Mariano Pordina,
um louco Federalista
O
multipartidarismo trouxe a nu um fenómeno sociológico complexo. A maioria dos
partidos políticos era formada por indivíduos do Norte do Save com
reivindicações até então consideradas tabu. Uma breve leitura permite formular
um juízo (discutível) segundo o qual, no final da guerra existia um sentimento
de que “muitos na Renamo eram das províncias ao Norte do Save; que nos
primeiros anos tinha recrutado mais homens nas áreas de línguas próximas do Shona,
provavelmente porque era mais acessível aos recrutadores rodesianos, que
existiam etnias "desprezadas[1]", que na administração era notória uma exclusão
de grande parte das tribos e etnias. Nas visitas presidenciais e de outros
quadros governamentais estes problemas foram sendo expostos. Por exemplo, o
Jornal Savana, n° 8, 11 de Março de 1994 reportava que “Para defesa da sua
dignidade e cultura. Os senas precisam de ter voz no governo”, tema repetido na
edição 15º de 6 de Maio cujo título era “Em Cabo Delgado. Porque é que não há
administradores macuas?” e edição 21º 10 de Junho com “O regionalismo é da Frelimo
e não do povo”. Temia-se que no pós-conflito todos estes grupos “teriam
histórias de discriminação na promoção educacional e militar[2] bem como na admissão as universidades”.
Contudo,
essas alegações não reflectem uma realidade do tribalismo, mas uma realidade
histórica, com marco em 1898, quando a capital do país foi transferida da Ilha
de Moçambique, visto que os portugueses eram sempre fracos no sul o que
permitiu que os missionários protestantes se estabelecessem lá e construíssem
escolas e outras infraestruturas da civilização. Nestas condições “não era de
admirar que os habitantes do Sul tivessem vantagem em obter posições
burocráticas elevadas após a independência[3]”. Porém, em política,
um projecto de sociedade deve ter em conta as realidades do momento. Querendo
tirar vantagem, em resposta a estes sentimentos, o Partido Federal de
Moçambique-DF reconhecia em seu manifesto a diversidade étnica através de um
princípio federal.
O
Partido Federal de Moçambique foi fundado em Fevereiro de 1990 por dissidentes
da UNAMO e do PPPM[4]. Em 21 de Dezembro de 1991, o PAFEMO anunciou, em Maputo,
a sua intenção de transformar as actuais províncias em estados autónomos[5], incluindo as águas
territoriais. Se fosse eleito, o PAFEMO asseguraria que cada cidadão tivesse
uma casa de tijolos. O presidente do partido, Mariano Janeiro Pordina,
apresentou-se dizendo que se formou em medicina na União Soviética. Disse que
tinha 5.000 membros dentro de Moçambique. A primeira conferência do PAFEMO, em
maio de 1993, terminou com a expulsão de Pordina que em 1995 liderará a Frente
Democrática Unida (FDU), uma das forças que se integrou na Renamo-UE.
O motivo da expulsão deveu-se, entre outros, ao facto de na
véspera da conferência, ter surpreendido o resto da liderança ao declarar que
era comandante de um exército federal moçambicano (EXEFEMO), até então
desconhecido, com 2.000 homens armados. Disse que "A guerra não terminou
em Moçambique, porque sem o federalismo não haverá democracia, e para conseguir
o federalismo devemos lutar. Nossa política precisa de guerra e uma guerra em
larga escala". O federalismo era visto como a solução ideal para uma
melhor redistribuição de recursos (políticos e económicos) e inclusão dos
grupos étnicos excluídos nas instâncias do poder[6].
Depois da Conferência, os seus pares trataram de fazer um
desmentido, considerando “a afirmação de Pordina como uma mentira porque o
PAFEMO era um partido pacífico”. A conferência aboliu o cargo de presidente,
deixando o secretário-geral Manuel Joaquim Panganane como o alto funcionário de
um partido ligeiramente rebatizado como PAFEMO-DF. Entre boatos sobre um
exército inexistente[7], a
esposa de Pordina foi citada dizendo que ela suspeitava que ele estava
mentalmente doente[8].
Numa altura em que havia acusações mútuas sobre a violação do cessar-fogo entre
o Governo e a Renamo, o Mediafax afirmava que Pordina procurou o apoio do ZUM
(Zimbabwe Unity Movement), liderado por Edgar Tekere, tendo suspeitado de que
seus homens estavam envolvidos em ataques perto da fronteira com o Zimbábue[9].
A Jornalista Teresa Lima, escrevia
que “o líder de um dos partidos emergentes, o Partido federal de Moçambique
(PAFEMO), veio a público, a semana passada, em Chimoio, província de Manica,
anunciar que possuía um exército de dois mil homens para lutar pelo federalismo
em Moçambique. Para janeiro Pordina, neste país as coisas só se conseguem pelo
poder das armas. Na sequência destas declarações, Pordina foi suspenso do seu
cargo. Isto não impediu que um numeroso grupo de moradores da cidade de Chimoio
protestassem junto aa sua casa levando a que a polícia o colocasse sob proteção.
Para muitos, o caso “Pordina” é visto como uma “brincadeira de mau gosto” a
precisar de tratamento médico e não policial. Contudo, casos destes são sintomáticos
da saúde política do País. Diante do caso, o Jornal lembrava que o Governo e o
partido no poder continuavam remetidos ao seu permanente silêncio cumprindo a máxima
“os cães ladram e a caravana passa[10]”.
O PAFEMO-DF solicitou o registro, mas foi recusado pelo Ministério
da Justiça no início de setembro, com base em que seus estatutos violavam a
constituição da República, promovendo divisões, constituindo-se no primeiro
partido a ser rejeitado pelo Ministério da Justiça. Depois, mudou seu nome[11]
para Partido Renovador Democrático (PRD)[12],
desta vez com Maneca Daniel para a presidência mas sem muita publicidade. Ficou
mais fraco quando um de seus membros, o ex-polícia Neves Serrano, formou
PPLFCRM
Partido do Progresso Liberal e Federal das Comunidades Religiosas de Moçambique,
formação que a 9 de Agosto de 1993 deixou uma incógnita ao anunciar que o seu
futuro candidato presidencial era “um multimilionário e inteligente”.
[1] MORGAN, Glenda “Violence in Mozambique: Towards an
Understanding of Renamo” Journal of Modern African Studies 28 (4), December
1990:615
[2] FEARON, James and LAITIN, David,
Random Narratives, Mozambique, Stanford University, 2005:10
[3] CHINGONO, Mark F. The State, Violence and Development: The
Political Economy of War in Mozambique, 1975-1992, Aldershot, England:
Ashgate, 1996:49
[4] AAVV. Baobab Notes, News from Mozamhique and Southern Afrira, Emerging
political parties, JBG, October/November 1993:2
[5] HANLON, Joseph, Mozambique Peace
Process Bulletin -- JanuQlY AWEPAA, Amsterdam, 1993:4
[6] CHICHAVA, Sérgio,
Por uma leitura sócio‐histórica da
etnicidade em Moçambique , IESE, Maputo, 2008:10
[7] NUVUNGA, Adriano
and SITOE , Eduardo, Party Institutionalisation
in Mozambique ‘The Party of the state’ vs the Opposition , Journal of
african Election, 2013:123
[8] WATERHOUSE, Rachel,
17 parties registered: Special political
parties supplement - Mozambique Peace Process Bulletin, Amsterdam, August
1994:8
[9] WATERHOUSE, Rachel and LAURICIANO,
Gil, Mozambique Peace Process Bulletin.
AWEPPA, Amsterdam, June 1993:4
[10] Lima, Teresa, Sobe o preço da paz, Noticias Africanas
15, 4 a 10 de Junho de 1993:4
[11] Alberto, D. PAFEMO muda de nome e afasta o presidente, Tempo, 30
de Maio de 1993
[12] BANKS, Arthur S., DAY, Alan J., MÜLLER,
Thomas C., Political Handbook of the
World: 1998, State University of new York, NY, 1998:635