas que o PR vem fazendo assusta também a elas, imaginando, desde logo, que uma instabilidade momentânea condicionará momentaneamente as inevitáveis mudanças. 

Já para não falar do inegável peso de Guebuza cuja elite ainda não foi totalmente desmontada a vários níveis. Uma instabilidade imaginária permitiria a esta elite mais um tempo no poder e preparação de uma saída honrada. E ai, o PR ou agradará aos generais para deles obter fidelidade, ou agradará ao povo para não desiludir as expectativas até aqui criadas. Se o líder do Partido Frelimo gerir tão bem o dossier «homens armados» como tem gerido os negócios do Estado, terá em cima da sua administração uma mão-cheia de homens e mulheres a carregar os seus slogans com todos os defeitos e virtudes. A marcha dos confrontos em Gaza, por enquanto sem fisionomia, e os acontecimentos que se lhe ligam, tendem fortemente a envolver no conflito o exército que devia, pela Lei-Mãe, conservar-se neutro. Estará o exército a agir a mando do PR ou trata-se da infância da desobediência? Desse modo, a rectaguarda da guerra encontra-se ameaçada de cada vez mais, e, se a contenda chegar a atingir as últimas violências, pode ser que ninguém escape aos seus horrores. Se assim for, que surgirá dos escombros? Novos Moçambiques! Esta probabilidade ainda remota contêm todas as dúvidas sobre o futuro do próprio país, e torna singularmente pungente a hora que se vive.   

A Renamo movimenta-se para o Sul, naquilo que apelidou de «fuga para frente» e o exército quer tudo fazer de modo a devolver o perigo ao seu habitat natural: o centro. Isto tem implicações. Esta táctica da Renamo constitui duro golpe ao exército que pode ver-se cansado muito antes dos verdadeiros recontros. As perseguições em curso favorecem à Renamo na criação de novos redutos móveis com todos os perigos que representam para um exército que tem a sua fraqueza na logística em comparação com as bases que eram conhecidas. Neste sentido, o exército não poderia defender o país eficazmente, dum ataque brusco e de larga escala. Voltemos ao  império da força. Num encontro popular em Mfambisse, Dhlakama afirmou aquilo que se suspeitava. «Não é pedir favor a Frelimo. Se a Frelimo não quiser, se a bancada maioritária da Frelimo brincar comigo, Dhlakama, é o que eu queria que chumbasse, para levar, governar à força, tomar conta disso, não há problema, não há problema». Na realidade, Dhlakama não deseja a guerra, mas reconhece que terá de fazê-la se as perseguições continuarem, e, demonstrando-a quanto pode, promete chegar a Maputo, para atacar lá  ao mesmo tempo que procura evitar que o exército se desembarque definitivamente dos últimos estorvos postos à sua desenvolta neutralidade. 

Ter-se-á, porém, a guerra aproximado do seu início? Decerto, haverá caminho para a evitar mas este, por agora, não se divisa, nem pode prever-se qual será. É aqui que entra a segunda parte do enredo! E então veremos a segunda vaga de heróis anónimos, dispostos a intermediar nisto mais naquilo. O dinheiro que fingimos não ter no momento da paz existirá no momento da guerra. O reduzido exército que defenemos na paz será preterido e na guerra defenderemos um recrutamento forçado bem acima do que sobra dos guerrilheiros da Renamo dispostos ou a incorporarem-se no exército ou a irem para a vida civil. Dinheiro para negociações não faltará como agora tanto falta para integrar os esfarrapados «homens armados da Renamo». E ficaremos conhecidos porque o nosso nome estará nas primeiras páginas dos Jornais Mundiais a fazer notar que há mais um espaço para vender armas e ensaiar a tão almejada caridade. Não andará, pois, muito longe da verdade, que o dilema posto neste momento pelo Dhlakama ao Presidente Nyusi seja o seguinte: ou concertamos a paz, e feita ela, encarrego-me de meter o urso na jaula, ou, se a guerra  for por diante, preparemo-nos para o último combate e o vencedor do futuro ocupará, gloriosamente, a Ponta Vermelha. Neste caso, a vitória de uma das partes sobre a outra, fará dos vencedores e dos próprios neutros outros tantos vencidos. Mas enquanto isso não acontece vou aproveitando pedir ao Altíssimo uma bênção pascal, para amolecer os corações dos que têm o poder de inspirar-me o medo e a confiança. Alleluya

domingo, 29 de março de 2015

Guebuza e o Discurso da Transição

Naquele momento, diversíssimos eram os parasitas que se prendiam, definitiva ou periodicamente, à Frelimo e em tanto maior número quanto mais a nossa vitória se tornara clara. Uma grande parte deles, aquando da campanha para eleições de 2014, mantinha-se muda, esperando pela queda da Frelimo para, de seguida, com as pedras mantidas nos bolsos, atirarem todas sobre Guebuza. Depois de uma vitória que nos custou a falsa e injusta acusação de fraude por parte daqueles que tinham contas a prestar aos patrões estrangeiros, era preciso devolver a vitória aos seus legítimos fazedores. Estar do lado do vencedor é sempre motivo de alegria e de orgulho, mas o mal é quando começaram a querer apoderar-se da vitória, menosprezando até aqueles que tinham dado tudo para que a vitória se materializasse. Lembro-me de pessoas que, no desespero, tentaram seguir a via de fraude e mercê da pronta intervenção policial foram para as esquadras. Lembro-me de camaradas que correram tantos riscos pessoais e colectivos em defesa de cada centimetro da soberania da Frelimo. Lembro-me de camaradas que arriscaram os próprios empregos para garantir a vitória da Frelimo e do seu candidato. Depois da vitória, gerou-se uma campanha para linchar a todos eles. Na hora da despedida, Guebuza, o pai da vitória de 2014, apercebendo de que há os que pretendiam colher onde não semearam, disse: 

«Esta é uma vitória que foi construída por todos nós, membros da FRELIMO, de cartão e de coração: É a vitória daquele que colava panfletos ou promovia a imagem da FRELIMO e do seu Candidato; É a vitória daquele que compôs canções, participou nos nossos eventos ou garantiu a logística da nossa campanha; É a vitória daquele que produziu documentação ou participou em debates ou integrou uma brigada. É a vitória desses milhões de anónimos, nas zonas rurais, nos subúrbios e nos centros urbanos, no País e no estrangeiro». 

Guebuza não precisou dizer «eu sou isto, eu sou aquilo, Mandela, Obama, Messias, sei lá quê...». Apenas mostrou que a Frelimo, sensata e tranquila, era senhora da democracia moçambicana, o umbigo da nação, o único império político nacional onde reinava ainda soberanamente a paz e democracia genuínas. Por esta razão, também tinha que ser o reino da Justiça. Ele mostrou que aquela posição privilegiada da Frelimo não derivava de qualquer factor metafísico, não era produto de milagre – se bem que devíamos agradecer à Providência o muito que Lhe devíamos. Era o resultado lógico de uma sólida linha de conduta política vinda desde 1962, conduta essa que teve expressivo proémio na disciplina partidária. «Preocupa-nos, todavia», disse ele aos presentes, «a postura e comportamento de alguns camaradas, que, publicamente engendram acções que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das instituições e para gerar divisões e confusão no nosso seio». De facto, semanas antes, camaradas que gozando das liberdade de expressão iam a uma certa imprensa, no lugar de invocarem os estatutos do Partido para tratar dos processos de sucessão, evocavam a tradição, uma expressão simples de que «sempre foi assim». E alguns deles, só se recordavam das leis quando era para falar de assuntos ligados à oposição, o que era preocupante. Guebuza não era agarrado ao poder, como apregoavam os seus críticos, internos e externos. Nenhum analista acertou sobre a grandeza escondida em Guebuza.

Guebuza, a quem coube a árdua tarefa de eliminar as graves incertezas que pairavam sobre a Frelimo, no demorado período de tergiversações e até frustres abdicações, provenientes da inércia dos políticos que então o criticava para dar a entender que o seu tempo era o melhor, compreendera a gravidade do momento. Para a Frelimo era uma questão de vida ou de morte porque, como disse: «os nossos adversários batalham, dia e noite, para que o seu sonho seja materializado. Cabe a nós, hoje como ontem, batalharmos, sempre unidos, coesos e firmes, para que esse seu sonho se transforme em pesadelo». E o pesadelo não demorou. Soou como em todos os cantos da imprensa sob vários títulos, num país cujos políticos não estavam preparados para ouvirem as verdades nuas e cruas. Ele dirigia um partido que tinha a sua inspiração no povo moçambicano, a causa e consequência da sua existência, num momento em que a cura dos vícios da oposição vinha da simples virtude de princípios e acontecimentos importados de outras latitudes independentemente das condições locais e dos defeitos dos membros daqueles partidos em materializá-los. Para os camaradas não era assim. O justo anátema lançado por Guebuza à intriga política, fora, já muitos anos antes, uma convicção dos fundadores da pátria. Era convicção que se soubéssemos civilizar como soubemos conquistar não tardaria que ocupássemos lugar eminente entre os partidos dominantes de toda a África. O que tínhamos a fazer para ter esse resultado? Não fazer política, a política da oposição! Porque «hoje, como ontem, quando os nossos adversários nos elogiam é porque descobriram ou porque pressentem que estamos no caminho errado, pois eles não nos querem e nunca vão-nos querer por bem: Não querem uma FRELIMO forte, omnipresente e popular; Não querem ver o seu Governo forte e a implementar, com celeridade e impacto, o nosso manifesto eleitoral; Não querem ver o nosso Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, forte, firme, dando o seu melhor na direcção do Estado porque sabem que isso beneficia não só a ele como à nossa gloriosa FRELIMO».

Não ceder as suas chantagens. Não atirar ao escuro, menosprezando os canais e as regras estatuárias do Partido, evocando hábitos e tradições. Só assim mereceríamos o respeito que ainda detínhamos entre os grupos que também se denominavam de partidos políticos embora sua actuação fosse duvidosa. Para adquirir influência a que tínhamos direito pelas nossas tradições, pela nossa lealdade, pela bravura do nosso carácter, pelos nossos sentimentos eminentemente democráticos, não devíamos desviarmos deles, nem cessar os nossos esforços de alcançar o próprio resultado a que deveríamos aspirar, a prosperidade das nossas aldeias, das vilas, das cidades, pelo progresso da razão moral e da liberdade humanas. No confronto com o que se estava passando no nosso partido, o único império político nacional onde reinava ainda soberanamente a paz e democracia genuínas e com o que se vinha realizando, há 40 anos, não havia nada de taumaturgia, mas sim uma sensata, ponderada e calculista disciplina partidária. Estes elementos imprescindíveis para a prosperidade partidária, assentes na tradição democrática, mantêm-se porque se mantêm os nossos sentimentos eminentemente democráticos, adversos, portanto, a toda a espécie de tirania e abertos para largamente receberem todos aqueles que queiram compartilhar da nossa vida e da nossa actividade civilizadora, a impor-se, constantemente, à consideração e ao respeito ao que se passa nos partidos alheios. 

Pôde dizer-se que a Frelimo estava agora, como ontem, na ordem do dia em todos os jornais, e de forma mais realista do que no meio dos últimos meses quando certas imposições subreptícias do jogo diplomático faziam desviar para a oposição as atenções de alguns distraídos, a fim de um hábil político poder melhor atingir o seu escopo de predomínio no nosso país. Desde aquele discurso da matola, já não se arquitectavam lendas fabulosas, acerca de fantasiosa queda livre da Frelimo. Afinal de contas, até os jornais da direita viviam o pesadelo. A nossa preocupação pela democracia não datava, como se sabia, do eclodir da crise que afligia tragicamente os partidos da oposição. E a Frelimo não era lugar de degredo, aposentaria de políticos preguiçosos, interesseiros e calculistas ou derradeira etapa dos falhados. Era uma família de políticos hábeis em prol do bem-estar dos moçambicanos e era disso que aquele discurso enfatizara. Guebuza, contra todas as previsões, mais uma vez, ganhava a batalha colocando o lugar à disposição. E deixará uma mensagem bússola que deveria nortear a direcção do partido: coesão, firmeza e disciplina e a importância de usar os canais próprios para resolução dos problemas partidários. 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Carta ao Ministro da Educação

Local: Izmir, Turquia

Assunto: Cobranças ilícitas para vagas na Educação

Excelência! Deve ser a primeira vez que escrevo uma carta a um Ministro. Sou docente na maior Instituição Universitária de Moçambique, ou, se quiserem, Universidade Pedagógica de Moçambique,  actualmente na Turquia, a fazer Doutoramento. Além da UP, fui professor no ensino primário, no secundário, na Saúde e na Academia Militar, pelo que escrevo esta carta consciente de que o problema que apresento mereça um olhar a vosso nível. Excelência, tinha dois educandos no Instituto de Formação de Professores de Tete, uma prima e um primo, de cujas dispersas pagava, com gosto, esperançoso de que, uma vez terminada a sua formação, juntos pudéssemos lutar para combater a pobreza. Concluíram com sucesso e com boas notas. O que me espantou, primeiro, foi a prima que pediu algum valor para poder «garantir o lugar», a nova linguagem que se usa para colocação. Não dei, confiante de que a meritocracia tinha inaugurado o seu reinado e que a continuidade escondia dentro de si a mudança. 

Nas últimas semanas, enquanto esperava pela colocação dela, foi a vez do primo que pediu para eu «interceder». Excelência, pode imaginar o que é viver no antigo Império Bizantino e resolver problemas nos antigos apêndices do Império do Muenemutapa!  Indiquei a pessoa a quem o primo devia falar, algures em Moatize, desde que falasse do meu nome, tal uso de influência em voga na nossa sociedade, um mal que deve ser combatido. Dias depois, o meu primo já era uma pessoa feliz com guia para ir a um distrito. Apesar de o referido distrito possuir défice de professores, os responsáveis pelos recursos humanos estão a exigir entre 6.000 a 15.000 Meticais por pessoa, só para ter colocação. E os que tinham sido fracos durante a formação, mas com dinheiro, já estão a trabalhar enquanto os melhores sem dinheiro, mas que poderiam ajudar na melhoria da qualidade do ensino, continuam a viver as incertezas. No caso do  meu primo, eu devo interceder também ao nível distrital, mas…. Perante os factos, não imagino quantos moçambicanos podem estar a ser vítimas desta actuação, muitos deles contando com as próprias forças, sem alguém que possa interceder por eles.

Atenciosamente

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Carta a um amigo frelimista: o nosso céu em perigo

Meu caro plebeu

Quando, nos saudosos dias de vida religiosa, éramos assíduos frequentadores das missas dominicais, mal diríamos então que, passados 17 anos nos tornaríamos a encontrar nesta longa caminhada da vida, numa terra longínqua como Turquia. O amigo, coberto de glória, pelos seus triunfos sucessivos que o tornaram um empresário moderado, que encanta seguir, eu gasto e cansado pela longa permanência fora do país. Naquele tempo, sempre saudoso, para reforçar a modesta compreensão linguística, lancei mão, com parca habilidade, de crónicas que escrevia para uma revista religiosa da Companhia de Jesus. Assim me ficou o hábito de escrever, nunca perdido pela temporada na Europa, de onde te mandei cartas sobre as nossas relações de longa data e, em especial, sobre os nossos valores religiosos. É baseando-me nestes valores que analiso a actual realidade nacional. Quando os frelimistas tratam de situação particularmente muito grave, costumam escrever no cabeçalho das suas directivas as palavras «Unidade, Trabalho e Vigilância». Ter alguma palavra ou expressão de esperança é uma prática sensata que conduz à clareza do pensamento. Meu caro, estejamos vigilantes porque as constatações do passado mês de Novembro, acerca de regiões autónomas, passados já três meses, não perderam a sua actualidade, pelo contrário, parecem urgir-nos ainda mais. Uma nuvem negra cobre o céu da Frelimo! Naquele dia - ainda me lembro - dizias que as duas oposições tinham agendas e visões diferentes mas iguais na concepção. Se para a Renamo a justiça seria possível na divisão do país, para o MDM ela encontrava a sua materialização na tribalização da política. A Frelimo, pelo contrário, acredita que a justiça deve ser encontrada na Unidade Nacional. E concluías dizendo que a ideia da unidade é a mais valiosa pelo que deve ser defendida. Concordei contigo em tudo e ainda concordo. 

Entretanto, devo dizer-te, pois, algumas coisas preocupantes. O que está a acontecer é que as intenções da Renamo são demasiado incertas e falta-lhes a clareza necessária para que possamos nos pronunciar sobre elas. A última e tremenda guerra da qual acabámos de sair, além do seu elevado custo enquanto durou, dinheiro que poderia ser investido em outras áreas sociais, aumentou a miséria e a penúria, principalmente nas áreas afectadas, afastou investidores criando incertezas. Preparou um terreno fertilíssimo para os factores de divisão e veio dar mais força aos que a financiam e habitualmente a fomentam. A guerra sempre recuou os nossos ideais. Dos esforços e dos trabalhos dos guerrilheiros da Renamo só hoje restam ruínas, nada mais do que ruínas e miséria, medo e desespero. Por mais paradoxal, porém, que pareça, é disso que a Renamo se serve e se orgulha, lançando culpas a quem governa, mesmo quando ela é responsável que intimida investidores. Vemos, por uma parte, o homem comum voltar-se para essas doutrinas de autonomia como para um Evangelho, que traz a promessa de uma vida melhor depois da morte. Esta mesma Renamo, nos anos 90, recusou-se a nomear Governadores e administradores nas áreas em que tinha vencido. Esta ideia já era originalmente da Frelimo e eles a recusaram alegando que queriam governar todo o país. Com o passar da idade, há que tudo fazer para ser presidente de alguma coisa, o que é bom! Aconteceu durante a Luta Armada de Libertação Nacional. Porém, o boicote das eleições municipais pela Renamo em 1998 e em 2013 afastou-a da conquista dos espaços onde pudesse exercer o agora tão almejado poder autónomo e seu lugar foi ocupado pelo MDM, hoje em apuros. Por outro lado, intelectuais, intimados por uma espécie de fatalismo, ou fecham voluntariamente os olhos ao perigo imediato ou capitulam de antemão, preparando-se para um martírio inevitável. E nos aconselham a tratar Dhlakama como ovo, dando-lhe toda a razão do país porque, segundo dizem, pode ficar zangado e complicar as coisas. Acrescentam dizendo que assim o fazem para o bem da própria Frelimo. Entretanto, o perigo mais grave é que, ultimamente, de vários segmentos da sociedade, a juventude desempregada tem sido facilmente seduzida. 

Ao ver as flagrantes injustiças e abusos da ordem social nos quais poucos comem e muitos se sufocam com o cheiro dos restos de boa comida, ao ver o sonho de ter emprego estar cada vez mais reservado para quem já tem algum dinheiro devido à venda de vagas e ao uso de influência feita pelos sectores dos Recursos Humanos nas instituições públicas e que as forças da posição parecem não poderem ou não quererem enfrentar a situação de frente, dão ouvidos às novas doutrinas. E isto faz com que se diga de boca cheia que a proposta de lei a ser submetida para Assembleia da República seja tratada de forma especial sob risco de «este Governo cair». Meu caro plebeu, vemos o Parlamento a perder a sua vitalidade. Já é difícil afirmar que o poder pertence ao povo quando o Parlamento que o representa não é livre de debater e de decidir de forma consciente e quando a maioria parlamentar é ameaçada pela minoria. Ademais, a teoria da autonomia não é uma suposição abstracta porque os seus ideólogos a ensinam, agem e vivem. É de grande importância que os frelimistas a conheçam, tal qual é na verdade. Este é o nosso dever mais difícil e urgente nos dias que correm. Dever mais urgente, pois o objectivo imediato, visado pelos nossos irmãos, não é apenas divulgar a própria doutrina, mas pôr em confronto directo entre o Presidente Nyusi e a Frelimo; apossarem-se do poder, para, com seus métodos já conhecidos, poderem cortar à Frelimo qualquer acesso ao povo. Estamos perante uma violação dos destinos nacionais e tal está a acontecer debaixo de um véu de frases moralizadoras, talvez destinadas a apaziguar a sua consciência dos seus autores, de quem seria de esperar palavras de condenação. 

É preciso cortar os tentáculos empolgantes da Renamo, que se estendem sem cessar aos lares dos pobres para saciar as suas bocas sugadoras, com falsas promessas. Ela sonha em criar um cinturão de resistência silenciosa que nos poderá pesar no futuro. Como frelimistas, amigo, temos que ir-nos prevenindo das manobras suspeitas da Renamo. Abraçados por uma mão de confiança cega e calados poderemos acordar assustados, despejados do poder porque sem acesso ao povo. Assim como no passado o anti-socialismo, assim agora o anti-constitucionalismo pôde nascer e robustecer-se devido às condições de vida da grande massa populacional, tão duras, ou antes insuportáveis, que reinavam e ainda reinam. O que devemos aconselhar que se faça e em que devemos ajudar, é, sem mais nem menos, um plano de salvação nacional que dará melhores condições de vida ao povo. Em que, então, o rápido desenvolvimento e, provavelmente crescimento económico deverá ajudar a cada um dos moçambicanos? É, nem mais nem menos, a segurança alimentar, a assistência social, a liberdade e o progresso para todos os lares e famílias, para todos os homens e mulheres de todo o país. E aqui, refiro-me, em particular, à miríade de casas e pequenas cabanas nas quais os chefes de família lutam, no meio de todos os acidentes e dificuldades da vida, para proteger a mulher e os filhos das privações e educar a família segundo conceitos éticos que frequentemente desempenham um papel fundamental em suas vidas. Não há nada mais típico dos que têm medo do diálogo do que repetirem e voltarem a repetir um argumento que já foi perfeitamente rebatido e refutado, com o objectivo de construir uma opinião pública através da propaganda junto dos seus simpatizantes. Não tenho palavras para exprimir a força da minha convicção de que, para continuarmos a ter democracia, é nossa obrigação promover a protecção do Parlamento e a independência dos deputados! Adeus amigo, voltarei a escrever-te!

Do teu amigo, deste lado da Ásia Menor, Unidade, Trabalho e Vigilância.