Mario Soares e Joaquım Chissano: as correspondencias (1)
Quando Samora morreu, as relações entre Moçambique e Portugal estavam atravessando momentos azedos, com acusações mútuas. Maputo mantinha cativos alguns portugueses, e Lisboa deixava a Renamo movimentar-se livremente. Mário Soares e Joaquim Chissano recriaram um novo clima de amizade. A condição de Maputo seria, naturalmente, o cerco aos então bandidos Armados, como revela a carta de Chissano, que anexo.
1. Carta de Mário Soares a Joaquim Chissano
Lisboa, 19 de Dezembro de 1986
É esta a primeira carta que dirijo a Vossa Excelência depois da sua eleição para a Presidência da Republica Popular de Moçambique. Gostaria de começar por lhe enviar os melhores votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo e de reafirmar a minha firme vontade de ajudar ao reforço e consolidação dos laços de amizade fraterna que unem os nossos dois povos.
Estive recentemente em visita oficial em São Tomé e Príncipe e em Cabo verde e tive então oportunidade de, nas minhas declarações públicas, reafirmar o apoio que Portugal está disposto a dar a Moçambique e a si pessoalmente, Senhor Presidente.
Reafirmo-lhe a nossa inteira disponibilidade para quaisquer diligências que Moçambique eventualmente entenda conveniente realizarmos junto dos Estados Unidos da América ou mesmo da Africa do Sul no sentido de se criar um clima de paz e estabilidade na região.
Aproveito esta ocasião para lhe falar de um assunto que por várias vezes tive oportunidade de abordar com o Presidente Samora Machel e que diz respeito à situação dos cidadãos portugueses presos na Republica Popular de Moçambique.
Espero que compreenda que não é de maneira nenhuma minha intenção intrometer-me nos assuntos internos de um Estado soberano, nem tao pouco imiscuir-me numa área que é da exclusiva competência da Justiça da Republica Popular de Moçambique.
Quero tao somente manifestar-lhe a minha maior preocupação pelas notícias que me chegam sobre a situação e as condições em que se encontram os portugueses presos em cadeias moçambicanas, cujos direitos de defesa não estariam a ser devidamente salvaguardados. Falo-lhe, concretamente, dos que se encontram detidos sem culpa formada, dos que aguardam julgamento há já algum tempo e do direito de visita e assistência dos representantes diplomáticos e consulares portugueses que não estaria a ser garantido.
Trata-se, com efeito, de acontecimentos que têm tido na opinião pública portuguesa repercussões bastante negativas e que podem, de alguma forma, vir a ensombrar excelentes relações entre os nossos dois Estados.
Neste início do seu mandato, Senhor presidente, um gesto de Vossa Excelência no sentido de eliminar quaisquer situações daquela natureza, teria certamente o grato reconhecimento e apreço do povo português.
Penso, aliás, e salvo melhor opinião, que a solução ideal para aqueles casos em que cidadãos portugueses fossem culpados – com culpa reconhecida judicialmente – de actos puníveis com prisão ou pena mais grave pela lei moçambicana, seria a sua expulsão do território moçambicano, a menos que, evidentemente, preferissem cumprir a pena na Republica Popular de Moçambique. Eliminar-se-ia, assim, uma causa constante de fricções inúteis entre nós, o que me parece estar na linha que ambos os países procuram seguir de um entendimento fraterno e sem sombras.
2. Carta de Joaquim Chissano a Mario Soares
Maputo, 8 de julho de 1987
Caro Senhor Presidente Mário Soares
Permita-me, antes de mais, apresentar-lhe os meus mais calorosos cumprimentos.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Republica de Cabo verde, da Guiné-Bissau, da Republica Popular de Moçambique, da Republica Democrática de São Tomé e Príncipe e das Relações Exteriores da Republica Popular de Angola, deslocaram-se a Portugal em missão oficial dos Cinco países africanos de língua oficial portuguesa. A decisão da sua visita a Portugal foi tomada na Sétima Conferência Cimeira dos Chefes de Estado de Angola, Cabo verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, realizada em Maputo, de 21 a 22 de Maio de 1987.
Nesta oportunidade gostaria de reafirmar a Vossa Excelência a vontade comum dos “Cinco” de desenvolver e aprofundar com Portugal relações bilaterais de amizade e de cooperação.
Este sentimento outrora manifestado, por diversas vezes, quer individualmente quer em conjunto, pelos “Cinco” países, tem conhecido na pratica dificuldades de concretização, devido à cumplicidade e conveniência de certos círculos, em Portugal, com os bandidos armados que actuam contra Angola e Moçambique.
Estes bandidos armados, como é do conhecimento de Vossa Excelência, semeiam a morte e a destruição em Angola e Moçambique prosseguindo a politica de Pretoria de promover uma guerra generalizada na Africa Austral. Esta actividade ganha eco em Portugal através do acolhimento e difusão de propaganda nociva a Angola e Moçambique e, em detrimento do Estado português.
Os cinco países africanos de língua oficial portuguesa estão convencidos de que Portugal pode jogar um papel importante na solução do conflito na Africa Austral quer proibindo as actividades hostis a Angola e Moçambique que têm lugar a partir do seu território quer através do esclarecimento e sensibilização dos demais países europeus sobre a realidade na Africa Austral.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros/Relações Exteriores estão por nós devidamente mandatados e instruídos para informar as autoridades portuguesas e, em particular Vossa Excelência, das preocupações dos “CINCO”.
Ao terminar, gostaria de exprimir-vos em nome do Governo moçambicano a inteira disponibilidade da Republica Popular de Moçambique e ainda de Angola, cabo Verde, Guine Bissau e São Tomé e Príncipe de desenvolver com Portugal relações bilaterais amistosas, cordiais e de cooperação multifacetada.
Estou certo de que sobre estas os Cinco Ministros terão oportunidade de trocar opiniões com as autoridades portuguesas e particularmente com Sua Excelência o Primeiro-ministro.
Queira, Excelência, aceitar os protestos da minha mais Alta Consideração.
E os meus melhores votos
Joaquim Alberto Chissano
Presidente da Republica Popular de Moçambique
Quando Samora morreu, as relações entre Moçambique e Portugal estavam atravessando momentos azedos, com acusações mútuas. Maputo mantinha cativos alguns portugueses, e Lisboa deixava a Renamo movimentar-se livremente. Mário Soares e Joaquim Chissano recriaram um novo clima de amizade. A condição de Maputo seria, naturalmente, o cerco aos então bandidos Armados, como revela a carta de Chissano, que anexo.
1. Carta de Mário Soares a Joaquim Chissano
Lisboa, 19 de Dezembro de 1986
É esta a primeira carta que dirijo a Vossa Excelência depois da sua eleição para a Presidência da Republica Popular de Moçambique. Gostaria de começar por lhe enviar os melhores votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo e de reafirmar a minha firme vontade de ajudar ao reforço e consolidação dos laços de amizade fraterna que unem os nossos dois povos.
Estive recentemente em visita oficial em São Tomé e Príncipe e em Cabo verde e tive então oportunidade de, nas minhas declarações públicas, reafirmar o apoio que Portugal está disposto a dar a Moçambique e a si pessoalmente, Senhor Presidente.
Reafirmo-lhe a nossa inteira disponibilidade para quaisquer diligências que Moçambique eventualmente entenda conveniente realizarmos junto dos Estados Unidos da América ou mesmo da Africa do Sul no sentido de se criar um clima de paz e estabilidade na região.
Aproveito esta ocasião para lhe falar de um assunto que por várias vezes tive oportunidade de abordar com o Presidente Samora Machel e que diz respeito à situação dos cidadãos portugueses presos na Republica Popular de Moçambique.
Espero que compreenda que não é de maneira nenhuma minha intenção intrometer-me nos assuntos internos de um Estado soberano, nem tao pouco imiscuir-me numa área que é da exclusiva competência da Justiça da Republica Popular de Moçambique.
Quero tao somente manifestar-lhe a minha maior preocupação pelas notícias que me chegam sobre a situação e as condições em que se encontram os portugueses presos em cadeias moçambicanas, cujos direitos de defesa não estariam a ser devidamente salvaguardados. Falo-lhe, concretamente, dos que se encontram detidos sem culpa formada, dos que aguardam julgamento há já algum tempo e do direito de visita e assistência dos representantes diplomáticos e consulares portugueses que não estaria a ser garantido.
Trata-se, com efeito, de acontecimentos que têm tido na opinião pública portuguesa repercussões bastante negativas e que podem, de alguma forma, vir a ensombrar excelentes relações entre os nossos dois Estados.
Neste início do seu mandato, Senhor presidente, um gesto de Vossa Excelência no sentido de eliminar quaisquer situações daquela natureza, teria certamente o grato reconhecimento e apreço do povo português.
Penso, aliás, e salvo melhor opinião, que a solução ideal para aqueles casos em que cidadãos portugueses fossem culpados – com culpa reconhecida judicialmente – de actos puníveis com prisão ou pena mais grave pela lei moçambicana, seria a sua expulsão do território moçambicano, a menos que, evidentemente, preferissem cumprir a pena na Republica Popular de Moçambique. Eliminar-se-ia, assim, uma causa constante de fricções inúteis entre nós, o que me parece estar na linha que ambos os países procuram seguir de um entendimento fraterno e sem sombras.
2. Carta de Joaquim Chissano a Mario Soares
Maputo, 8 de julho de 1987
Caro Senhor Presidente Mário Soares
Permita-me, antes de mais, apresentar-lhe os meus mais calorosos cumprimentos.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Republica de Cabo verde, da Guiné-Bissau, da Republica Popular de Moçambique, da Republica Democrática de São Tomé e Príncipe e das Relações Exteriores da Republica Popular de Angola, deslocaram-se a Portugal em missão oficial dos Cinco países africanos de língua oficial portuguesa. A decisão da sua visita a Portugal foi tomada na Sétima Conferência Cimeira dos Chefes de Estado de Angola, Cabo verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, realizada em Maputo, de 21 a 22 de Maio de 1987.
Nesta oportunidade gostaria de reafirmar a Vossa Excelência a vontade comum dos “Cinco” de desenvolver e aprofundar com Portugal relações bilaterais de amizade e de cooperação.
Este sentimento outrora manifestado, por diversas vezes, quer individualmente quer em conjunto, pelos “Cinco” países, tem conhecido na pratica dificuldades de concretização, devido à cumplicidade e conveniência de certos círculos, em Portugal, com os bandidos armados que actuam contra Angola e Moçambique.
Estes bandidos armados, como é do conhecimento de Vossa Excelência, semeiam a morte e a destruição em Angola e Moçambique prosseguindo a politica de Pretoria de promover uma guerra generalizada na Africa Austral. Esta actividade ganha eco em Portugal através do acolhimento e difusão de propaganda nociva a Angola e Moçambique e, em detrimento do Estado português.
Os cinco países africanos de língua oficial portuguesa estão convencidos de que Portugal pode jogar um papel importante na solução do conflito na Africa Austral quer proibindo as actividades hostis a Angola e Moçambique que têm lugar a partir do seu território quer através do esclarecimento e sensibilização dos demais países europeus sobre a realidade na Africa Austral.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros/Relações Exteriores estão por nós devidamente mandatados e instruídos para informar as autoridades portuguesas e, em particular Vossa Excelência, das preocupações dos “CINCO”.
Ao terminar, gostaria de exprimir-vos em nome do Governo moçambicano a inteira disponibilidade da Republica Popular de Moçambique e ainda de Angola, cabo Verde, Guine Bissau e São Tomé e Príncipe de desenvolver com Portugal relações bilaterais amistosas, cordiais e de cooperação multifacetada.
Estou certo de que sobre estas os Cinco Ministros terão oportunidade de trocar opiniões com as autoridades portuguesas e particularmente com Sua Excelência o Primeiro-ministro.
Queira, Excelência, aceitar os protestos da minha mais Alta Consideração.
E os meus melhores votos
Joaquim Alberto Chissano
Presidente da Republica Popular de Moçambique