sábado, 15 de junho de 2013


Machado da Graça, no Savana 29/03/13, fala de três episódios que se resumem em racismo, um comportamento que tende a ganhar espaço no país. Na sua tese, talvez tal se deva aos pronunciamentos políticos pouco agradáveis. De facto, temos notado, com susto, como parte considerável de moçambicanos tem-se esforçado em pôr as leis em oposição aos costumes de modo a que com o andamento natural das coisas se faça tudo para excitar a inveja de uma classe e para exaltar as pretensões da outra. Esforça-se em fazer com que o povo se habitue a ver no governo uma força inimiga que só ele pode manter ou destruir. É necessário evitar a progressão desta embriaguez que, quando mais tarde se quiser refreá-la, nos levará a provocar uma revolução de que viremos a ser vítima.

 

Devemos reconhecer que esta nova potência, o povo, adquire cada dia mais força e a nação liberta-se, por assim dizer, por si própria. Enquanto foram só as classes privilegiadas a gozar de uma existência fácil, podia governar-se o Estado como uma corte, manejando habilmente as paixões e os interesses de alguns indivíduos; mas assim que a classe mais activa e numerosa da sociedade, tem consciência da sua importância, torna-se indispensável a descoberta e aplicação de uma forma de governar melhor. Não nos podemos conservar cegos ao que está para além dos interesses da nossa nação e ainda mais ao que é contrário a esses interesses.

 

A miséria e a ignorância não devem ser recompensadas pelas arbitrariedades do poder. A miséria aumenta a ignorância, a ignorância aumenta a miséria; e quando nos perguntamos por que razão o povo tem estado constantemente indignado e a criticar, não podemos encontrar a resposta senão na ausência de felicidade, que, nas palavras de M. Staêl, conduz à ausência de moralidade. Hoje, vemos os bandidos estarem mais unidos quando as vítimas estão cada vez mais desunidas. Hoje vemos uma polícia indisciplinada atirando a queima roupa a concidadãos indefesos, a tratar com brutaridade outros por não possuirem Bilhete de Identidade, quão legado colonial! A causa principal e constante deste estado de coisas é o peso da miséria. A miséria do polícia e a miséria do povo.

 

A miséria evitável que incide exclusivamente sobre o povo, o reduz à inactividade sem esperança e sem opções. A miséria que torna o agente de segurança em burlador público! A miséria que torna dura a vida das donas de casa em administrar os ordenados. A miséria que torna os casais infelizes quando surge uma gravidez! A miséria que torna a vida do encarregado de educação difícil quando seu educando passa, com sucesso, o exame de admissão para uma universidade. A miséria que transforma os momentos que deviam ser de felicidade em momentos de pesadelo. A miséria que destrói os lares incentivando o espírito de amantismo.

 

As coisas estão neste ponto quando ainda não surgiu, como um astro brilhando no meio de uma noite profunda, a grande revolução. Os espíritos fermentam prodigiosamente. O método de livre exame, de que os outros se serviram no passado para abalar os governantes até aos alicerces, é a arma temível por meio da qual os excluídos poderão sabotar o edifício corroído baseado nas velhas crenças e nos velhos preconceitos, segundo os quais, quem não comunga connosco é contra nós. Tornou-se inevitável uma reflexão que tenha em consideração todas as camadas políticas e sociais e todos os interesses em jogo. Temos uma força residual em países estrangeiros, capaz de contribuir para o progresso nacional. Não podemos lhe fechar olhos, chamemo-la, incentivemo-la a vir concorrer com a mão estrangeira. Precisamos reatar os traços que nos unem como um povo e esquecer o que nos divide. Enfim, uma reflexão inclusiva, onde a oposição e a posição tenham como meta o bem servir.

 

Precisamos de uma reforma educacional profunda, não uma reforma dos métodos pedagógicos, mas uma, capaz de transformar a educação em centro de preparação de quadros conhecedores da problemática do país e identificados com as aspirações nacionais, em condições de contribuir para o desenvolvimento nacional e da construção de uma sociedade melhor. Precisamos de uma reforma sanitária, capaz de devolver vida as pessoas, oferecendo ao rico e ao pobre os mesmos espaços. Enquanto relegarmos para o segundo plano os problemas da educação, da saúde e outros, enquanto prevalecerem os métodos de exclusão de ingressos aos vastos subsistemas de ensino, quer através da redução de vagas nos primeiros anos, quer dificultando os exames de admissão, de modo a só permitir a entrada daqueles jovens com condições financeiras para a dispendiosa preparação, enquanto poucos continuarem a ser tratados em hospitais estrangeiros, enquanto poucos continuarem a comer verdura da África do Sul, a Carne do Brasil, a Cerveja da Europa, teremos o confronto entre as forças vivas da sociedade, e uma segunda revolução será inevitável.

 

Mas os moçambicanos têm em suas mãos o seu destino. No actual estágio em que a carestia de vida está, corremos sérios problemas de criar uma sociedade de privilégios, se não trabalharmos juntos na busca de soluções. Necessitamos de uma reforma agrária, de que nos ocuparemos nos próximos artigos, de modo a minimizarmos as necessidades primárias. Quando passar três refeições ao dia se torna em coisa para poucos, é um precedente perigoso. Não são os famintos que combaterão a pobreza por mais boa vontade que estes tenham. É preciso criarem-se condições capazes de garantir a refeição ao moçambicano para, uma vez saciado, poder pensar por si. Só quando os outros deixarem de pensar por nós estaremos capazes de dar um salto qualitativo nas condições de vida, pessoal, familiar e comunitária, e fecharemos o turbilhão das incertezas quanto ao futuro.

 

Reconheçamos que os investimentos estrangeiros enriquecem, por um lado, a parte industriosa do povo, passando nitidamente para o grupo dos «empresários» e arruína, por outro, os até aqui grandes empresários, aproximando assim as classes sociais no plano das fortunas e das possibilidades para as ter. Paralelamente, a ciência e a educação aproximam-nas no plano dos costumes e alimentam o espírito de igualdade entre os moçambicanos. Estas são causas naturais que devem ser valorizadas. Porém, há outras meramente humanas. Os excluídos, para combater os beneficiados, procurarão apoio nas forças de defesa e de segurança que ainda apoiam o regime na sua luta contra a oposição. Mas assim que as forças de segurança adquirirem força suficiente para não se contentarem com um papel secundário, explodirão e tomarão o lugar no poder.

 

Em consequência, tudo pode estar pronto para uma grande revolução e o comportamento do Governo pode favorecer muito a sua eclosão. Numa sociedade em que a situação de classes está fundamentalmente transformada, só uma equação de inclusão poderá salvar o regime. A repressão terá como efeito imediato uma política nefasta em relação ao futuro. A salvação está no povo ao qual nos devemos apoiar, como seria lógico, a única possibilidade de nos salvarmos, em vez de repeli-lo, favorecendo aos interesses alheios a ele que são, na realidade, impotentes, porque mudarão em função do vento. Se há um meio de impedir a explosão do poder popular, é o de associar ao governo o povo e de lhe abrir todas as carreiras e possibilidades em vez de se fazer o contrário.

1 comentário:

  1. Gostei muito desde blogue tem tudo sobre historiografias, é muito útil para mim como acadêmico parabéns pelo esforço.

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