Assinalaram os últimos dias de Abril e os primeiros dias deste mês de Maio factos pertinentes à nossa política interna e de grande relevo na vida da nação. Um deles possui até transcendência que pode considerar-se sem precedente. Referimo-nos a aprovação, pela Assembleia da República, das regalias aos EX-isto e aos EX-aquilo, à aparição de Afonso Dhlakama e à Reunião dos quadros da Frelimo na Matola na qual, Filipe Nyusi, disse algo, e é a esta citação, sobretudo, que atribuímos projecção excepcional nesta nossa alocução. «A vitória será nossa porque a nossa causa é justa», disse Nyusi tendo reconhecido que «a marcha é longa mas temos fé e esperança que se levarmos a mensagem da verdade, justiça e continuidade da mudança lograremos sucessos». Uma parte da sociedade civil está indignada com o comportamento dos deputados que aprovaram leis em benefício próprio, sabido que estes mesmos, quando foi a vez dos médicos e do respectivo estatuto, hesitaram. E, dessa vez, a causa da Sociedade Civil vai ao encontro das palavras de Nyusi, na medida em que «é justa» mas é difícil saber se esta logrará vitória conseguindo travar uma lei que considera injusta. A marcha da manhã de 16 de Maio de 2014 na capital, por mais que se queira desvalorizá-la, é um exemplo eloquente de uma indignação justa.
Quando aumentam as pressões externas e internas no sentido de manter-nos submissos a interesses anti-nacionais e anti-populares, se faz mais do que nunca necessário o debate das grandes questões indispensáveis à conquista pelo povo moçambicano de mais oportunidades de trabalho e educação, de saúde e de emprego, de justiça social e do poder democrático. É visível e revoltante o contraste terrível da sempre crescente carestia de vida e a melhoria de vida de pessoas que ocupam determinados espaços de visibilidade pública. Enquanto estes últimos viajam de four by four, com quatro lugares vazios e debaixo do AC, os primeiros viajam no «my love», com risco de chegarem sujos no serviço. Avisos neste sentido podiam ler-se na marcha. Não é concebível que numa altura em que vários sectores profissionais clamam por melhorias salariais para que consigam comprar vários géneros de primeira necessidade um grupo de deputados crie lei em benefício próprio, com consequências gravosas a curto prazo para todo o povo.
Entretanto, parte considerável da população moçambicana leva uma vida seca e desumana, condenada ao sofrimento que, em última instância, a leva à doença e à morte precoce, enquanto os porta-vozes do seu sofrimento gozam tranquilamente o conforto da estrutura de cumplicidade parlamentar. Não me furto de citar uma frase da marcha: «Inimigos na Gorongosa, parceiros estratégicos do roubo ao povo no Parlamento». Nas periferias das nossas cidades, a vergonhosa realidade de cabanas, onde a miséria fabrica a cada instante sofrimento e delinquência, onde o mosquito fabrica as mortes, contrastando com o esplendor babilónico dos bairros elegantes para onde os endinheirados arquitectam truques de sufocação popular, onde o vazio intelectual, a amoralidade irresponsável e o excesso de riqueza criam a figura anti-social do político opressor, convida-nos a travar uma luta incessante contra as leis injustas que lesarão o Estado por longos anos. A marcha é longa mas se também tivermos fé e esperança, se levarmos a mensagem da verdade, justiça e continuidade da mudança lograremos sucessos, e a lei voltará ao Parlamento para ser revista.
Tornou-se insuportável a irresponsabilidade, o (im)patriotismo e a (in)autenticidade dos defensores do povo que chega a causar asco e contribui para desorientar extensas camadas populares, afastando-as dos ideais que nortearam a fundação de seus partidos políticos. Na realidade, esta lei não representa verdadeiramente os interesses do povo, cuja metade vê-se ainda impedida de comer duas refeições ao dia, não porque a terra que cultiva é infértil mas por uma injustiça planeada estar a pesar-lhe os bolsos, embora assista a comícios, ouça rádio, tenha opinião, produza bens e suporte as benesses dos erros cometidos também em seu nome, como parte do povo que é.
O rápido desenvolvimento industrial verificado na última década, como se processou, por si só não pode resolver vários problemas básicos do povo, muitos dos quais, ao contrário, viram-se agravados. Muitas famílias defrontam-se, assim, com uma grave situação de crise permanente, da qual só poderão sair através da reformulação de vários aspectos da estrutura legislativa, com destaque para leis que beneficiem mais o empresariado nacional. Não há no seio do povo quem honestamente não deseje e necessite de uma urgente modificação nesse quadro doloroso dentro do qual se desenrola a angustiante vida nacional de nossos dias. Mas, infelizmente, dentro do país nem tudo é povo. O povo é, sem dúvida, a maioria, o elemento dinâmico e sempre novo que luta porque precisa libertar-se dos enganos. E justa é a sua causa.
Que os moçambicanos saibam; em todos os países africanos há uma minoria constituída pelos grupos nacionais ligados aos sectores com características semi-feudais e semi-coloniais que ainda persistem, pelos grupos estrangeiros interessados em nosso estágio de atraso e seus testas de ferro e advogados nativos, que mobilizam todos os recursos publicitários no sentido de arregimentar forças e dividir o povo, procurando anestesiar suas camadas menos esclarecidas com falsos argumentos políticos e até religiosos e morais, de modo a afasta-las da luta pelos seus interesses, lutas essas que, eles sabem, terminarão por modificar o actual estado de coisas. Sentem estes deputados que já não controlam inteiramente a garantia de sua continuidade e que, consequentemente, o próprio poder político começa a fugir-lhes das mãos, conquistado aos poucos por novas pessoas mais afinadas com os interesses nacionais, por isso desesperam e chegam a colocar regalias por antecipação, na esperança de impedir o despertar da consciência popular e a marcha do povo unido para redistribuição dos sacrifícios e da riqueza. Existem, pelo país adentro, muitos ex-administradores, ex-chefes de postos administrativos e até ex-régulos, alguns dos quais fizeram trabalho excelente e digno de registo, mas hoje são esquecidos. Este país não veio do nada e a todos pertence.
Por tudo isso, vive o país um dos momentos mais importantes de sua história. Somos um próspero país, com um imenso e rico território e uma numerosa e laboriosa população, cujo crescimento vertiginoso nos coloca diante de uma imperiosa necessidade de um esboço de leis que impeçam o prejuízo ao Estado e promovam desenvolvimento harmónico e planificado que integre no processo de industrialização as áreas mais atrasadas e possibilite ao povo uma participação mais directa na vida democrática, assegurando internamente as bases políticas e económicas para a nossa projecção nacional e internacional. Isto requer dinheiro que deve ser poupado. Lembremos que temos 250 deputados que gastam um salário que caberia para 5750 trabalhadores baixos do Ministério da Agricultura. Disse!