sábado, 19 de março de 2016

Quando Dhlakama rezou pela Paz em Fátima

Por Eusébio A. P. Gwembe

Lisboa, 9 de Novembro de 1991. As ruas estão repletas de Jornais com títulos curiosos. «Dhlakama foi a Fátima Pedir a Paz»; «Afonso Dhlakama, o Peregrino»; «Dhlakama rezou pela paz em Moçambique», «Dhlakama, o Sobrevivente». Falam de um homem que está no País, vindo da Itália, onde negoceia a paz e para onde vai regressar. Sem as habituais roupagens de militar, afável mas reservado sobe automóvel, a caminho do Santuário da Fátima. Chega sem criar alaridos. Poucos advinham que se encontra ali o líder da guerrilha moçambicana.  Baixinho, vestindo um facto azul escuro e uma gravata às riscas, o homem de quem se guarda curiosidade já está no meio deles. Sobe a escadaria da Basílica do Santuário. São 11 horas,  o «peregrino» ajoelha-se em recolhimento por longos minutos. 39 anos de idade, lidera uma guerrilha conhecida pela sua violência, num dos países mais pobres do mundo. Seus passos testemunham o que sabe fazer, trepar. 
Passa às passadeiras de mármore do lugar dos Valinhos, onde ocorreram as aparições. «Se calhar aqui não vale a pena subir, é escorregadio» diz-lhe o padre Oliveira junto a uma subida. «Podemos subir? Vamos subir», pergunta e responde de um fôlego Dhlakama. Admirado o padre diz «na guerrilha deve estar habituado a andar a pé». Dhlakama limita-se a sorrir, como quase  sempre. Visita os túmulos de Francisco e Jacinta e ouve atentamente dos guias contando-lhe a história oficial das aparições  da Virgem Maria aos três videntes. A sua presença prima-se pela ausência dos aparotosos seguranças que, por exemplo, caracterizam as animadas passagens de Savimbi por Portugal. Desce e estende a mão ao repórter do Público a quem afirma «estou aqui porque sou cristão, sou católico e quero a Paz para Moçambique. Vim aqui rezar pela paz porque confio muito na força de Deus, que é muito forte». Alguns dos Jornais tentam lançar a biografia do guerreiro. «O filho do régulo que fez a instrução primária numa missão católica de São Francisco de Assis e frequentou o Seminário de Boroma, em Tete, baptizado, crismado pela Igreja, ainda se afirma «cem por cento católico». É a descrição do «Público». 
«Estudou em Zobue, onde se manteve por pouco tempo, antes de transferir-se para a escola Industrial da Beira, onde concluiu o quinto ano. Ingressa então no Exército Português, de onde deserta em 1972, com 19 anos, aderindo à Frelimo, mas segundo  o Partido no Poder em Moçambique, a adesão de Dhlakama só aconteceu em 1974». Assim descreve o Jornal.  É hora da Missa. O grupo de Dhlakama senta-se na primeira fila, «bebendo com atenção cada apelo à paz e reconciliação em Moçambique proferido pelo reitor do Santuário, o monsenhor Luciano Guerra. Ao fim da missa, o homem do facto azul afirma que «o papel da Igreja Católica em Moçambique é hoje primordial porque foi a Igreja Católica a exigir que a Frelimo e a Renamo se juntassem». Enquanto fala, à sua frente, os flashes de fotógrafos o assediam. Pouco habituado a essas coisas, prossegue: «Foi da iniciativa da Igreja que as duas forças se juntaram. A Igreja sempre teve um papel muito importante no ensino, por exemplo, e terá um papel muito importante». 
O Padre António Oliveira, amigo pessoal de Jonas Savimbi, escolhido pelo patriarca de Lisboa, por isso, a acompanhar Dhlakama de automóvel desde Lisboa diz aos repórteres: «Ele parece-me um católico convicto. É um homem que não terá praticado muito mas quem tem uma formação católica desde a Infância. Estou surpreso com a sua simplicidade. É um guerrilheiro puro que saiu da mata, ao pé dele Savimbi é uma raposa velha. Dhlakama é mais genuíno e mais sincero que os políticos que conhecemos. Não é um político consumado, mostra quais os seus objectivos, fala sem rodeios, muito claramente, com poucas palavras mas sem floreados. Não terá a cultura e a facilidade de expressão de outros líderes, mas capta pela simplicidade». A hora do almoço, ainda no Santuário, Dhlakama deixa uma dedicatória na qual explica que foi a Fátima pedir a Paz. Estende a sua mão e o seu coração aos irmãos da Frelimo a quem promete «um espírito de esquecer e não retaliar contra os que o combateram». Aproveita visitar no Colégio Pio XII o filho mais velho do malogrado Evo Fernandes. 
Dhlakama é um homem silencioso, quase tímido. A comitiva que o acompanha é extremamente reduzida e as palavras parcas. Enquanto esteve em Portugal não deu uma só entrevista, esquivou-se a todas. É hábito dele!  Quando permaneceu em Portugal, pela primeira vez, no ano de 1982, ninguém deu por ele. O semanário diz que «agora, apesar dos encontros oficiais, continua a parecer um homem estranhamente acanhado; sem o aparato de um chefe africano. Compará-lo com Savimbi é totalmente descabido de sentido. Enquanto o líder da Unita não dá um passo sem um exército de gorilas, Afonso Dhlakama viajou sem guarda própria e com apenas um destacamento de 3 ou 4 elementos da escolta (a paisana) designada por Portugal e que mantinham sempre a largos metros do líder». Despertados pela curiosidade, algumas pessoas dirigem-se a Dhlakama para se apresentarem na qualidade de portugueses que viveram em Moçambique.

Fontes: 
Expresso, Sábado, 9 de Novembro de 1991
O Jornal, Sexta, 8 de Novembro de 1991
O Público, 9 de Novembro de 1991
Semanário, Lisboa, 9 Nov 91