sexta-feira, 29 de março de 2013

Em que é que a Renamo confia, Senhor?

Não irei dar a resposta, senão uma sucessão de questionamentos. Neste tempo pascal tenho minha inquietação para que o Senhor, Criador do Céu e da Terra me alumie o mistério. O Canal de Moçambique, edição de 29 de Março de 2013, escreveu que foram «Eleitos membros da CNE sem a Renamo». Entretanto, vem o SG da perdiz avisar que "A Renamo não vai aceitar que nenhum moçambicano se movimente para preparar o processo eleitoral". Por isso pergunto: em que é que ela confia? Vejo que corremos risco de fechar os olhos face a verdades dolorosas, porque o silêncio dos demais cavalheiros acerca desta matéria é preocupante.

Será este o novo papel de homens sensatos, empenhados numa enorme e árdua tarefa pela democracia? Os defensores da oposição, parecem mais dispostos a pertencer ao grupo daqueles que tendo olhos não vêem e tendo ouvidos não ouvem as coisas que estão intimamente ligadas à sua salvação temporal. Deixaram tudo para a Frelimo. Não estará na forja uma propositada agenda de criar-se um estado de emergência e limitar certas liberdades até aqui conseguidas e, diga-se de passagem, regadas com sangue, para daí chamarem forças estrangeiras? Senhor, porque é que a outra oposição não se pronuncia? O que estará a ser forjado nas chancelarias?

É que, como o disse uma vez, eu não conheço outra forma de julgar o futuro a não ser pelo passado. Nesta lógica, a julgar pelo passado e pela minha própria experiência, vejo uma nuvem negra pairando sobre o país e qualquer silêncio revelar-se-á uma armadilha aos nossos próprios pés. O contexto de 1998 no qual a Renamo boicotou as eleições difere do actual. Naquele tempo tínhamos uma Renamo forte, com uma base de apoio no Parlamento e fora dele que, portanto, não lutava para salvar a pele, como hoje.

O que significa esta sua exibição marcial, se o seu propósito não é forçar o povo à submissão? Poderão os moçambicanos atribuir-lhe outros motivos? Tem a Renamo algum inimigo, em qualquer canto do país, que justifique toda esta acumulação de nervos? Não, Senhor, não tem nenhum. Destinam-se a Frelimo, não podem ser para mais ninguém. A oposição como um todo, comandada pela Renamo, tem enviado espiões de consciência para manter sobre a Frelimo as grilhetas que ela vem forjando há muito tempo. A saída de muitos segredos nossos para a imprensa mostra o quão a oposição está infiltrada nas nossas fileiras.

E o que a Frelimo tem para lhes opor? Chamar a pequena oposição à razão para servir de mediador? Não! Não há grande nem pequena oposição, Senhor. São farinha do mesmo saco.  Há mais de cinco meses que o vimos tentando e já não temos algo de novo a avançar sobre o assunto. Já o analisamos sob todas as vertentes, mas tudo foi em vão. As nossas propostas de reconciliação e de diálogo têm sido desdenhadas, e temos recebido ameaças com insultos acrescidos.

Senhor, nós desejamos ser livres das ameaças da oposição, pretendemos preservar invioláveis os inestimáveis privilégios pelos quais lutamos há muito, não pretendemos abandonar cobardemente a nobre luta na qual há tanto tempo estamos envolvidos e que nos comprometemos a nunca abandonar até que o glorioso objectivo da nossa luta fosse obtido. Se a Renamo continuar com essas ameaças, abandonando a mesa do diálogo, só nos restará um apelo às armas e ao Deus das Hostes!

Dizem-nos, Senhor, que somos fracos, incapazes de enfrentá-los. Quando é que seremos fortes? Na próxima semana, ou no próximo ano? Quando estivermos completamente desarmados e um espião da oposição estiver estacionado em cada casa? Ganharemos força através da irresolução e da inacção? Adquiriremos os meios para uma resistência eficaz supinamente deitados de costas e abraçando o ilusório fantasma da esperança até que os nossos adversários nos acorrentem de pés e mãos?

Senhor, nós não somos fracos. Somos três milhões de membros, unidos na sagrada causa da nossa independência e da dignidade dos moçambicanos e, num país como nosso, somos invencíveis por qualquer força que o adversário possa enviar contra nós. Além disso, Senhor, não travaremos as nossas batalhas sozinhos. Existe um Deus justo que preside aos destinos das nações, e que providenciará amigos para travarem as nossas batalhas por nós.  A Renamo está com medo do voto e foge da democracia como o diabo foge da Cruz!

A luta, Senhor, não pertence apenas ao forte; pertence ao vigilante, ao activo, ao corajoso, ao dialogante. Além disso, não temos escolha. Agora é tarde demais para nos retirarmos do conflito democrático. Apenas poderemos retirar submissos e escravizados! As nossas grilhetas estão forjadas! O seu chocalhar ouve-se nas montanhas de Mueda e nas planícies de Gaza. A batalha é inevitável. Que apareçam! Repito, Senhor, que apareçam!

Os outros podem apelar a calma, mas não há calma, Senhor. Os nossos irmãos renegados já se encontram no campo da batalha. Porque permaneceremos nós aqui inactivos? O que desejam os cavalheiros? Em 1775, Patrick Henry, pergunta: «será a vida tão valiosa, ou a paz tão doce, que possa ser comprada com grilhetas e escravatura» que a nossa oposição carrega consigo nas suas promessas e nos seus gestos? Livrai-nos disso, Deus todo-poderoso! Se a Renamo confia na força, nós confiámos no povo e aqui estamos para entregar o que temos de mais precioso: a nossa vida, porque a causa é grande!

A Popularidade de Guebuza: Resposta a Bayano Valy

No seu comentário sobre o meu post com título  «A quem interessa a sucessão de Guebuza»Bayano Valy diz o seguinte: «EU gostaria de saber como chegou à conclusão de que os que clamam pela sucessão de Guebuza fazem-no a mando de interesses não nacionais? Acho que até prova em contrário o ónus da prova deve ser por ti oferecida.
Ora, diferentemente de 2004 (mesmo em 1998/9 havia lido um artigo com título «Chissano Refugia-se no Povo») em que segmentos do povo comum se mostravam ansiosos em ter um novo líder, actualmente tal cenário não é notório. Desde 2 de Janeiro que fui recolhendo dados, aqui, acolá, além, entre Portugal-Qatar-Moçambique-Qatar-Portugal, num estudo comparativo sobre a deslocalização dos benefícios sociais da cidade para o campo e vice-versa, suas implicações nos mecanismos de transferência do poder em África: caso de Moçambique.
Em Moçambique recolhi dados em distritos de nove províncias exceptuando a de Cabo Delgado e nos municípios de Maputo, Manhiça, Xai-Xai, Chibuto, Inhambane, Vilanculos, Dondo, Beira, Gondola, Chimoio, Catandica, Tete, Moatize, Ulóngue, Milange, Mocuba, Gurue, Cuamba, Ribaue, Nampula, Monapo e Nacala-Porto. Para não me alongar vou ao essencial: Guebuza continua popular (66,4%) - com uma margem de erro de 3.2% para mais ou para menos - entre os que há cinco anos se sentiam insatisfeitos com a governação. Em termos representativos são: 89,2% dos que se dizem simpatizantes da Frelimo; 52% para os apoiantes dos outros partidos, 58% dos independentes e/ou que não revelaram a sua orientação política.
Do outro lado, temos estrangeiros vivendo em Moçambique há mais de cinco anos e aí encontramos dados interessantes sobre a popularidade de Guebuza: 75,6% para os estrangeiros africanos, 56,6% de estrangeiros europeus, 59,8% entre os asiáticos, 47,4% de americanos, 45,7% entre os refugiados, 38,4% entre os que perderam o estatuto de refugiado. Destes dados resulta que 53,9% de estrangeiros acha que Guebuza devia continuar. Juntando as duas realidades vemos que pelo menos 60,15% dos habitantes de Moçambique gostariam de ver Guebuza a continuar, caso o mecanismo de transferência de poder fosse pela Frelimo, repito, caso fosse pela Frelimo. Por vezes, a Democracia é injusta!
Quando questionados da possibilidade da sua sucessão, por exemplo, além da incerteza política 73%, ouvi respostas do tipo «isso é entre eles», «era preferível que o povo fosse consultado porque lá na cidade não sabem o que nós pensamos», «estamos cansados das decisões tomadas por baixo da luz», «já querem cortar esse dinheiro que o distrito recebe», «deve continuar», «não me interessa», etc. e muitos outros motivos que justificam mais a necessidade da sua continuidade do que do seu afastamento.
A contestação era mais notória nas cidades e mesmo nestas, entre os mais formados e até, como digo, entre funcionários públicos. Mas estes últimos tinham características peculiares. Em geral, bons trabalhadores, assíduos, cumpridores de seu dever, a maioria formada na instituição pública, etc.. No final do estudo, defendo que a contestação urbana deve-se ao facto de ter havido uma deslocalização dos benefícios económicos e sociais, o que resultou em desenvolvimento desequilibrado. O meio urbano foi o mais sacrificado em parte porque Guebuza liderou pessoalmente o desenvolvimento do meio rural deixando as cidades para os edis. Enquanto nas cidades a ruralização avançou e com ela a pobreza urbana, no campo, os hábitos urbanos foram surgindo e incorporados aos antigos desde o traje, passando pelo vestuário e alimentação até à habitação e, em última instância, poupança de dinheiro em bancos.
Entre os contestatários a sucessão de Guebuza não figurava entre as suas prioridades; outros nem sequer se lembraram. Pelo contrário, falaram do aumento salarial, do humilhante tratamento que recebem nos hospitais públicos, da distância que lhes separa das sedes de poder local, dos centros de saúde e de escolas pré-universitárias; de capital para abertura de um negócio; dos fertilizantes e das sementes; dos barcos e das redes de pesca; das propinas para os filhos ou para eles na universidade; do dinheiro para corromper uma parteira, um professor, um enfermeiro; de possuir uma torneira em casa ou perto dela; de conseguir uma vaga de emprego, para formação, ou na escola, para si ou seus dependentes, de conseguir um talhão para casa própria; de alimentação.
Quando analisadas as vias para a solução desses males, a mudança de lideranças foi apontada, mas esta estava abaixo dos que sugeriram a via de monitorização/fiscalização das actividades da parte do chefe máximo. Quer dizer, a mudança a que se referiam era apenas sectorial e não da estrutura. Nos municípios os mais criticados foram os vereadores e secretários dos bairros (88%) seguidos de presidentes (86,5%). Algumas pessoas mostraram que nunca viram o presidente do município!
Também os ministros não escaparam e sempre, analisados em termos comparativos para a negativa ou para a positiva. Só por curiosidade, contrariamente ao que tenho lido, nalguns municípios, o problema de transporte e de lixo está em último lugar em relação ao de talhão, de água e de luz. Portanto, foi a luz disso e de tantas outras curiosidades que cheguei à minha conclusão a qual, naturalmente, é sempre contestável. Poderia ter dito muito, mas continuo a pensar que a sucessão de Guebuza, por enquanto, não constitui um problema nacional e que há interesses alheios por detrás da sua promoção, muitos deles tão intrínsecos quanto mister é o próprio tema mesmo dentro da Frelimo.

O que acontece, em geral, os políticos vivendo na cidade e sem desejo de lá sair, falam em nome de quem vive no campo não para melhorar a vida neste meio rural, mas para garantir meios de viver bem na cidade. Entre as limitações do estudo, figura a questão temporal, dada a distância que o separa do pleito eleitoral sucessório e, devido as mutações dos próprios fenómenos sociais.