Carta ao meu candidato (3)
Senhor candidato! Ao ver os vícios que a
torrente da campanha misturou indiscriminadamente com as virtudes cívicas,
tremo com medo de parecer manchado aos olhos da posterioridade, se não disser o
que penso. Quero evitar o impulso de viver apenas para o presente, pilhando,
para a minha comodidade e conveniência, os preciosos recursos do amanhã.
Escrevo esta missiva na esperança de que vos encontre de boa saúde, nestes últimos
dias de campanha eleitoral em que homens perversos se insinuaram nas fileiras
dos sinceros defensores da democracia. Atribuem-se a si próprios atributos
sagrados, unicamente reservados para os profetas das escrituras quando a única
coisa que lhes interessa é dividirem o país como um saque em vez de o tornarem
livre e próspero. Sei que vindes a inscrever o vosso nome nas páginas da nossa
História como militante insigne da Frelimo, que cumprirá abnegada e
corajosamente as missões que lhe forem confiadas, juntando-se ao grupo de
homens e de mulheres cuja história de vida será ensinada nas nossas escolas.
Peço-vos, porém, que façais o possível para
que os moçambicanos de todas as fés e ideologias possam ver satisfeitas as suas
grandes necessidades humanas: comida, educacão e saúde; para que todos aqueles
a quem a oportunidade é hoje negada possam vir a desfrutá-la integralmente; para
que todos os que têm vida fácil compreendam também as suas pesadas
responsabilidades para com os que vivem as privações da vida. A união, com
honra e confiança mútuas, é um imperativo contínuo e juntos, temos de aprender
a harmonizar as nossas diferenças. Sendo a vitória a necessidade tão premente e
óbvia, confesso que não posso deixar de apontar alguns assuntos também
prementes e óbvios. Não obstante a roda do destino e o impulso da vossa
determinação avançarem em direcção ao objectivo final – a vitória –, deveis
aumentar o ritmo das mensagens para que já nada a possa parar. A manifestação
do povo não deixa margens para dúvidas que sereis o seu próximo líder. Só as
mentes amolecidas por ilusões televisivas e televisionadas e pela pura
ignorância do que move o povo a tomar uma decisão para sua própria vida podem
pensar de outra maneira.
Senhor candidato, tendes que aumentar as
frentes de combate nas mensagens e mostrar a vossa determinação em combater a
corrupção, o compadrio, o nepotismo sob todas as suas formas e manifestações.
Tendes de incidir no «como» haveis de fazer para solucionar, com brevidade, os
problemas de pensões daqueles que estão à beira da morte, de construir casas
dignas para os funcionários públicos e não só, de criar mais escolas de formação
profissional, de melhorar os serviços sanitários e educacionais. Tocai o
coração do professor que lecciona numa sala de aulas precária, à senhora que não
trabalha e não têm dinheiro para corromper a parteira do hospital, ao rapaz
rural que deseja ir a Universidade mas não tem dinheiro para ir à privada nem
consegue passar pelo exame de admissão para a pública por este ser elaborado
pela gente da cidade. Falai de como as universidades nacionais podem participar
na educação dos moçambicanos e serem elas próprias o factor da Unidade Nacional.
Não vos esqueçais de que tendes expressivo apoio feminino. Por isso, falai das
preocupações femininas, que são tantas. Tocai o coração da mulher enviuvada que
se viu despojada de tudo o que construiu com o esposo em vida; falai das
injustiças a que os pobres são votados nas nossas cadeias onde o ladrão de
galinha apodrece enquanto o assassino recebe clemência pelo bom comportamento.
Se vos
lembrais, senhor candidato, na minha primeira carta falei de dois desafios de
vulto: o desemprego e os sete milhões. Vede como os vossos opositores se
aproveitam deste último legado de Guebuza, porque se aperceberam que o povo
gostou. Tenho constantemente utilizado a expressão que aprendi há uma década e
meia: em Moçambique há que chegue para todos. Há que se criar emprego para
todos os que podem trabalhar segundo as suas qualificações o que requer que se
crie, no mais breve trecho de tempo, centros de desemprego – e porque não fundo
de desemprego. Com eles, poderíamos estar em condições de saber mais sobre os
desempregados do nosso país e direccioná-los, conforme os dados, às empresas
públicas e privadas ou, num caso inverso, as empresas e indivíduos interessados
em contratar alguém dirigir-se-iam a estes centros para a contratação do seu
pessoal. Mas ainda são ideias embrionárias, senhor candidato, para que os
flagelos da pobreza, da doença e da ignorância sejam varridos da face do nosso
país. Vós sois o herdeiro da primeira Revolução da Frelimo para quem foi
passada a tocha nascida no século passado, temperada por duas guerras,
disciplinada por uma paz dura e amarga e orgulhosa da sua antiga herança.
Mostrais que não permitireis a lenta destruição da dignidade humana com a qual
este partido sempre se comprometeu e com os quais vós também vos comprometeis
hoje em todo o país.
Façais saber a cada moçambicano, quer vos
deseje bem ou mal, que pagareis qualquer preço, carregareis qualquer fardo,
enfrentareis qualquer provação, apoiareis qualquer amigo e opor-vos-eis a
qualquer inimigo do progresso para garantir que os moçambicanos vivam com
dignidade, com um emprego garantido, de modo a que tenham casa digna desse nome,
alimentação digna desse nome, vestuário, educação, saúde e transporte de
qualidade e vivam em segurança. Para a materialização disso deveis contar, sem
dúvida, com os órgãos autárquicos para quem deveis, desde já, dirigir a vossa
mensagem de colaboração. Aos partidos da oposição, cujas preocupações
compartilhais, prometei a lealdade e colaboração na competência porque unidos é
muito pouco o que não poderemos fazer no quadro de inúmeros projectos de desenvolvimento;
mas divididos, desavindos e afastados, pouco podemos fazer. Embora não espereis
que apoiem sempre os vossos pontos de vista, deveis esperar vê-los defender resolutamente a sua
própria liberdade e tirar dela as lições necessárias a serem incorporadas no
vosso compromisso.
No quadro dos sete milhões, será urgente rever
os métodos da sua distribuição e traduzir o belo compromisso em actos, numa
nova aliança pelo progresso do distrito, qual pólo de desenvolvimento, auxiliar
os homens e governos distritais a libertarem-se das grilhetas da corrupção. Mas
esta pacífica revolução de esperança não deve excluir vários actores políticos
e sociais locais e nacionais nem pode tornar-se presa de partidos dominantes.
Voltarei a falar da minha proposta na próxima carta, uma proposta concreta,
senhor candidato, para que todos os nossos vizinhos políticos saibam que nos
juntaremos a eles para nos opormos aos factores do atraso, sem contudo que a
Frelimo deixe de ser dona do seu próprio hemisfério. A nossa última e melhor
esperança numa era em os pobres são uma ameaça a estabilidade dos ricos é o
povo. Deveis criar condições que impeçam a que ele se torne um mero campo de
ensaio dos ambiciosos. Comecemos, pois, de novo, recordando-nos de que ter
adversários políticos a nosso lado não sinal de fraqueza. Exploremos os
problemas que nos unem, em vez de repisarmos constantemente os que nos dividem,
formulando, pela primeira vez, propostas sérias e detalhadas de como expulsar a
pobreza do nosso solo.