Escrevo a partir de Maringue. Vim, unicamente, testemunhar
os horrores da guerra: casas abandonadas, lares destruídos, mulheres
enviuvadas, filhos órfãos, rostos desesperados e sem perspectivas quanto ao
futuro. Toda uma vida edificada em 21 anos foi destruída em menos de uma semana
e, por aquilo que vejo, os próximos meses, vão continuar a ver o desenrolar do
drama que, desde Abril de 2013, é seguimento da guerra a que se cuidou que a
Paz firmada em Roma tinha posto termo. A persuasão falaz de que não mais se
travaria conflito de magnitude comparável à que havia tido o de 1976/92, fez
que se chamasse a este conflito «guerra pela democracia», e ainda hoje é
corrente vê-lo designar assim. Contudo, pode já verificar-se, à luz das realidades,
que a guerra que pareceu, em 1992, findado, não era a maior de que o país podia
ser teatro, e é possível verificar-se também que, em 1976, o que principiou e não
teve ainda interregno, foi antes a transformação rápida com que se pretendia
sair do colonialismo ao país independente. A convulsão que tem sorvido dezenas
de vidas e devorado já a riqueza como jamais o país vira acumuladas, dura há nove
meses.
Se não houver travões contra a animosidade que move os falcões
de guerra, muito mais vasta e profunda terá, sem dúvida, de ser aquela a que
assistimos, e os nove meses já volvidos após ela haver encetado a sua marcha
arrasadora de princípios, normas e instituições consideradas antes como
assentes para todo o sempre, porventura marcam somente os primeiros passos da
mudança para que o país caminha, através de acontecimentos cuja natureza e
alcance hão de ser de cada vez mais extraordinários e subversivos. A nova
guerra deflagrada em 2013, e cuja razão aparente foi a invasão da sede da
Renamo em Moxungue, é já, nesta hora, a luta de duas forças pela sua hegemonia
no país. As FADM e FIR de um lado e os guerrilheiros da Renamo, por outro,
disputam, com efeito, a missão de a comandar. Mas para lá dos horizontes que
limitam os campos de batalha e dos objectivos das forças que dirigem a guerra,
já despontam, claramente, outros objectivos, sustentados por circunstâncias
porventura mais fortes ainda, porque, sobrepondo-se aos interesses das forças
em luta, representam aspirações espirituais e económicas, irreprimíveis e
indomináveis, dos homens que essas forças aglomeram e aglutinam. Até aqui é
cedo para dar razão a uma das partes, encontrando-se todas elas na fase da
mobilização da opinião pública para que ela esteja do seu lado. E também é cedo
para prever se o desfecho da guerra será pela derrota de uma das partes. Às aspirações
que adquirem consistência crescente na consciência colectiva, e cuja justiça é inegável,
é que pertencerá a última palavra, se não na guerra, com certeza na Paz, para
ela poder ser verdadeira e profícua.
Se a inteligência e a previsão esclarecida dos homens que
não souberam evitar a guerra e a dirigem agora, e, sobretudo, a inteligência e previsão
daqueles que um dia hão de construir os alicerces da Paz não tiverem em suprema
conta que, para além das forças que lutam, existem milhões de moçambicanos que
iniquidades e desequilíbrios económicos e sociais afligem progressivamente, à
guerra de sobrevivência que ora devasta Gorongosa, Maringue, Moxungue e ameaça
Inhambane, sucederá, como flagelo maior ainda a escala nacional. Quando voltarão
os homens capazes de firmar a paz nos tratados e nos espíritos e não somente a
paz para a preparação de novas guerras, paz que dure, ao menos, também 21 anos?
É o que a ninguém, por enquanto, é dado prever ao certo.