Adelino Simões, o MDM e a profecia que se concretizou
Os perigos do fascismo transformam os negros em gente sem categoria. Apesar de enviado para defender vigorosamente os interesses de Portugal, foi sensível às ameaças que pairavam sobre Moçambique Livre. Para ele, cada arma comprada para reprimir o povo significava, em última análise, um roubo aos que tinham fome e não eram alimentados, aos que tinham frio e não eram vestidos, aos graduados que não tinham emprego, aos analfabetos que não tinham escola, aos doentes que não tinham hospitais e às esperanças das suas crianças.
Adelino da Silva Simões nasceu a 3 de Abril de 1934, na freguesia de São Julião, Setúbal – Portugal. Filho de Álvaro Figueiredo Simões e de Liberta da Silva Simões, residiu durante alguns anos da década de 1950 em Moçambique, onde era empregado de escritório dos Caminhos-de-ferro de Moçambique. Enquanto desenvolvia seu pensamento político, foi descoberto. Transferido para a delegação daquela companhia em Johannesburg, imediatamente se lançou em actividades políticas anti-portuguesas, ao mesmo tempo que se insurgia contra a política de segregação racial do Governo da República da África do Sul. Expulso pelas autoridades sul-africanas para Moçambique, foi preso e enviado ao tribunal militar, onde foi julgado e condenado a três anos de prisão, acusado de actividades subversivas. Os jornais “Echo du Katanga” de 19 e a “Reuters” de 24 de Agosto de 1964 afirmavam que o tribunal militar lhe tinha retirado os direitos políticos por 15 anos em virtude de ter feito declarações desfavoráveis à reputação de Portugal e ter apelado a revolta dos militares como única e última alternativa para o fim do regime e libertação de Moçambique.
Ideologia política e profecia sobre o fim do regime colonial
Simões fundou o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), com o propósito de ajudar “os irmãos africanos a alcançarem a independência”. Vendo o sofrimento a que os negros estavam sujeitos, por um lado, e a felicidade de que gozavam os brancos, por outro, desenvolveu a sua ideologia política que pode ser sintetizada na seguinte fórmula: “se nos encontramos livres mas temos ao nosso lado alguém que não é livre, então não nos podemos considerar livres. Devemos aproveitar a nossa ilusão de homens livres para identificar os motivos da falta de liberdade dos outros e ajuda-lo a tornarem-se livres. Se o conseguirmos com a sua ajuda, ainda bem. Se o conseguirmos sem ela, devemos estar em condições de, mesmo assim, oferecer a conquista conseguida em nome deles. Temos que lutar sem ambicionar governar”.
O seu representante no estrangeiro era Carlos Lança (Carlos Alberto da Costa Hidalgo de Vilhena Correia e Lança). Ambos não eram originários de Moçambique. O seu partido agia como uma sucursal do Partido Comunista Português. No exterior, o partido esforçava-se por recrutar a maioria dos emigrados moçambicanos. Contrariamente a UDENAMO para quem só negros poderiam resistir, o MDM defendia a união dos brancos, indianos, mestiços e negros. Em última instância, o poder deveria pertencer a estes últimos que, em troca, reconheceriam o direito daqueles a viverem em Moçambique, garantindo assim uma harmonia racial e tranquilidade social, condições sem as quais o desenvolvimento seria impossível. Parece que Langa, secretário-geral do MDM, não concordasse muito. Porém, Marcelino dos Santos, na qualidade de Secretario Geral da CONCP, apoiou o posicionamento de Simões enquanto enviava ao MDM os emigrados brancos de Moçambique e à UDENAMO os emigrados negros. A UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra Sob Domínio Português), era uma fracção importante favorável ao MDM. O responsável para os moçambicanos era Artur Jorge Marinha de Campos que articulava as suas actividades com outros estudantes entre os quais Hélder Fernando Brígido Martins, José Júlio Ferreira de Andrade, António José da Fonseca Santos Dores, Peres da Silva e José Carlos de Oliveira Sousa Horta.
Segundo Simões, os não africanos de Moçambique tinham a obrigação de lutar para que a liberdade de que gozavam fosse estendida para os outros. A libertação era inevitável e todos os homens de bem tinham que “compreender ter chegado a altura de se construir um novo país na harmonia, tanto social como racial, na base dos direitos iguais de todo um povo liberto do jugo colonial”. A arma mais poderosa, porque última que restava para o fim do colonialismo português seria o “apelo aos soldados portugueses” pedindo-lhes para organizarem resistência efectiva contra o seu verdadeiro inimigo, o governo fascista de Salazar. Para ele, em virtude de lhes terem sido negados os direitos elementares, como o direito à educação, os africanos embora desejosos da liberdade viam-se impossibilitados por lhes faltarem lideranças internas para a luta e lideranças externas para angariar apoios. Mas sobretudo devido a segregação racial e ao terror da polícia politica portuguesa viam-se impedidos a fazer parte de organização de luta comum e multirracial. Se os não-africanos desejavam Moçambique Livre, tinham a oportunidade de provarem que estavam ao lado dos seus irmãos africanos na luta de libertação. Como que profetizando, afirmou estar certo (como a história o veio comprovar) que os moçambicanos brancos “só poderão adquirir o direito de pertencerem ao futuro Moçambique Livre, se forem desde já os guardas militantes dos valores verdadeiros, materiais e espirituais de Moçambique, que está em vias de se afirmar como nação africana. Caso contrário, quadros competentes e inocentes que trabalham para o bem de Moçambique, quando chegar essa hora inevitável, fugirão em debandada, sem destino porque Portugal não os receberá”.
Simões tinha uma crença inabalável em que só existia uma via para a independência de Moçambique. Esta via encontrava-se no exército pelo que todas as lutas empreendidas deveriam tem como alvo a consciencialização do exército, único suporte do regime. De Johannesburg, antes de ser expulso, mandou imprimir um panfleto “Aos Soldados Portugueses em Missão de Guerra em Moçambique: Salazar quer fazer o povo Português carne para canhão”, que foi distribuído em Londres, Moçambique e Tanganhica. A Frelimo, no fulgor da guerra, terá feito também um panfleto idêntico de apelo aos soldados portugueses.