domingo, 30 de julho de 2017

Joana Simeão, entrevistada pelo Jornalista Francisco Ribeiro Soares, RTP


Jornalista - Dra Joana Simeão é vice presidente do Grupo Unido de Moçambique, conhecido pela sigla  GUMO. É do conhecimento dos telespectadores a complexidade do quadro actual da vida política moçambicana. Temo-la hoje connosco para lhe perguntar precisamente qual o papel do GUMO neste momento da vida política moçambicana.

Joana - Eu não posso dar uma resposta quanto ao papel do GUMO neste momento sem fazer uma história do GUMO. Por que é que o GUMO apareceu? O GUMO apareceu há 18 meses no anterior regime e procurou encontrar  uma solução dentro do sistema que vigorava. Quer dizer, nós olhamos para a cena política, analisamos as contradições do regime e procuramos criar brechas. E essas brechas, seria encontrar aliados naqueles que nos pareceram mais liberais.
Jornalista - Concretamente

Joana - Dr. Rebello de Sousa. Quer dizer, não tenho nenhum pejo em dizer que Dr. Rebello de Sousa foi para nós, foi considerado por nós e ainda hoje pelas pessoas que eu disse, foi um dos elementos mais liberal do antigo sistema. Portanto, aliados no nosso desejo de querer fazer qualquer coisa dentro de Moçambique com vista a ajudar esses elementos a equacionar o problema da paz porque, realmente, os jovens e toda a população seja ela da metrópole como de Moçambique estava farta de guerra, 13 anos de guerra. Nós tivemos que nos apoiar, portanto, nesses elementos. Esse apoio não significa conluio com o regime. Simplesmente uma estratégia.

Jornalista- Esse apoio parte da iniciativa do Dr. Rebello de Sousa, aliás esse contacto, ou parte da vossa iniciativa?

Joana - Não. Quer dizer, nós tínhamos já organizado depois de um ano. Entretanto ele estava nas procurações, passou para Ministro do Ultramar porque nós não tínhamos nem podíamos ter contacto com o ministro Silva Cunha e pareceu-nos que podíamos tentar uma aproximação nesse sentido. Foi feito. E obtivemos dele um apoio cauteloso e discreto.

Jornalista - Que… de limitações havia até ao 25 de Abril na evolução política em Moçambique?

Joana - Primeiro, nós aparecemos apenas como  associação cívica (AC )na metrópole. Nós  queremos ser uma outra AC em Moçambique. Entretanto, nós queríamos ser um grupo de pressão. Não podíamos ser partido político, mas sim grupo de pressão com vista a criar uma corrente política nova, para fazer surgir elementos novos, dinâmicos, dentro da cena política social moçambicana, para criar hipóteses de diálogo. Isto que era possível e é o que vamos fazer.

Jornalista - E para conseguir isto, como uma associação cívica, que exemplos de actividades prosseguiam?

Joana - Primeiro nós tentamos arregimentar pessoas, divulgar o ideário. Naturalmente uma actividade semiclandestina, os ideários do GUMO do Norte a Sul, ver e falar às pessoas e estabelecemos estatutos como exigia nessa altura. Esses estatutos (aliás devo criar aqui parêntesis), esses estatutos foram até elaborados com ajuda do Dr. Almeida Santos. Eu fui ter com Dr. Almeida Santos, que eu sou amiga do Dr. Almeida Santos, devo muito a Dr. Almeida Santos e em Março nessa altura, havia atraso dos nossos colegas da Beira, eu fui ao escritório do Dr. Almeida Santos no prédio Lopes para lhe solicitar um apoio e ele mandou-me os estatutos que eu tenho a cópia.

Jornalista - Portanto a um determinado momento em que o quadro político em todo o território português se modifica. Qual é a vossa primeira reacção?

Joana - É como estão a ver, o GUMO, grupo de pressão com alto grau político mobilizou-se, posto que tínhamos uma estrutura flexível foi possível mobilizarmos e automaticamente nós aparecemos dentro de Moçambique ao lado dos democratas que até agora ainda não sabemos qual é o líder a fazer comícios que foram desde Xipamanine, Inhambane, a  Beira, Nampula até Porto Amélia. Naturalmente que o aparecimento do GUMO mobilizando populações dum momento para outro criou, da parte de indivíduos que não estão de acordo com o GUMO, manifestações e contra manifestações mas eu entendo que a democracia é justamente isso, quer dizer, dar-se a cada um a possibilidade de se exprimir e muitas vezes ela se exprime de maneira violenta.

Jornalista - Chegou-nos a tempos notícias, pelas agências noticiosas, de que pelo menos em Lourenço Marques se não estou em erro tenha havido uma manifestação organizada pelo GUMO que se teria transformado, digamos assim, numa manifestação da Frelimo. Quer nos contar rapidamente o que aconteceu…

Joana - Sim. A manifestação do Xipamanine que nós tivemos com mais de 20 mil pessoas, estavam lá os cameramen de várias agências, teles estrangeiras, naturalmente no meio da população apareceram cartazes pro Frelimo o que nós consideramos absolutamente natural. Frelimo foi até agora o único movimento que dirigiu a Luta nacionalista e portanto é e há seus partidários e eles quiseram, não conhecendo os ideários do GUMO, porque é como digo eles eram espalhados semiclandestinamente, que se quisessem manifestar mas nós consideramos absolutamente natural.

Jornalista - E qual é exactamente a vossa posição em relação a Frelimo?

Joana - Eu quero repetir o que foi e é realmente o lema do GUMO vis a vis Frelimo.  Nós consideramos, portanto, duas faces, posto que o movimento das Forças Armadas quer obter a paz. Nestas negociações só a Frelimo tem o direito de ser o interlocutor válido face à junta e hoje o Governo Provisório. No que respeita a nossa actividade futura para o destino político de Moçambique que é uma outra fase, nós entendemos explicar a Frelimo o porquê do aparecimento do GUMO e como equacionar o futuro político de Moçambique que deve ser elaborado por todos os moçambicanos sem excepção. E é nessa perspectiva e dentro dessa conjuntura que eu fui enviada há três dias precisamente 28 a Paris para tentar encontrar com o delegado da Frelimo que não vinha para o encontro comigo  mas sim para fazer parte aos festejos comemorativo do 25º aniversario do Congresso Mundial da Paz.

Jornalista - Portanto esse contacto que se integra já nessa segunda fase de pensar não propriamente nas tréguas, no eventual cessar-fogo entre a Frelimo e as Forças Armadas Portuguesas, mas já na segunda fase portanto duma estruturação política de Moçambique posterior a um cessar-fogo, se bem entendo. E desse contacto recente em Paris pode saber já alguma coisa?

Joana - Quer dizer, primeiro quero sublinhar o aspecto fraternal do nosso encontro. Isto mostra uma lição àqueles que nos tentam dividir, que o que … moçambicanismo, quer dizer panganir-se com a sua irmã independentemente das divergências que existem, divergências que aliás são conhecidas através das exigências pois nós não temos contactos directos. Eu fui lá para definir a posição do GUMO e para dizer que há problemas concretos que uma independência soleta levanta e que têm que ser resolvidos calmamente numa mesa redonda quadrada ou rectangular e que queremos saber o que a Frelimo pensa sobre muitos problemas. Por exemplo, qual vai ser o sistema económico que vai vigorar em Moçambique, qual é o sistema político que vai vigorar, qual será a posição dos grupos étnicos, não é questão de estar numa tendência tribal mas é preciso não negar as realidades do nosso país, qual será a política estrangeira, como resolver problemas financeiros e económicos, balança de pagamento deficitária, o problema do equipamento industrial, quer dizer nós queremos saber. Temos direito a saber, independentemente de ideologias porque isto o futuro concerne a todos e respeita a todos.
Jornalista - Um destes problemas não será precisamente a hipótese que se se falou há pouco em tribalismo se não estou em erro, a hipótese de num Moçambique eventualmente independente, a curto ou a médio prazo, de haver uma cisão do território em duas ou três ou quatro.
Joana - Não, ninguém. GUMO é contra o tribalismo, não quer balcanizar de Moçambique. Nós  queremos até o respeito das fronteiras políticas que estão a vigorar e que vão continuar a vigorar. Mas, para evitar exactamente, uma situação de luta interna e de caris tribal estilo Biafra teremos precisamente que ter em consideração a composição do governo futuro. Quer dizer, é necessário que as aspirações dos representantes dos grupos étnicos possam ter satisfação dentro da estrutura política do Estado. É preciso prevenir e para prevenir, nós queremos tentar dialogar.

Jornalista - Portanto, em relação a primeira fase em que a Joana Simeão me diz só a Frelimo é realmente interlocutor possível uma vez que só a Frelimo está em Armas contra as Forcas Armadas Portuguesas, na sua opinião pessoal que perspectivas há neste momento do cessar fogo em Moçambique?
Joana - Eu nada posso avançar porque não quero ter audácia de tomar a posição da Frelimo. GUMO está absolutamente ao lado, quer dizer não se pode imiscuir nestas discussões, respeitam os camaradas deles. Não estamos dentro do quadro. Será entre os emissários do governo provisório e os emissários da Frelimo, são eles os responsáveis. Eu creio qualquer afirmação hoje iria prejudicar o clima de concórdia que deve realmente presidir essas negociações.

Jornalista - Portanto, em relação a isso o GUMO vai aguardar?
Joana - Aguardar. Desejar simplesmente que se efective rapidamente possível.

Jornalista - E. por hipótese, se não chegar a uma solução de concordância de que resulte um armistício entre a Frelimo e as autoridades portuguesas, qual será o papel, nesse caso, do Grupo Unido de Moçambique?

Joana - Creio que o Grupo Unido de Moçambique vai tentar conciliar as partes, se deixarem.  Porque nós somos ai elementos secundários, fazer prevalecer, afinal , o desejo de paz que todos querem.

Jornalista - Quando me diz que são elementos secundários, está a pensar na vossa representatividade em termos de número de pessoas?

Joana - Não, não, não. Porque o problema têm vários aspectos, tem esta face, acho que … já foi claro. É preciso obter a paz; nessa fase GUMO não intervém. GUMO poderá dar conselhos de serenidade, de realmente pacifismo. Não pode, não tem direito de intervir. Não está em causa a nossa representatividade. Está em causa a nossa lucidez. Não querer aparecer como oportunistas.  Nessa fase! Agora, na fase da constituição do governo, duma estrutura política definitiva do país, nós pensamos como moçambicanos temos direito a ser consultados.  Como asiáticos nascidos em Moçambique, esse grupo também tem direito como o branco tem direito. Portanto nessa conjuntura é que nós apareceremos com direito de sermos ouvidos.

Jornalista - Precisamente por causa desse direito de todos serem ouvidos, qual é a posição do Grupo Unido de Moçambique em relação ao referendo claramente proposto pelo Presidente da República Portuguesa?

Joana - Há preâmbulos. Quer dizer. Não é a questão de o GUMO participar do Referendo é com a lei que vigora, por exemplo, a lei eleitoral. É preciso que o GUMO seja informado a tempo e hora sobre as condições de elegibilidade. Quem vai participar no GUMO. Segundo é preciso um saneamento da estrutura política e administrativa do Estado. Garantia dum meio de consultação honesta. São condições sine qua non.
Jornalista - Quer me parecer que partindo do princípio de que isso era possível de que realmente  o Grupo Unido de Moçambique chegava a conclusão de que esse referendo era possível nessas condições de isenção de honestidade aceitavam o referendo?

Joana - Sim. Eu penso que uma vez que a paz seria atingida, conseguida, bom entravamos no jogo democrático. Participaríamos na consulta. E la depende, se Frelimo aceita ou não a tal coalizão. Isso só o futuro dirá. Sabe, eu não queria. Temos que avançar realmente com muita cautela.

Jornalista - Uma primeira preocupação geral com certeza é a paz. Essa preocupação pode encontrar, de momento, solução num dialogo entre a Frelimo e as autoridades portuguesas.

Joana - Só pode ser conseguida dessa maneira a paz.

Jornalista - Se essa solução for conseguida, esperamos todos que seja…. (Joana interrompe para dizer--- Desejamos realmente com força),  jornalista continua ----se bem entendo a posição do GUMO é entrar no jogo democrático com vista a um futuro político de Moçambique que será necessariamente uma independência.

Joana - Uma independência, em diálogo com o Governo Português.

Jornalista - Portanto, uma entrada numa federação?

Joana - Não sei. Isso vai ser, quer dizer, vamos por etapas. Quer dizer, principio paz, segundo ver se é ou não possível o tal referendom, consulta popular, terceiro vamos ver o estilo de relações com o que será nessa altura a ex-metrópole. Eu gosto de etapas, para não criar as confusões. Portanto, vamos esperar.

Jornalista - Digamos, que não há uma posição irredutível em relação ao tipo futuro de relação.

Joana - GUMO defende o ponto de vista segundo o qual é preciso estudar o estilo de relações, digamos preferenciais ou privilegiadas da ex-metrópole. Mas claro isto também será o produto  de uma consultação aos moçambicanos

Jornalista - Pois é. Para terminar queria-lhe dar aqui uma boa notícia. Tenho aqui na mão um telegrama de Dar-Es-Saalam que diz: Frente de Libertação de Moçambique iniciará amanhã negociações em Lusaka com o Governo Português. Feito e anunciado em Dar-Es-Saalam por Samora Machel.

Joana - Bravo.


Transcrito por

Eusébio A. P. Gwembe