Naquele momento, diversíssimos eram os parasitas que se prendiam, definitiva ou periodicamente, à Frelimo e em tanto maior número quanto mais a nossa vitória se tornara clara. Uma grande parte deles, aquando da campanha para eleições de 2014, mantinha-se muda, esperando pela queda da Frelimo para, de seguida, com as pedras mantidas nos bolsos, atirarem todas sobre Guebuza. Depois de uma vitória que nos custou a falsa e injusta acusação de fraude por parte daqueles que tinham contas a prestar aos patrões estrangeiros, era preciso devolver a vitória aos seus legítimos fazedores. Estar do lado do vencedor é sempre motivo de alegria e de orgulho, mas o mal é quando começaram a querer apoderar-se da vitória, menosprezando até aqueles que tinham dado tudo para que a vitória se materializasse. Lembro-me de pessoas que, no desespero, tentaram seguir a via de fraude e mercê da pronta intervenção policial foram para as esquadras. Lembro-me de camaradas que correram tantos riscos pessoais e colectivos em defesa de cada centimetro da soberania da Frelimo. Lembro-me de camaradas que arriscaram os próprios empregos para garantir a vitória da Frelimo e do seu candidato. Depois da vitória, gerou-se uma campanha para linchar a todos eles. Na hora da despedida, Guebuza, o pai da vitória de 2014, apercebendo de que há os que pretendiam colher onde não semearam, disse:
«Esta é uma vitória que foi construída por todos nós, membros da FRELIMO, de cartão e de coração: É a vitória daquele que colava panfletos ou promovia a imagem da FRELIMO e do seu Candidato; É a vitória daquele que compôs canções, participou nos nossos eventos ou garantiu a logística da nossa campanha; É a vitória daquele que produziu documentação ou participou em debates ou integrou uma brigada. É a vitória desses milhões de anónimos, nas zonas rurais, nos subúrbios e nos centros urbanos, no País e no estrangeiro».
Guebuza não precisou dizer «eu sou isto, eu sou aquilo, Mandela, Obama, Messias, sei lá quê...». Apenas mostrou que a Frelimo, sensata e tranquila, era senhora da democracia moçambicana, o umbigo da nação, o único império político nacional onde reinava ainda soberanamente a paz e democracia genuínas. Por esta razão, também tinha que ser o reino da Justiça. Ele mostrou que aquela posição privilegiada da Frelimo não derivava de qualquer factor metafísico, não era produto de milagre – se bem que devíamos agradecer à Providência o muito que Lhe devíamos. Era o resultado lógico de uma sólida linha de conduta política vinda desde 1962, conduta essa que teve expressivo proémio na disciplina partidária. «Preocupa-nos, todavia», disse ele aos presentes, «a postura e comportamento de alguns camaradas, que, publicamente engendram acções que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das instituições e para gerar divisões e confusão no nosso seio». De facto, semanas antes, camaradas que gozando das liberdade de expressão iam a uma certa imprensa, no lugar de invocarem os estatutos do Partido para tratar dos processos de sucessão, evocavam a tradição, uma expressão simples de que «sempre foi assim». E alguns deles, só se recordavam das leis quando era para falar de assuntos ligados à oposição, o que era preocupante. Guebuza não era agarrado ao poder, como apregoavam os seus críticos, internos e externos. Nenhum analista acertou sobre a grandeza escondida em Guebuza.
Guebuza, a quem coube a árdua tarefa de eliminar as graves incertezas que pairavam sobre a Frelimo, no demorado período de tergiversações e até frustres abdicações, provenientes da inércia dos políticos que então o criticava para dar a entender que o seu tempo era o melhor, compreendera a gravidade do momento. Para a Frelimo era uma questão de vida ou de morte porque, como disse: «os nossos adversários batalham, dia e noite, para que o seu sonho seja materializado. Cabe a nós, hoje como ontem, batalharmos, sempre unidos, coesos e firmes, para que esse seu sonho se transforme em pesadelo». E o pesadelo não demorou. Soou como em todos os cantos da imprensa sob vários títulos, num país cujos políticos não estavam preparados para ouvirem as verdades nuas e cruas. Ele dirigia um partido que tinha a sua inspiração no povo moçambicano, a causa e consequência da sua existência, num momento em que a cura dos vícios da oposição vinha da simples virtude de princípios e acontecimentos importados de outras latitudes independentemente das condições locais e dos defeitos dos membros daqueles partidos em materializá-los. Para os camaradas não era assim. O justo anátema lançado por Guebuza à intriga política, fora, já muitos anos antes, uma convicção dos fundadores da pátria. Era convicção que se soubéssemos civilizar como soubemos conquistar não tardaria que ocupássemos lugar eminente entre os partidos dominantes de toda a África. O que tínhamos a fazer para ter esse resultado? Não fazer política, a política da oposição! Porque «hoje, como ontem, quando os nossos adversários nos elogiam é porque descobriram ou porque pressentem que estamos no caminho errado, pois eles não nos querem e nunca vão-nos querer por bem: Não querem uma FRELIMO forte, omnipresente e popular; Não querem ver o seu Governo forte e a implementar, com celeridade e impacto, o nosso manifesto eleitoral; Não querem ver o nosso Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, forte, firme, dando o seu melhor na direcção do Estado porque sabem que isso beneficia não só a ele como à nossa gloriosa FRELIMO».
Não ceder as suas chantagens. Não atirar ao escuro, menosprezando os canais e as regras estatuárias do Partido, evocando hábitos e tradições. Só assim mereceríamos o respeito que ainda detínhamos entre os grupos que também se denominavam de partidos políticos embora sua actuação fosse duvidosa. Para adquirir influência a que tínhamos direito pelas nossas tradições, pela nossa lealdade, pela bravura do nosso carácter, pelos nossos sentimentos eminentemente democráticos, não devíamos desviarmos deles, nem cessar os nossos esforços de alcançar o próprio resultado a que deveríamos aspirar, a prosperidade das nossas aldeias, das vilas, das cidades, pelo progresso da razão moral e da liberdade humanas. No confronto com o que se estava passando no nosso partido, o único império político nacional onde reinava ainda soberanamente a paz e democracia genuínas e com o que se vinha realizando, há 40 anos, não havia nada de taumaturgia, mas sim uma sensata, ponderada e calculista disciplina partidária. Estes elementos imprescindíveis para a prosperidade partidária, assentes na tradição democrática, mantêm-se porque se mantêm os nossos sentimentos eminentemente democráticos, adversos, portanto, a toda a espécie de tirania e abertos para largamente receberem todos aqueles que queiram compartilhar da nossa vida e da nossa actividade civilizadora, a impor-se, constantemente, à consideração e ao respeito ao que se passa nos partidos alheios.
Pôde dizer-se que a Frelimo estava agora, como ontem, na ordem do dia em todos os jornais, e de forma mais realista do que no meio dos últimos meses quando certas imposições subreptícias do jogo diplomático faziam desviar para a oposição as atenções de alguns distraídos, a fim de um hábil político poder melhor atingir o seu escopo de predomínio no nosso país. Desde aquele discurso da matola, já não se arquitectavam lendas fabulosas, acerca de fantasiosa queda livre da Frelimo. Afinal de contas, até os jornais da direita viviam o pesadelo. A nossa preocupação pela democracia não datava, como se sabia, do eclodir da crise que afligia tragicamente os partidos da oposição. E a Frelimo não era lugar de degredo, aposentaria de políticos preguiçosos, interesseiros e calculistas ou derradeira etapa dos falhados. Era uma família de políticos hábeis em prol do bem-estar dos moçambicanos e era disso que aquele discurso enfatizara. Guebuza, contra todas as previsões, mais uma vez, ganhava a batalha colocando o lugar à disposição. E deixará uma mensagem bússola que deveria nortear a direcção do partido: coesão, firmeza e disciplina e a importância de usar os canais próprios para resolução dos problemas partidários.