Machado
da Graça, no Savana 29/03/13,
fala de três episódios que se resumem em racismo, um comportamento que tende a
ganhar espaço no país. Na sua tese, talvez tal se deva aos pronunciamentos
políticos pouco agradáveis. De facto, temos notado, com susto, como parte
considerável de moçambicanos tem-se esforçado em pôr as leis em oposição aos
costumes de modo a que com o andamento natural das coisas se faça tudo para
excitar a inveja de uma classe e para exaltar as pretensões da outra.
Esforça-se em fazer com que o povo se habitue a ver no governo uma força
inimiga que só ele pode manter ou destruir. É necessário evitar a progressão
desta embriaguez que, quando mais tarde se quiser refreá-la, nos levará a
provocar uma revolução de que viremos a ser vítima.
Devemos
reconhecer que esta nova potência, o povo, adquire cada dia mais força e a
nação liberta-se, por assim dizer, por si própria. Enquanto foram só as classes
privilegiadas a gozar de uma existência fácil, podia governar-se o Estado como
uma corte, manejando habilmente as paixões e os interesses de alguns
indivíduos; mas assim que a classe mais activa e numerosa da sociedade, tem
consciência da sua importância, torna-se indispensável a descoberta e aplicação
de uma forma de governar melhor. Não nos podemos conservar cegos ao que está
para além dos interesses da nossa nação e ainda mais ao que é contrário a esses
interesses.
A
miséria e a ignorância não devem ser recompensadas pelas arbitrariedades do
poder. A miséria aumenta a ignorância, a ignorância aumenta a miséria; e quando
nos perguntamos por que razão o povo tem estado constantemente indignado e a
criticar, não podemos encontrar a resposta senão na ausência de felicidade,
que, nas palavras de M. Staêl, conduz à ausência de moralidade. Hoje, vemos os
bandidos estarem mais unidos quando as vítimas estão cada vez mais desunidas.
Hoje vemos uma polícia indisciplinada atirando a queima roupa a concidadãos
indefesos, a tratar com brutaridade outros por não possuirem Bilhete de
Identidade, quão legado colonial! A causa principal e constante deste estado de
coisas é o peso da miséria. A miséria do polícia e a miséria do povo.
A
miséria evitável que incide exclusivamente sobre o povo, o reduz à inactividade
sem esperança e sem opções. A miséria que torna o agente de segurança em
burlador público! A miséria que torna dura a vida das donas de casa em
administrar os ordenados. A miséria que torna os casais infelizes quando surge
uma gravidez! A miséria que torna a vida do encarregado de educação difícil
quando seu educando passa, com sucesso, o exame de admissão para uma
universidade. A miséria que transforma os momentos que deviam ser de felicidade
em momentos de pesadelo. A miséria que destrói os lares incentivando o espírito
de amantismo.
As
coisas estão neste ponto quando ainda não surgiu, como um astro brilhando no
meio de uma noite profunda, a grande revolução. Os espíritos fermentam
prodigiosamente. O método de livre exame, de que os outros se serviram no
passado para abalar os governantes até aos alicerces, é a arma temível por meio
da qual os excluídos poderão sabotar o edifício corroído baseado nas velhas
crenças e nos velhos preconceitos, segundo os quais, quem não comunga connosco
é contra nós. Tornou-se inevitável uma reflexão que tenha em consideração todas
as camadas políticas e sociais e todos os interesses em jogo. Temos uma força
residual em países estrangeiros, capaz de contribuir para o progresso nacional.
Não podemos lhe fechar olhos, chamemo-la, incentivemo-la a vir concorrer com a
mão estrangeira. Precisamos reatar os traços que nos unem como um povo e
esquecer o que nos divide. Enfim, uma reflexão inclusiva, onde a oposição e a
posição tenham como meta o bem servir.
Precisamos
de uma reforma educacional profunda, não uma reforma dos métodos pedagógicos,
mas uma, capaz de transformar a educação em centro de preparação de quadros
conhecedores da problemática do país e identificados com as aspirações
nacionais, em condições de contribuir para o desenvolvimento nacional e da
construção de uma sociedade melhor. Precisamos de uma reforma sanitária, capaz
de devolver vida as pessoas, oferecendo ao rico e ao pobre os mesmos espaços.
Enquanto relegarmos para o segundo plano os problemas da educação, da saúde e
outros, enquanto prevalecerem os métodos de exclusão de ingressos aos vastos subsistemas
de ensino, quer através da redução de vagas nos primeiros anos, quer
dificultando os exames de admissão, de modo a só permitir a entrada daqueles
jovens com condições financeiras para a dispendiosa preparação, enquanto poucos
continuarem a ser tratados em hospitais estrangeiros, enquanto poucos
continuarem a comer verdura da África do Sul, a Carne do Brasil, a Cerveja da
Europa, teremos o confronto entre as forças vivas da sociedade, e uma segunda
revolução será inevitável.
Mas
os moçambicanos têm em suas mãos o seu destino. No actual estágio em que a
carestia de vida está, corremos sérios problemas de criar uma sociedade de
privilégios, se não trabalharmos juntos na busca de soluções. Necessitamos de
uma reforma agrária, de que nos ocuparemos nos próximos artigos, de modo a
minimizarmos as necessidades primárias. Quando passar três refeições ao dia se
torna em coisa para poucos, é um precedente perigoso. Não são os famintos que
combaterão a pobreza por mais boa vontade que estes tenham. É preciso
criarem-se condições capazes de garantir a refeição ao moçambicano para, uma
vez saciado, poder pensar por si. Só quando os outros deixarem de pensar por
nós estaremos capazes de dar um salto qualitativo nas condições de vida,
pessoal, familiar e comunitária, e fecharemos o turbilhão das incertezas quanto
ao futuro.
Reconheçamos
que os investimentos estrangeiros enriquecem, por um lado, a parte industriosa
do povo, passando nitidamente para o grupo dos «empresários» e arruína, por
outro, os até aqui grandes empresários, aproximando assim as classes sociais no
plano das fortunas e das possibilidades para as ter. Paralelamente, a ciência e
a educação aproximam-nas no plano dos costumes e alimentam o espírito de
igualdade entre os moçambicanos. Estas são causas naturais que devem ser
valorizadas. Porém, há outras meramente humanas. Os excluídos, para combater os
beneficiados, procurarão apoio nas forças de defesa e de segurança que ainda
apoiam o regime na sua luta contra a oposição. Mas assim que as forças de
segurança adquirirem força suficiente para não se contentarem com um papel
secundário, explodirão e tomarão o lugar no poder.
Em
consequência, tudo pode estar pronto para uma grande revolução e o
comportamento do Governo pode favorecer muito a sua eclosão. Numa sociedade em
que a situação de classes está fundamentalmente transformada, só uma equação de
inclusão poderá salvar o regime. A repressão terá como efeito imediato uma
política nefasta em relação ao futuro. A salvação está no povo ao qual nos devemos
apoiar, como seria lógico, a única possibilidade de nos salvarmos, em vez de
repeli-lo, favorecendo aos interesses alheios a ele que são, na realidade,
impotentes, porque mudarão em função do vento. Se há um meio de impedir a
explosão do poder popular, é o de associar ao governo o povo e de lhe abrir
todas as carreiras e possibilidades em vez de se fazer o contrário.
Gostei muito desde blogue tem tudo sobre historiografias, é muito útil para mim como acadêmico parabéns pelo esforço.
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