quarta-feira, 17 de abril de 2013

Ajuda externa: o embrulho venenoso mais atraente

No grau de suspeitas em que nos encontramos levando em conta os dados recentes, torna-se claro que os problemas relacionados com ajuda externa são mais complexos do que se pensava e não podem ser reduzidos a um esquema simplista, cheio de contradições. Recentemente, falou-se de desvio de donativos destinados às vítimas das cheias, em esquemas que indiciam corrupção. Pouco depois, falou-se da rejeição de algumas toneladas de medicamentos de proveniência taiwanesa, destinados às mesmas vítimas. Se por um lado vemos vantagens na ajuda externa, por outro não somos capazes de ver com profundidade as suas desvantagens, sobretudo aquelas relacionadas com a promoção da corrupção no país. É fácil menosprezar e exagerar os seus malefícios, uma vez que a sua extensão e a sua incidência não podem medir-se. Factores sociais, económicos ou históricos reforçam ou enfraquecem a sua acção. Embora a experiência noutros quadrantes pareça sugerir que exista uma relação constante entre a abundância de auxílio estrangeiro e o grau de corrupção nos países beneficiários, aqui, felizmente, ainda não é um facto. Muita da propalada corrupção é produto das ideias e não dos factos. Entre as ideias e os factos a verdade aproxima-se à estes.
Os factos mostram que na última década, o governo, diferentemente do que sucede nos países que nos cercam, tem evitado que o aviltamento da moral pública possa ver vantagens na corrupção; ao mesmo tempo impede que a função pública encontre-se grotescamente dilatada. Tal poderia suceder se se erguesse um aparelho diplomático absurdamente numeroso e luxuoso para encaixar os parentes, os amigos e os clientes políticos em potência, ou para proporcionar um exílio agradável aos rivais. Até aqui, o corpo diplomático moçambicano vive uma «pobreza franciscana». De igual modo, tem sabido evitar recompensar opositores políticos com símbolos da deserção social como automóveis, vivendas, viagens ou missões caras cujas despesas estariam em desproporção com as vantagens colectivas que daí podem advir. É um facto que todos os líderes da oposição vivem em Moçambique, a pisar o mesmo chão, uns em Gorongosa, outros em Quelimane e Beira e outros ainda em Maputo e noutros relevos, mantendo-se distantes do centro de gravitação do poder. Basta que nos recordemos quanta suspeita recaiu sobre Raúl Domingos, Sibindy e Dhlakama, na vez que estes tentaram aproximar-se ao centro!
Voltemos ao auxílio e sua relação com a corrupção. A nossa consciência geral comporta a noção de dois reinos: o da natureza e o do espírito. O reino do espírito compreende tudo o que é produzido pelo homem em ideias ou em actos. Nos países onde a corrupção é endémica o nepotismo e a venalidade vão de mãos dadas. A delapidação dos fundos públicos, conseguidos pela boca e não pelo trabalho, torna-se geral e uma parte importante dos lucros da exportação e das receitas de auxílio é desviada antes de poder ser objecto de uma utilização construtiva. Frequentemente, a rapidez no acesso ao poder é proporcional ao abuso deste em proveito pessoal. A posição de poder dos governantes é explorada sem vergonha em verdadeiras pilhagens cujas consequências são degradantes para os interessados e o fosso entre governantes e governados alarga-se fatalmente. Ora, com a política de unidade nacional, e essencialmente virada para áreas sociais, Saúde, Educação, Infraestruturas, etc., a realidade moçambicana encontra-se bem distante de ver essas características na sua governação, o que reforça a constatação segundo a qual, vivemos mais uma corrupção de espírito. Pela própria natureza da corrupção, as suspeitas não têm praticamente nada para oferecer neste domínio.
O tamanho da boia deve ser proporcional ao corpo que pretende manter a flutuar. Isto pode ser calculado. Na verdade, temos de reinventar a utopia, deixar de viver das suspeitas sempre que vemos alguém sobressaindo-nos em frente, pois a política de auxílio mostrou que tende a perpetuar e mesmo recriar a situação de necessidade de que a corrupção é apenas um de seus condimentos. Um povo que se quer desenvolvido não pode flutuar nas necessidades criadas por outros e muitas vezes de natureza aditiva. Precisamos, de forma independente e livre de pressões, redefinir a utopia criando vias de um desenvolvimento autónomo capaz de tornar o auxílio menos importante e talvez mesmo inútil. Mas é necessário coragem para esticar o perímetro de acção visto que haverá quem fique contente em manter o status quo e, sobretudo, nos manter escravos e pedintes crónicos. E quais as vias para a nossa independência económica?
A primeira é a compreensão de que o desenvolvimento depende de três factores principais. O primeiro, de longe o mais importante é a mobilização dos recursos internos, tanto materiais como humanos. E nisto, a oposição deve ser envolvida, ser vista como parte da solução e não simples ameaça. O segundo, menos decisivo, é representado pelas exportações, a fim de fornecer o grosso das divisas estrangeiras necessárias à compra dos instrumentos indispensáveis da modernização que o país não pode produzir. As facilidades na concessão de benefícios às multinacionais deve ser vista como um perigo porque a exportação dos recursos em estado bruto cria mais emprego fora de Moçambique do que internamente. É preciso que as concessões incluam a atracção de indústrias de processamento.
O terceiro utensílio do desenvolvimento, dispensável, é o próprio auxílio. Precisamos de receber dos doadores e parceiros de cooperação a ajuda necessária para diversos projectos. Mas esta ajuda seria mais proveitosa se fosse ministrada por instituições da Sociedade Civil e confissões religiosas comprometidas com os reais problemas das populações. O governo deve ser mero regulador e não executor, podendo criar uma instituição coordenadora de todo o auxílio recebido. Precisamos de auxílio, mas este tem sua limitação pois ao aliviar o esforço e o sacrifício do beneficiário influencia a ordem das prioridades e dos dois factores anteriores conforme o conteúdo do embrulho do doador. O aviltamento da moral pública não pode traduzir-se unicamente em vantagens do auxílio externo. Precisamos questionar e vasculhar constantemente o embrulho da ajuda externa a fim de verificar em que ângulo se esconde o veneno.
 
Pedro MAHRIC