domingo, 19 de maio de 2013

Teorias da ajuda externa




O argumento de existência de uma motivação comercial assenta na ideia, geralmente aceite, e que pode ainda defender-se, de que os países subdesenvolvidos representam simultaneamente fonte insubstituível de mercadorias e de matérias-primas essenciais e um mercado indispensável para uma parte das exportações das nações industriais.

De acordo com este prisma, para manter e desenvolver o sistema de trocas internacionais é indispensável assegurar a interdependência entre os países ricos e aqueles cujos rendimentos são fracos. Porém, os críticos reconhecem que o comércio mais rentável faz-se cada vez mais entre ricos e incide sobre artigos manufacturados[1].

A variante comercial da ajuda externa considera que nos países pobres se encontram certas mercadorias e matérias-primas em condições mais vantajosas, do que as oferecidas pelas fontes concorrentes dos países ricos, e que os seus mercados até podem oferecer possibilidades consideráveis.

 


A argumentação estratégica da ajuda externa compõe-se de vários elementos ligados entre si partindo do mais simples ao mais complexo. Na sua forma mais simples, diz que num mundo onde reina a concorrência entre as grandes potencias, a hostilidade de um estado subdesenvolvido pode leva-lo a conceder privilégios militares a um estado ou grupo de estados ricos, em detrimento dos outros. Inversamente, a cooperação estreita com um país pobre pois pode ser causa de concessão de facilidades portuárias, de bases aéreas, terrestres ou electrónicas, e/ou, em caso de guerra, levar à oferta de um apoio estratégico ou mesmo a uma aliança para ajudar o esforço dos países amigos ricos. Há projecções ideológicas para este argumento. Os regimes que se identificam com as projecções ideológicas de um país rico tem mais possibilidades de ouvir as suas advertências, de se regularem pelas suas atitudes políticas ou de aprovarem, ou favorecerem, os seus actos que implicam pressão psicológica ou física. Finalmente, os estados pobres ideologicamente de acordo são mais susceptíveis do que os outros em concederem aos investidores privados das potências ricas um tratamento de preferência, e assim de combinarem os elementos que os mantêm na esfera de influência das grandes potências em causa[2].

A ajuda externa visa também responder ao desafio da continuidade, à violência e à ameaça perante a ordem internacional. O progresso económico, segundo seus apologistas, produz regimes maduros e estáveis e contribui assim para uma política indispensável de garantias contra o progresso do caos e a desintegração das relações internacionais ordenadas. Isto começa a estar ameaçado por acontecimentos ocorridos em diversas regiões subdesenvolvidas do mundo. Há guerras locais que ameaçam criar complicações internacionais, com um crescimento no andamento e na intensidade de violência que traz consigo actos como as sabotagens de instalações essenciais, os raptos, actividades perante as quais a estrutura complexa de países desenvolvidos é particularmente vulnerável.

A estratégica está, igualmente, para responder a possibilidade de os países pobres se equiparem com armas relativamente baratas mas altamente eficazes, biológicas, bacteriológicas, químicas e de destruição em massa e mesmo nucleares, até serem necessariamente governados por homens razoáveis[3]. Mas os críticos consideram que todos estes argumentos não são suficientemente capazes de legitimar a ajuda externa. Eles notam que o auxilio externo raramente provoca a gratidão e pode até originar o efeito contrário, como ficou patente nas relações União Soviética-Indonésia, França-Argélia ou Estados Unidos-Paquistão[4].

Quantos às afinidades ideológicas, elas só podem ser duradoiras se se apoiarem numa concordância espontânea e eficaz de opções, porque a imposição de preferências ideológicas engendra, inevitavelmente, uma oposição interna, capaz de enfraquecer a colaboração, fazendo-a descer até abaixo do nível que teria alcançado sem interferências. Em todo o caso, todos os que apoiam fazem-no na suposição de que o auxilio económico produza resultados imediatos, e consequentemente, um compromisso proporcionalemtne rápido.

Resultados da experiencia mostram que na maior parte dos casos, o desenvolvimento é tão lento que o seu resultado ideológico e para os doadores, apesar de trazer proveitos a curto prazo, a duração do entendimento fica ameaçada sempre que ultrapassa o interesse evidente do pais receptor. Como notou MENDE (1974) «não se pode pôr-se completamente de parte a possibilidade de um país subdesenvolvido empregar armas modernas e altamente eficazes contra uma potencia industrial, mas por causa das represárias destrutivas que inevitavelmente provocaria é difícil imaginar que indivíduos raciocinando logicamente pudessem tomar semelhantes decisões.

Se assim fosse, era igualmente improvável que uma simples ajuda económica, ou outras vantagens materiais, desviassem esses indivíduos dos seus actos absurdos. No entanto, não pode excluir-se a possibilidade de qualquer das potências militares da zona norte considerar vantajoso para se levar um pequeno país ao suicídio, para servir o seu plano de causar embaraços às outras grandes potências[5].

 


Segundo os apologistas desta corrente de pensamento sobre ajuda externa, as clivagens rico-pobre podem fazer com que os desenvolvidos enfrentem um dia a cólera dos pobres à escala internacional e não já a nacional. Perante isso, existe uma indignação moral legítima perante a situação existente nos países pobres, e que retira, ou até mesmo substitui a serie vulnerável de argumentos económicos, políticos e militares duvidosos, evocados habitualmente em nome da cooperação, mais avançados entre os mundos rico e pobre.

Segundo o argumento moral da ajuda externa, existem nos países abastados milhões de indivíduos cuja imaginação vai até ao ponto de conceber a decadência dos sofrimentos daqueles que vivem nos países longínquos. Estes indivíduos acham-se sensíveis a uma obrigação moral com sentimento de culpa devido, em parte, a responsabilidade colectiva do passado colonial e a consciência parcial que tem de beneficiarem de uma ordem internacional que tende a prolongar ou mesmo a reforçar a exploração[6].

Por detrás desta obrigação moral, existe um receio secreto de que o aumento dos pobres possa conduzir a que os abastados sejam uma minoria impotente. Devido a este facto, o sentimento de solidariedade aumenta visando atenuar as consequências que possam advir do isolamento psicológico dos ricos para com os problemas dos pobres. Por isso, o argumento moral da ajuda externa, revelou-se mais eficaz para mobilizar a opinião pública em favor do auxílio[7].

Tornou-se evidente, no meio da massa abastada, que os governos que prestam auxilio económico, usam meias verdades para atingir os fins o que faz com que as maiorias privadas de acesso material estejam cada vez mais conscientes das suas privações. A tomada de consciência dos pobres resulta na rejeição consciente da ideologia assim como dos valores do mundo materialmente avançado, pondo em causa qualquer código universal de valores humanos[8].

A minoria próspera tem de fazer frente ao principal perigo que é o reflexo defensivo dos pobres que procuram atingir e igualar os níveis de vida que em determinado momento histórico são privilégio da minoria. A ajuda externa moralmente cedida seria um caminho andado para atenuar os conflitos entre uma minoria imensamente forte e materialmente bem avançada com uma multidão miserável, vulnerável e cada vez mais impaciente.



[1] Ibdem
[2] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:19
[3] Idem, op. cit., p. 20
[4] WOLF, Martin, Why This Hatred of the Market? Financial Times, May, 1999:87
[5] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:20
[6] WOLF, Martin, Why This Hatred of the Market? Financial Times, May, 1999.
[7] LECHNER, Frank J., BOLI, John. The Globalization, Reader, Blackwell Publishers, Oxford, 1999:98
[8] MENDE, Tibor. op. cit., 1974:24

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