No grau de suspeitas em que nos encontramos
levando em conta os dados recentes, torna-se claro que os problemas
relacionados com ajuda externa são mais complexos do que se pensava e não podem
ser reduzidos a um esquema simplista, cheio de contradições. Recentemente,
falou-se de desvio de donativos destinados às vítimas das cheias, em esquemas
que indiciam corrupção. Pouco depois, falou-se da rejeição de algumas toneladas de medicamentos de proveniência taiwanesa, destinados às mesmas vítimas. Se por um lado vemos vantagens na ajuda externa, por
outro não somos capazes de ver com profundidade as suas desvantagens, sobretudo
aquelas relacionadas com a promoção da corrupção no país. É fácil menosprezar e
exagerar os seus malefícios, uma vez que a sua extensão e a sua incidência não
podem medir-se. Factores sociais, económicos ou históricos reforçam ou enfraquecem
a sua acção. Embora a experiência noutros quadrantes pareça sugerir que exista
uma relação constante entre a abundância de auxílio estrangeiro e o grau de
corrupção nos países beneficiários, aqui, felizmente, ainda não é um facto.
Muita da propalada corrupção é produto das ideias e não dos factos. Entre as
ideias e os factos a verdade aproxima-se à estes.
Os factos mostram que na última década, o
governo, diferentemente do que sucede nos países que nos cercam, tem evitado
que o aviltamento da moral pública possa ver vantagens na corrupção; ao mesmo
tempo impede que a função pública encontre-se grotescamente dilatada. Tal
poderia suceder se se erguesse um aparelho diplomático absurdamente numeroso e
luxuoso para encaixar os parentes, os amigos e os clientes políticos em
potência, ou para proporcionar um exílio agradável aos rivais. Até aqui, o
corpo diplomático moçambicano vive uma «pobreza franciscana». De igual modo,
tem sabido evitar recompensar opositores políticos com símbolos da deserção
social como automóveis, vivendas, viagens ou missões caras cujas despesas
estariam em desproporção com as vantagens colectivas que daí podem advir. É um
facto que todos os líderes da oposição vivem em Moçambique, a pisar o mesmo
chão, uns em Gorongosa, outros em Quelimane e Beira e outros ainda em Maputo e
noutros relevos, mantendo-se distantes do centro de gravitação do poder. Basta
que nos recordemos quanta suspeita recaiu sobre Raúl Domingos, Sibindy e
Dhlakama, na vez que estes tentaram aproximar-se ao centro!
Voltemos ao auxílio e sua relação com a
corrupção. A nossa consciência geral comporta a noção de dois reinos: o
da natureza e o do espírito. O reino do espírito compreende tudo o que é
produzido pelo homem em ideias ou em actos. Nos países onde a corrupção é endémica o nepotismo e a venalidade vão de
mãos dadas. A delapidação dos fundos públicos, conseguidos pela boca e não pelo
trabalho, torna-se geral e uma parte importante dos lucros da exportação e das
receitas de auxílio é desviada antes de poder ser objecto de uma utilização
construtiva. Frequentemente, a rapidez no acesso ao poder é proporcional ao
abuso deste em proveito pessoal. A posição de poder dos governantes é explorada
sem vergonha em verdadeiras pilhagens cujas consequências são degradantes para
os interessados e o fosso entre governantes e governados alarga-se fatalmente.
Ora, com a política de unidade nacional, e essencialmente virada para áreas
sociais, Saúde, Educação, Infraestruturas, etc., a realidade moçambicana
encontra-se bem distante de ver essas características na sua governação, o que
reforça a constatação segundo a qual, vivemos mais uma corrupção de espírito.
Pela própria natureza da corrupção, as suspeitas não têm praticamente nada para
oferecer neste domínio.
O tamanho da boia deve ser proporcional ao
corpo que pretende manter a flutuar. Isto pode ser calculado. Na verdade, temos
de reinventar a utopia, deixar de viver das suspeitas sempre que vemos alguém
sobressaindo-nos em frente, pois a política de auxílio mostrou que tende a
perpetuar e mesmo recriar a situação de necessidade de que a corrupção é apenas
um de seus condimentos. Um povo que se quer desenvolvido não pode flutuar nas
necessidades criadas por outros e muitas vezes de natureza aditiva. Precisamos,
de forma independente e livre de pressões, redefinir a utopia criando vias de
um desenvolvimento autónomo capaz de tornar o auxílio menos importante e talvez
mesmo inútil. Mas é necessário coragem para esticar o perímetro de acção visto
que haverá quem fique contente em manter o status quo e, sobretudo, nos manter
escravos e pedintes crónicos. E quais as vias para a nossa independência económica?
A primeira é a compreensão de que o
desenvolvimento depende de três factores principais. O primeiro, de longe o
mais importante é a mobilização dos recursos internos, tanto materiais como
humanos. E nisto, a oposição deve ser envolvida, ser vista como parte da
solução e não simples ameaça. O segundo, menos decisivo, é representado pelas
exportações, a fim de fornecer o grosso das divisas estrangeiras necessárias à
compra dos instrumentos indispensáveis da modernização que o país não pode
produzir. As facilidades na concessão de benefícios às multinacionais deve ser
vista como um perigo porque a exportação dos recursos em estado bruto cria mais
emprego fora de Moçambique do que internamente. É preciso que as concessões
incluam a atracção de indústrias de processamento.
O terceiro utensílio do desenvolvimento, dispensável,
é o próprio auxílio. Precisamos de receber dos doadores e parceiros de cooperação
a ajuda necessária para diversos projectos. Mas esta ajuda seria mais
proveitosa se fosse ministrada por instituições da Sociedade Civil e confissões religiosas
comprometidas com os reais problemas das populações. O governo deve ser mero
regulador e não executor, podendo criar uma instituição coordenadora de todo
o auxílio recebido. Precisamos de auxílio, mas este tem sua limitação pois ao
aliviar o esforço e o sacrifício do beneficiário influencia a ordem das
prioridades e dos dois factores anteriores conforme o conteúdo do embrulho do
doador. O aviltamento da moral pública não pode traduzir-se unicamente em
vantagens do auxílio externo. Precisamos questionar e vasculhar constantemente o
embrulho da ajuda externa a fim de verificar em que ângulo se esconde o veneno.
Pedro MAHRIC
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