quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Amurane teve um 2014 doloroso

Local: Izmir, Turquia
Estado de espírito: optimista

Hoje, em Nampula, já não é celebrada a triunfante vitória de Mahamud Amurane, em Dezembro de 2013. A maioria dos votos que obteve foi substituída por decepção generalizada. E não foi apenas a decepção o que conseguiu fazer em um ano. Também irritou o próprio partido que o acusa, embora secretamente, de ter sido o principal culpado pela «queda livre» do Galo em toda a província. Aliás, a crítica feita pela própria bancada numa das sessões, exigindo a exoneração de um dos vereadores, longe de ser vista como maturidade e democracia internas do Galo, resultou de uma desestabilização interna de baixa tensão.  Um dos factores que contribuíram para a queda do ranking de Amurane após a triunfante vitória foi a crise instalada no seio do Movimento Democrático de Moçambique, com o respectivo presidente a pretender pôr a mão em tudo. Bocas ousadas chegaram mesmo de revelar o que se contara em segredo, algures na Beira, em que o «boss» alcunhou o colega de «um burro político» por estar a conduzir a cidade ao abismo, o que veio a revelar-se como uma verdade nua, ante factos que dispensam argumentos. Suas consequências foram muito piores do que alguém poderia ter imaginado.

Ao longo do tempo, Amurane perdeu a maior parte de seu apoio de outrora. Os que tinham trabalhado directamente com ele durante a campanha viram-se frustrados perante a chegada de outros filhos dos mais poderosos, que não tendo trabalhado, vinham colher os frutos da sacha. Desde logo, começou a desenhar-se a figura de um edil falhado, como dizem os próprios nampulenses. Os sérios problemas que teve quando iniciou com as demolições, primeiro do mercado do Matadouro e, depois, da propriedade de um poderoso agente económico atestam sua incapacidade de resolver problemas pelos quais tinha sido eleito. Falando do seu fracasso, refira-se a incapacidade de aumentar as receitas municipais, que caíram em razão de 30 por 8 em um ano, a proliferação do lixo, a falta de água – esta última embora contando com outros agentes envolvidos – a corrupção dos fiscais ligados aos vários sectores de actividades económicas, a invasão dos passeios pelos vendedores informais sem nenhuma regra, passando os peões a disputar os espaços reservados para viaturas. O resumo do que ele fez está patente no Jornal @Verdade, quando sintetizou que  ele levou «um ano tapando buracos».


Amurane tão pouco pode se gabar de sucessos na melhoria da vida dos nampulenses. A crise das varredoras de rua, o fracasso da estratégia de criação de emprego para os jovens,  começando pelos   que o tinham apoiado, e terminando no pagamento, por força da lei, de bens destruídos do agente económico a que fizemos referência são sinais de um fracasso gigantesco em curto tempo. O pior, revelou-se aquando das eleições gerais em que o MDM, partido no qual está filiado, na cidade de Nampula posicionou-se em terceiro lugar. Resumindo, podemos dizer que Amurane provocou tensões que fragilizaram o MDM em Nampula, até há um ano terra fértil para o Galo. A maioria da população adere à regra não escrita de não revelar os segredos que envolvem os elefantes e instigar a crise emocional do edil a fim de que possa ter alguma luz para resolver, pelo menos, poucos e acessíveis problemas. No entanto, é óbvio que o edil não só não cumpriu com a promessa de tornar a cidade de Nampula numa cidade limpa, como a tornou cada vez pior do que era quando a encontrou. No futuro, não é de excluir que Amurane tente apresentar as obras em construção na cidade de Nampula como a principal conquista do seu mandato. Mas isso é improvável de ser real porque Namuaca, antes de sair, já tinha deixado tais obras em execução.


Os nampulenses já há muito que descartaram sua presidência, aguardando pelas próximas eleições. Supunha-se que Amurane iria terminar as crises que foram começadas pela administração anterior. E certamente não iria iniciar novas crises. No entanto, ele está a revelar-se mais predisposto a gerar problemas que soluções, criando crises domésticas desnecessárias. E este ano ele foi tão longe que decidiu optar por um programa que envolveu quatro milhares de pessoas que trabalharam como escravas durante mais de cinco meses. É provável que ele continue isolado do resto dos edis do galo ou se junte ao Manuel de Araújo, o edil de Quelimane, para ter algumas lições de boa gestão municipal. Para ele, este é o único caniço em que se agarrar e único lugar por onde manobrar, se deseja sobreviver politicamente. Isto se deve a que Amurane agora tem um obstáculo quase intransponível – os renamistas, que tomaram Nampula nas últimas eleições e os Frelimistas, já refrescados, que ensaiam o regresso retumbante. Dito isto, Amurane teve um 2014 doloroso.

Nota: Texto escrito à luz dos acordos de cessação das hostilidades na imprensa e nos meios de Comunicação Social


domingo, 21 de dezembro de 2014

AS ELEIÇÕES DE CUAMBA: A DECADÊNCIA DA TEORIA DA MARCAÇÃO CERRADA

Local: Izmir, Turquia, 21-12-2014
Estado de espírito: Optimista e feliz

A 17 de Dezembro, tiveram lugar as eleições intercalares no município de Cuamba, motivadas pelo falecimento do respectivo presidente. Delas saiu como vencedor o candidato da Frelimo,  Zacarias Filipe. Foram eleições que criaram uma elevada expectativa, sobretudo na oposição e nos seus acólitos, por verem mais um município por arrancar do regime da Frelimo. Também foram eleições que dissiparam algumas dúvidas. Explico-me, adiante. De facto, durante muito tempo, desconfiou-se dos órgãos eleitorais, acusados de serem injustos no trato que dispensam aos partidos da oposição, não obstante estarem neles os representantes dos partidos acusadores, auferindo dinheiro não acessível para o comum dos mortais moçambicanos. Julgou-se que as vitórias da oposição, em certos municípios, não foram o resultado do trabalho dos referidos órgãos eleitorais, mas da «vigilância cerrada» dos opositores ao regime. Foi uma ideia que se transformou numa crença, difundida por uma certa imprensa bem identificada. Para Cuamba, o cenário não seria diferente. Era preciso desconfiar dos órgãos eleitorais e enviar para lá os melhores olhos partidários. 

O desfile dos paladinos da democracia elevou a sua potência ao quadrado. Enquanto o líder da perdiz se alegrava com os curiosos deixando o seu candidato por Cuamba à sua sorte, o MDM montou lá o seu quartel-general e, diga-se, por alguns dias, nenhum município sob sua gestão ficou com o respectivo presidente. Os quatro estavam em Cuamba a respirar o ar frelimista, para marcar «cerradamente» o evento, anestesiando-se um pouco das suas angústias de espírito nos seus feudos. Simango esqueceu-se dos seus buracos nas ruas da Beira e dos 7% nas presidenciais; Araújo esqueceu-se por instante do Lixo no Brandão, do grito do presidente da Assembleia Municipal pela casa protocolar, do grito dos funcionários municipais pelo 13º salário e dos rostos tristes da juventude desempregada e instrumentalizada, pedalando as cada vez mais desgastadas bicicletas de Quelimane; Amurane, esqueceu-se um pouco das moscas, dos mosquitos e do cheiro nauseabundo de Nampula, fruto da sua danosa governação; Janeiro, com Gurue parado no tempo, sem avançar nem recuar, levou um pouco de chá e a experiência da imobilidade administrativa. Era isso que eles queriam, esquecer das principais crises nos seus domínios para ir descansar no município honrosamente administrado pela Frelimo, pois, onde governa a Frelimo, respira-se a liberdade e a diversão.

Durante a votação, vimos, por meio de fotografias, tentativas de descredibilizar e manchar o processo, dizendo que havia troca de cadernos e/ou a sua ausência. As nossas fontes bem posicionadas informaram-nos que aqueles mais de 44 mil eleitores não correspondiam a verdade precisamente porque, aquando da primeira actualização do recenseamento, o Partido do Galo pagava aos líderes comunitários das aldeias circunvizinhas de Cuamba a fim de deixarem seus jovens irem-se recensear em Cuamba, em conluio com algumas brigadas e com alguns secretários de bairro. Só que, para as eleições gerais, os mesmos tiveram que actualizar os seus cartões sob alegação de que haviam mudado de residência, conforme lhes fora informado. É claro que o MDM precisava dos votos destes nas gerais e não contava - suponho - com o falecimento do edil de Cuamba. Verificada a anomalia, os órgãos eleitorais tiveram que corrigir antecipadamente este erro enquanto os jovens sábios da Frelimo difundiam a ideia de que todo aquele que fosse estranho a Cuamba na votação seria conduzido à polícia, o que desmotivou os pouco renitentes que ainda sobravam.

Houve casos escandalosos de cadernos eleitorais com 800 eleitores, sendo todos de idades compreendidas entre os 18-24 anos, isto é, sem nenhum velho nem adulto e mais do que a metade deles, fizeram a sua inscrição com base e testemunho de cidadãos «idóneos» conforme manda a lei. Curiosamente, mais da metade deles tinham actualizado os seus cartões o que, segundo as nossas fontes bem posicionadas, criou suspeitas acrescidas e a necessidade de apuramento dos factos. Foram descobertos eleitores de uma mesma aldeia recenseados em bloco, num mesmo caderno eleitoral. Ora, Cuamba, o segundo centro urbano de Niassa, não pode ter tantos indocumentados. Só que o tempo é da machamba e faltou o trabalho de base para ir avisar nas aldeias de que o tempo exigia nova prestação dos serviços. Afinal, aquele trabalho fora feito para as eleições passadas e não estas. Era preciso pagar, mas os doadores estão a pagar os voos do pai do Governo de Gestão! Consequentemente, Cuamba registou abstenção. Os verdadeiros filhos de Cuamba foram fazer a justiça na urna, saiu o vencedor, e as justificações mais descabidas que já ouvi foram aquelas segundo as quais «perdemos por causa da abstenção, venceu a abstenção», tudo com propósito de minimizar e subestimar a justa e inquestionável vitória do candidato da Frelimo. É histórico! Napoleão Bonaparte também dissera, na terra dos Czares: «fomos vítimas do frio». Felizmente, os mesmos que questionam a legitimidade desta vitória, foram os que mais vibraram de alegria quando há, precisamente, um ano o MDM venceu Nampula com uma percentagem inferior a 20% transformada em 52%. 

Nunca questionaram a legitimidade de Amurane conforme as conveniências. Gostaríamos de dizer que a nossa democracia é representativa e, foi neste espírito que os camponeses e outros chefes de família de Cuamba deram orientações aos seus dependentes para votarem na Frelimo e no seu candidato. Confiaram que os mensageiros iam votar no candidato certo. Não é verdade nem cientificamente comprovável que os que se abstiveram iam votar na oposição. Quem disse que só os eleitores da oposição não estão interessados pela política? Que insulto! Também não é cientificamente comprovável que o povo de Cuamba tenha escolhido mal só por escolher no candidato da Frelimo. O povo de Cuamba deixou um recado aos intrusos que acham que a felicidade de um povo se mede pelos metros do alcatrão, pela poeira ao ar ou pela propaganda do google. Não se pode prometer mudar e mudar para o pior. Aqui vale o ditado da preferência do diabo conhecido  ao anjo desconhecido. O povo de Cuamba disse sim a continuidade porque, olhando o que era o seu passado, vendo o que é o seu presente, julga ser único caminho que lhe garantirá o progresso almejado. Com as destruições de habitações feitas por Amurane em Nampula, até ontem considerado município modelo no norte, a falta de água que o caracteriza, o lixo e os buracos em todo o lado - não fosse a obra do Millennium Challenge Account – não há nenhum desejo de experimentar o embrulho envenenado, chamado MDM. O povo de Cuamba já não pode ser enganado por este partido porque, graças à circulação quase diária do comboio, está sempre com noticias frescas sobre a acentuada degradação de Nampula. 

O povo de Cuamba sabe que o MDM promoveu anarquia, com roupas, sapatos, pastas, óculos e comidas espalhados pelos caminhos e passeios em frente das lojas que em tempos da sempre saudosa governação frelimista eram reservados aos peões, salvo raríssimas excepções. E os donos das lojas que pagam impostos que poderiam melhorar a vida dos munícipes vêem-se obrigados a contratar alguns jovens para também revenderem seus produtos na rua. Foi contra esta anarquia que o povo de Cuamba votou. O povo de Cuamba votou a favor da continuidade: continuidade da felicidade, da tranquilidade, da prosperidade recusando receitas importadas da Beira, de Quelimane, de Nampula e de Gurue, porque Cuamba é Cuamba. O povo de Cuamba disse não ao tribalismo, ao regionalismo e à etnização da política. E o povo de Cuamba, finalmente, pôde devolver a credibilidade, aos olhos dos cidadãos, da imparcialidade dos órgãos eleitorais. Estavam lá os melhores olhos propagandistas da oposição, estava lá um filósofo que saltou o Save e o Zambeze, estava lá um PhD, estava lá um engenheiro, estava lá um gestor, estava lá um expert informático, estava lá um fotógrafo amador. Mas tudo isso, valeu menos e em coro de desespero disseram «fomos vítimas da abstenção». Um aviso: no futuro, se houver outra intercalar, enviem os melhores exemplos.

A Luta continua
Nota: Este texto foi escrito no âmbito do acordo de cessação das hostilidades na imprensa.

PS. A Renamo que reivindica ter ganho Niassa, amealhou 15% situando-se em terceiro lugar.