quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Rabo do Diabo e os travões da Solidariedade

Iniciemos com uma pequena história que, na minha terra, se conta aos meninos que tem alguma criatividade em benefício de si e dos seus próximos. Havia um vaga-lume ou pirilampo que gostava de rebolar e todo o mundo admirava a sua pisca-pisca e o seu brilho. Aquilo era muito divertido . Um dia saiu para passear e encontrou-se com uma cobra que começou a persegui-lo. Cansado de ser perseguido parou e disse: antes de me comeres tenho três perguntas, me respondes, depois me comes:

1.       Eu faço parte da tua cadeia alimentar? Não – respondeu a cobra.
2.       Eu te fiz algum mal? Não – disse ela.
3.       Alguém te mandou vir-me fazer mal? Também não, concluiu a cobra.
Admirado o pirilampo retorquiu: e agora porque tu queres acabar comigo? E a serpente respondeu:
_ Porque eu não suporto te ver brilhar.
A moral da história é simples: se você um dia começar a ter um brilho diferente, junto com o brilho vem a serpente, junto com o sucesso vem a inveja, onde Deus coloca as mãos o Diabo coloca o rabo. Quando as coisas estão dando certo sempre há quem torce para darem errado. O importante é sabermos que as pedradas levamos a vida inteira. Como disse o Padre Chrystian Shankar, «o problema não é levar ou não levar pedradas mas o que fazer com as pedradas que recebemos».
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Entremos no cerne do tema. Nas últimas horas temos assistido uma autêntica inundação de esforços tendentes a desqualificar o esforço feito por um grupo de jovens em solidariedade para com os doentes, jovens estes que deixaram os seus afazeres habituais para irem trabalhar no Hospital Central de Maputo. Esta inundação de esforços retrógrados tem sido espalhada por alguma franja de freelancer facebookianos desprovidos de bases práticas sobre o sentido da solidariedade. São pessoas mais dispostas a pertencer ao grupo daqueles que tendo olhos não vêem e tendo ouvidos não ouvem as coisas que estão intimamente ligadas à sua vida e a dos seus amigos. Foi uma combinação de ódio e deplorável ignorância do que realmente acontece dentro de hospitais que os levou a julgar um grupo de homens e de mulheres que deveria ser apresentado como um modelo a esses apóstolos da democracia. A sua indiferença para com os doentes e a sua colagem ao escalar da greve não podiam ser o pior exemplo com que nos têm pontapeado. Vimo-los profetizando a catástrofe na Saúde, num tom alegre porque para eles esta greve deve causar mais danos em troca das exigências. Têm na catástrofe uma moeda de troca e quanto mais doentes sofrerem e morrerem mais felizes ficam, quando na verdade, a greve pune os irmãos, vizinhos e aconchegados do seu melhor amigo da sua longa lista de amizades  do facebook.

Estes nossos irmãos insensíveis, nome com que se pode chamar os que perderam valores nobres ou estão em via de os perder, a quem as circunstâncias largaram a sorte para não ficarem doentes, necessitam de um antídoto contra a sua mentira. Pretendem politizar a acção quando o momento clama a unidade. Pretendem pôr em causa as pessoas de boa vontade, quando o momento requer o envolvimento de todos os estractos sociais. Pretendem destruir a cidadania quando o tempo é  de construção. A melhor maneira de expor estas mentiras é o sucesso. Não é necessário entrarmos num círculo vicioso em relação aos direitos dos doentes. É inútil criar obstáculos falaciosos; de contrário, impedir-se-á o caminho para a vida ou a vida será destruída. Não se pode basear a felicidade na desgraça dos outros. Rectidão e franqueza são os atalhos e o melhor caminho pra se seguir o objectivo claro: ajudar a quem necessita no que podemos ser úteis. Confrontar directamente o problema dos doentes e atacá-lo numa linguagem única: solidariedade, com objectivo de conseguir um adiamento do sofrimento enquanto os envolvidos nas negociações buscam plataformas de entendimento. Ninguém foi substituir a ninguém, ninguém foi ao hospital como forma de negar aos médicos o seu direito à greve. Ninguém nega as deploráveis condições laborais que caracterizam os nossos hospitais.
 
Não se deve recear uma ajuda aos doentes que necessitam do auxílio de todos nós. Não se pode ridicularizar o apoio voluntário dos outros. Senhores, salvar vidas não e apenas uma mera confirmação de algumas linhas escritas em linguagem fantasiosa para merecer os LIKES ou SHARE. Não é apenas a prescrição dos remédios. Muito pelo contrário, é um reeditar do trabalho, da vontade e determinação. É a limpeza do recinto e do quarto hospitalar; é o consolo ao doente em estado terminal, é o controlo do cumprimento da medicação, é a esterilização do material cirúrgico, é o transporte dos doentes de e para a sala da operação, para os raios solares, e mesmo o transporte de algum corpo para a morgue, também faz parte de salvar vidas. É o conversar com os doentes, escutando-lhes as suas proezas enquanto eram saudáveis. É o escutar daqueles últimos segredos da vida quando a morte se torna inevitável. É o desfazer e o fazer a cama, é o lavar os doentes, é o levar comida à boca daqueles doentes renegados ou cujos familiares se encontrem ausentes. Todos estes trabalhos concorrem para o mesmo fim supremo da existência de hospitais e dependendo da vontade, homens sensatos e disponíveis podem fazer.

A solidariedade não é um jogo no qual se apela a solidariedade para defender certos caprichos ou esconder certas verdades. Na sua essência, a solidariedade é um combate terrível contra todos os caprichos e ambições destes enigmáticos defensores de causas perdidas, sempre com pedras nos bolsos e nas mãos prontas para serem lançadas. Talvez os exemplos do que já experimentamos ou retiramos da história recente nos ensinem que a ajuda não pode garantir a segurança permanente daquele que a recebe. Mas nem com isso ela deixa de ser necessária e nenhuma calúnia destrói o que a intenção construiu. Aquando das cheias, vimos nossos irmãos postarem sacos de arroz, garrafas de óleo, calcinhas e outras coisas e em uníssono canalizamos todos os nossos esforços para a construção de uma grande fortaleza da solidariedade, em vez de fabricarmos suposições destrutivas. E naquele tempo, ninguém dos indignados de hoje ousou a criticar senão elogiar o gesto. Admiramos pasmados que hoje, quando a crise é também aguda, o peso e a medida sejam outros! Aos que estão em apuros e no desespero por terem sido apanhados de surpresa pela iniciativa cidadã dos outros fazemos um apelo sincero:
 
Tocai os sinos a chamar os vossos seguidores. Dizei-lhes que estas acusações ridículas, este sacrilégio, estas falácias e este ódio, foram as últimas atitudes negativas da vossa vida e que a ridicularização de boas acções acabou. Dizei-lhes que estamos a encetar um novo começo, uma nova vida, uma nova forma de ver Moçambique não em função das cores políticas. Dizei-lhes que nas próximas ocasiões preferireis manter a boca fechada a expor a perda gradual do humanismo que até antes desta última infâmia vos caracterizara. Quando não estiverdes dispostos a ajudar deixai os que tem vontade a fazê-lo  porque a vontade dos povos é uma parte da vontade de Deus. Tu, mãe sofredora, tu, mulher enviuvada, tu, filho que perdeste um irmão ou um pai, todas as vítimas desta greve, enchei os ares e o espaço de cânticos de esperança no fim breve desta greve, enchei regaços e corações com as aspirações da solidariedade como forma de pressionar os envolvidos nas negociações a devolver a paz às famílias que dependem unicamente do serviço sanitário público. Aos mortos em resultado da mesma greve, paz às suas almas. Construi uma realidade que floresça e viva. Fazei da solidariedade, humanismo e honestidade um código de conduta e progresso. Não deixemos os invejosos de lado pois eles também precisam de uma salvação espiritual de modo a que em cada batida do seu coração e com todo o sentimento sintam-se arrependidos pela infâmia do século. Num futuro breve, quando os sinos da paz repicarem, não haverá mãos livres para tocar os tambores da ociosidade. Mesmo que existissem, seriam travadas.