O argumento de
existência de uma motivação comercial assenta na ideia, geralmente aceite, e
que pode ainda defender-se, de que os países subdesenvolvidos representam
simultaneamente fonte insubstituível de mercadorias e de matérias-primas
essenciais e um mercado indispensável para uma parte das exportações das nações
industriais.
De acordo com este prisma, para manter e desenvolver o
sistema de trocas internacionais é indispensável assegurar a interdependência
entre os países ricos e aqueles cujos rendimentos são fracos. Porém, os críticos
reconhecem que o comércio mais rentável faz-se cada vez mais entre ricos e
incide sobre artigos manufacturados[1].
A variante
comercial da ajuda externa considera que nos países pobres se encontram certas
mercadorias e matérias-primas em condições mais vantajosas, do que as
oferecidas pelas fontes concorrentes dos países ricos, e que os seus mercados
até podem oferecer possibilidades consideráveis.
A argumentação
estratégica da ajuda externa compõe-se de vários elementos ligados entre si
partindo do mais simples ao mais complexo. Na sua forma mais simples, diz que
num mundo onde reina a concorrência entre as grandes potencias, a hostilidade
de um estado subdesenvolvido pode leva-lo a conceder privilégios militares a um
estado ou grupo de estados ricos, em detrimento dos outros. Inversamente, a
cooperação estreita com um país pobre pois pode ser causa de concessão de
facilidades portuárias, de bases aéreas, terrestres ou electrónicas, e/ou, em
caso de guerra, levar à oferta de um apoio estratégico ou mesmo a uma aliança
para ajudar o esforço dos países amigos ricos. Há projecções ideológicas para
este argumento. Os regimes que se identificam com as projecções ideológicas de
um país rico tem mais possibilidades de ouvir as suas advertências, de se
regularem pelas suas atitudes políticas ou de aprovarem, ou favorecerem, os
seus actos que implicam pressão psicológica ou física. Finalmente, os estados
pobres ideologicamente de acordo são mais susceptíveis do que os outros em
concederem aos investidores privados das potências ricas um tratamento de
preferência, e assim de combinarem os elementos que os mantêm na esfera de influência
das grandes potências em causa[2].
A ajuda externa
visa também responder ao desafio da continuidade, à violência e à ameaça
perante a ordem internacional. O progresso económico, segundo seus apologistas,
produz regimes maduros e estáveis e contribui assim para uma política
indispensável de garantias contra o progresso do caos e a desintegração das
relações internacionais ordenadas. Isto começa a estar ameaçado por
acontecimentos ocorridos em diversas regiões subdesenvolvidas do mundo. Há
guerras locais que ameaçam criar complicações internacionais, com um
crescimento no andamento e na intensidade de violência que traz consigo actos
como as sabotagens de instalações essenciais, os raptos, actividades perante as
quais a estrutura complexa de países desenvolvidos é particularmente
vulnerável.
A estratégica está, igualmente, para responder a possibilidade
de os países pobres se equiparem com armas relativamente baratas mas altamente
eficazes, biológicas, bacteriológicas, químicas e de destruição em massa e
mesmo nucleares, até serem necessariamente governados por homens razoáveis[3]. Mas os críticos
consideram que todos estes argumentos não são suficientemente capazes de
legitimar a ajuda externa. Eles notam que o auxilio externo raramente provoca a
gratidão e pode até originar o efeito contrário, como ficou patente nas
relações União Soviética-Indonésia, França-Argélia ou Estados Unidos-Paquistão[4].
Quantos às
afinidades ideológicas, elas só podem ser duradoiras se se apoiarem numa
concordância espontânea e eficaz de opções, porque a imposição de preferências
ideológicas engendra, inevitavelmente, uma oposição interna, capaz de
enfraquecer a colaboração, fazendo-a descer até abaixo do nível que teria
alcançado sem interferências. Em todo o caso, todos os que apoiam fazem-no na
suposição de que o auxilio económico produza resultados imediatos, e consequentemente,
um compromisso proporcionalemtne rápido.
Resultados da
experiencia mostram que na maior parte dos casos, o desenvolvimento é tão lento
que o seu resultado ideológico e para os doadores, apesar de trazer proveitos a
curto prazo, a duração do entendimento fica ameaçada sempre que ultrapassa o
interesse evidente do pais receptor. Como notou MENDE (1974) «não se pode
pôr-se completamente de parte a possibilidade de um país subdesenvolvido
empregar armas modernas e altamente eficazes contra uma potencia industrial,
mas por causa das represárias destrutivas que inevitavelmente provocaria é
difícil imaginar que indivíduos raciocinando logicamente pudessem tomar
semelhantes decisões.
Se assim fosse,
era igualmente improvável que uma simples ajuda económica, ou outras vantagens
materiais, desviassem esses indivíduos dos seus actos absurdos. No entanto, não
pode excluir-se a possibilidade de qualquer das potências militares da zona
norte considerar vantajoso para se levar um pequeno país ao suicídio, para
servir o seu plano de causar embaraços às outras grandes potências[5].
Segundo os
apologistas desta corrente de pensamento sobre ajuda externa, as clivagens
rico-pobre podem fazer com que os desenvolvidos enfrentem um dia a cólera dos
pobres à escala internacional e não já a nacional. Perante isso, existe uma
indignação moral legítima perante a situação existente nos países pobres, e que
retira, ou até mesmo substitui a serie vulnerável de argumentos económicos,
políticos e militares duvidosos, evocados habitualmente em nome da cooperação,
mais avançados entre os mundos rico e pobre.
Segundo o argumento moral da ajuda externa, existem
nos países abastados milhões de indivíduos cuja imaginação vai até ao ponto de conceber
a decadência dos sofrimentos daqueles que vivem nos países longínquos. Estes
indivíduos acham-se sensíveis a uma obrigação moral com sentimento de culpa
devido, em parte, a responsabilidade colectiva do passado colonial e a
consciência parcial que tem de beneficiarem de uma ordem internacional que
tende a prolongar ou mesmo a reforçar a exploração[6].
Por detrás
desta obrigação moral, existe um receio secreto de que o aumento dos pobres
possa conduzir a que os abastados sejam uma minoria impotente. Devido a este
facto, o sentimento de solidariedade aumenta visando atenuar as consequências
que possam advir do isolamento psicológico dos ricos para com os problemas dos
pobres. Por isso, o argumento moral da ajuda externa, revelou-se mais eficaz
para mobilizar a opinião pública em favor do auxílio[7].
Tornou-se evidente, no meio da massa abastada, que os
governos que prestam auxilio económico, usam meias verdades para atingir os
fins o que faz com que as maiorias privadas de acesso material estejam cada vez
mais conscientes das suas privações. A tomada de consciência dos pobres resulta
na rejeição consciente da ideologia assim como dos valores do mundo
materialmente avançado, pondo em causa qualquer código universal de valores
humanos[8].
A minoria
próspera tem de fazer frente ao principal perigo que é o reflexo defensivo dos
pobres que procuram atingir e igualar os níveis de vida que em determinado
momento histórico são privilégio da minoria. A ajuda externa moralmente cedida
seria um caminho andado para atenuar os conflitos entre uma minoria imensamente
forte e materialmente bem avançada com uma multidão miserável, vulnerável e cada
vez mais impaciente.
[1] Ibdem
[2] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:19
[3] Idem, op. cit., p. 20
[4] WOLF, Martin, Why This Hatred of the Market? Financial
Times, May, 1999:87
[5] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:20
[6] WOLF, Martin, Why
This Hatred of the Market? Financial Times, May, 1999.
[7] LECHNER, Frank J.,
BOLI, John. The Globalization, Reader, Blackwell Publishers, Oxford,
1999:98
[8] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:24