O líder da Renamo, que olha para si próprio com a autoridade de um "salvador" num país onde todos anseiam a vinda do Messias, ou Nyusi, que vai criando uma expectativa incomum entre os críticos e os apoiantes pela até aqui liderança calma e didáctica como vem conduzindo os destinos da nação, são apenas os protagonistas do desfile. Faltam todos os outros, que vão entrar em cheio no barulho que se seguirá. E essa é a segunda parte do enredo. Afonso Dhlkama, já aqui o dissemos, é o que mais razões tem para estar sereno. Depois de ter visto passar as administrações de Samora, de Chissano e de Guebuza não só elogiou o seu novo interlocutor, como foi capaz de apoiar que ele merecia presidir a Frelimo, o que acabou acontecendo no Domingo de Ramos. E não pára de chamá-lo de «o Presidente», o que é muito bom. Pior será o andar de Nyusi, de quem se espera mais serenidade na forma de lidar com os homens armados da Renamo. Um dossier com barbas brancas. As chefias policiais e do exército, ligadas à antiga administração, poderão ser o seu calcanhar de Aquiles, se é que o obedecem ou optarão por dar falsos relatórios de um perigo eminente representado pelos homens armados da Renamo e, assim, legitimar uma ofensiva. E os tacos! É que, o andar das mexidas que o PR vem fazendo assusta também a elas, imaginando, desde logo, que uma instabilidade momentânea condicionará momentaneamente as inevitáveis mudanças.
Já para não falar do inegável peso de Guebuza cuja elite ainda não foi totalmente desmontada a vários níveis. Uma instabilidade imaginária permitiria a esta elite mais um tempo no poder e preparação de uma saída honrada. E ai, o PR ou agradará aos generais para deles obter fidelidade, ou agradará ao povo para não desiludir as expectativas até aqui criadas. Se o líder do Partido Frelimo gerir tão bem o dossier «homens armados» como tem gerido os negócios do Estado, terá em cima da sua administração uma mão-cheia de homens e mulheres a carregar os seus slogans com todos os defeitos e virtudes. A marcha dos confrontos em Gaza, por enquanto sem fisionomia, e os acontecimentos que se lhe ligam, tendem fortemente a envolver no conflito o exército que devia, pela Lei-Mãe, conservar-se neutro. Estará o exército a agir a mando do PR ou trata-se da infância da desobediência? Desse modo, a rectaguarda da guerra encontra-se ameaçada de cada vez mais, e, se a contenda chegar a atingir as últimas violências, pode ser que ninguém escape aos seus horrores. Se assim for, que surgirá dos escombros? Novos Moçambiques! Esta probabilidade ainda remota contêm todas as dúvidas sobre o futuro do próprio país, e torna singularmente pungente a hora que se vive.
A Renamo movimenta-se para o Sul, naquilo que apelidou de «fuga para frente» e o exército quer tudo fazer de modo a devolver o perigo ao seu habitat natural: o centro. Isto tem implicações. Esta táctica da Renamo constitui duro golpe ao exército que pode ver-se cansado muito antes dos verdadeiros recontros. As perseguições em curso favorecem à Renamo na criação de novos redutos móveis com todos os perigos que representam para um exército que tem a sua fraqueza na logística em comparação com as bases que eram conhecidas. Neste sentido, o exército não poderia defender o país eficazmente, dum ataque brusco e de larga escala. Voltemos ao império da força. Num encontro popular em Mfambisse, Dhlakama afirmou aquilo que se suspeitava. «Não é pedir favor a Frelimo. Se a Frelimo não quiser, se a bancada maioritária da Frelimo brincar comigo, Dhlakama, é o que eu queria que chumbasse, para levar, governar à força, tomar conta disso, não há problema, não há problema». Na realidade, Dhlakama não deseja a guerra, mas reconhece que terá de fazê-la se as perseguições continuarem, e, demonstrando-a quanto pode, promete chegar a Maputo, para atacar lá ao mesmo tempo que procura evitar que o exército se desembarque definitivamente dos últimos estorvos postos à sua desenvolta neutralidade.
Ter-se-á, porém, a guerra aproximado do seu início? Decerto, haverá caminho para a evitar mas este, por agora, não se divisa, nem pode prever-se qual será. É aqui que entra a segunda parte do enredo! E então veremos a segunda vaga de heróis anónimos, dispostos a intermediar nisto mais naquilo. O dinheiro que fingimos não ter no momento da paz existirá no momento da guerra. O reduzido exército que defenemos na paz será preterido e na guerra defenderemos um recrutamento forçado bem acima do que sobra dos guerrilheiros da Renamo dispostos ou a incorporarem-se no exército ou a irem para a vida civil. Dinheiro para negociações não faltará como agora tanto falta para integrar os esfarrapados «homens armados da Renamo». E ficaremos conhecidos porque o nosso nome estará nas primeiras páginas dos Jornais Mundiais a fazer notar que há mais um espaço para vender armas e ensaiar a tão almejada caridade. Não andará, pois, muito longe da verdade, que o dilema posto neste momento pelo Dhlakama ao Presidente Nyusi seja o seguinte: ou concertamos a paz, e feita ela, encarrego-me de meter o urso na jaula, ou, se a guerra for por diante, preparemo-nos para o último combate e o vencedor do futuro ocupará, gloriosamente, a Ponta Vermelha. Neste caso, a vitória de uma das partes sobre a outra, fará dos vencedores e dos próprios neutros outros tantos vencidos. Mas enquanto isso não acontece vou aproveitando pedir ao Altíssimo uma bênção pascal, para amolecer os corações dos que têm o poder de inspirar-me o medo e a confiança. Alleluya