domingo, 21 de dezembro de 2014

AS ELEIÇÕES DE CUAMBA: A DECADÊNCIA DA TEORIA DA MARCAÇÃO CERRADA

Local: Izmir, Turquia, 21-12-2014
Estado de espírito: Optimista e feliz

A 17 de Dezembro, tiveram lugar as eleições intercalares no município de Cuamba, motivadas pelo falecimento do respectivo presidente. Delas saiu como vencedor o candidato da Frelimo,  Zacarias Filipe. Foram eleições que criaram uma elevada expectativa, sobretudo na oposição e nos seus acólitos, por verem mais um município por arrancar do regime da Frelimo. Também foram eleições que dissiparam algumas dúvidas. Explico-me, adiante. De facto, durante muito tempo, desconfiou-se dos órgãos eleitorais, acusados de serem injustos no trato que dispensam aos partidos da oposição, não obstante estarem neles os representantes dos partidos acusadores, auferindo dinheiro não acessível para o comum dos mortais moçambicanos. Julgou-se que as vitórias da oposição, em certos municípios, não foram o resultado do trabalho dos referidos órgãos eleitorais, mas da «vigilância cerrada» dos opositores ao regime. Foi uma ideia que se transformou numa crença, difundida por uma certa imprensa bem identificada. Para Cuamba, o cenário não seria diferente. Era preciso desconfiar dos órgãos eleitorais e enviar para lá os melhores olhos partidários. 

O desfile dos paladinos da democracia elevou a sua potência ao quadrado. Enquanto o líder da perdiz se alegrava com os curiosos deixando o seu candidato por Cuamba à sua sorte, o MDM montou lá o seu quartel-general e, diga-se, por alguns dias, nenhum município sob sua gestão ficou com o respectivo presidente. Os quatro estavam em Cuamba a respirar o ar frelimista, para marcar «cerradamente» o evento, anestesiando-se um pouco das suas angústias de espírito nos seus feudos. Simango esqueceu-se dos seus buracos nas ruas da Beira e dos 7% nas presidenciais; Araújo esqueceu-se por instante do Lixo no Brandão, do grito do presidente da Assembleia Municipal pela casa protocolar, do grito dos funcionários municipais pelo 13º salário e dos rostos tristes da juventude desempregada e instrumentalizada, pedalando as cada vez mais desgastadas bicicletas de Quelimane; Amurane, esqueceu-se um pouco das moscas, dos mosquitos e do cheiro nauseabundo de Nampula, fruto da sua danosa governação; Janeiro, com Gurue parado no tempo, sem avançar nem recuar, levou um pouco de chá e a experiência da imobilidade administrativa. Era isso que eles queriam, esquecer das principais crises nos seus domínios para ir descansar no município honrosamente administrado pela Frelimo, pois, onde governa a Frelimo, respira-se a liberdade e a diversão.

Durante a votação, vimos, por meio de fotografias, tentativas de descredibilizar e manchar o processo, dizendo que havia troca de cadernos e/ou a sua ausência. As nossas fontes bem posicionadas informaram-nos que aqueles mais de 44 mil eleitores não correspondiam a verdade precisamente porque, aquando da primeira actualização do recenseamento, o Partido do Galo pagava aos líderes comunitários das aldeias circunvizinhas de Cuamba a fim de deixarem seus jovens irem-se recensear em Cuamba, em conluio com algumas brigadas e com alguns secretários de bairro. Só que, para as eleições gerais, os mesmos tiveram que actualizar os seus cartões sob alegação de que haviam mudado de residência, conforme lhes fora informado. É claro que o MDM precisava dos votos destes nas gerais e não contava - suponho - com o falecimento do edil de Cuamba. Verificada a anomalia, os órgãos eleitorais tiveram que corrigir antecipadamente este erro enquanto os jovens sábios da Frelimo difundiam a ideia de que todo aquele que fosse estranho a Cuamba na votação seria conduzido à polícia, o que desmotivou os pouco renitentes que ainda sobravam.

Houve casos escandalosos de cadernos eleitorais com 800 eleitores, sendo todos de idades compreendidas entre os 18-24 anos, isto é, sem nenhum velho nem adulto e mais do que a metade deles, fizeram a sua inscrição com base e testemunho de cidadãos «idóneos» conforme manda a lei. Curiosamente, mais da metade deles tinham actualizado os seus cartões o que, segundo as nossas fontes bem posicionadas, criou suspeitas acrescidas e a necessidade de apuramento dos factos. Foram descobertos eleitores de uma mesma aldeia recenseados em bloco, num mesmo caderno eleitoral. Ora, Cuamba, o segundo centro urbano de Niassa, não pode ter tantos indocumentados. Só que o tempo é da machamba e faltou o trabalho de base para ir avisar nas aldeias de que o tempo exigia nova prestação dos serviços. Afinal, aquele trabalho fora feito para as eleições passadas e não estas. Era preciso pagar, mas os doadores estão a pagar os voos do pai do Governo de Gestão! Consequentemente, Cuamba registou abstenção. Os verdadeiros filhos de Cuamba foram fazer a justiça na urna, saiu o vencedor, e as justificações mais descabidas que já ouvi foram aquelas segundo as quais «perdemos por causa da abstenção, venceu a abstenção», tudo com propósito de minimizar e subestimar a justa e inquestionável vitória do candidato da Frelimo. É histórico! Napoleão Bonaparte também dissera, na terra dos Czares: «fomos vítimas do frio». Felizmente, os mesmos que questionam a legitimidade desta vitória, foram os que mais vibraram de alegria quando há, precisamente, um ano o MDM venceu Nampula com uma percentagem inferior a 20% transformada em 52%. 

Nunca questionaram a legitimidade de Amurane conforme as conveniências. Gostaríamos de dizer que a nossa democracia é representativa e, foi neste espírito que os camponeses e outros chefes de família de Cuamba deram orientações aos seus dependentes para votarem na Frelimo e no seu candidato. Confiaram que os mensageiros iam votar no candidato certo. Não é verdade nem cientificamente comprovável que os que se abstiveram iam votar na oposição. Quem disse que só os eleitores da oposição não estão interessados pela política? Que insulto! Também não é cientificamente comprovável que o povo de Cuamba tenha escolhido mal só por escolher no candidato da Frelimo. O povo de Cuamba deixou um recado aos intrusos que acham que a felicidade de um povo se mede pelos metros do alcatrão, pela poeira ao ar ou pela propaganda do google. Não se pode prometer mudar e mudar para o pior. Aqui vale o ditado da preferência do diabo conhecido  ao anjo desconhecido. O povo de Cuamba disse sim a continuidade porque, olhando o que era o seu passado, vendo o que é o seu presente, julga ser único caminho que lhe garantirá o progresso almejado. Com as destruições de habitações feitas por Amurane em Nampula, até ontem considerado município modelo no norte, a falta de água que o caracteriza, o lixo e os buracos em todo o lado - não fosse a obra do Millennium Challenge Account – não há nenhum desejo de experimentar o embrulho envenenado, chamado MDM. O povo de Cuamba já não pode ser enganado por este partido porque, graças à circulação quase diária do comboio, está sempre com noticias frescas sobre a acentuada degradação de Nampula. 

O povo de Cuamba sabe que o MDM promoveu anarquia, com roupas, sapatos, pastas, óculos e comidas espalhados pelos caminhos e passeios em frente das lojas que em tempos da sempre saudosa governação frelimista eram reservados aos peões, salvo raríssimas excepções. E os donos das lojas que pagam impostos que poderiam melhorar a vida dos munícipes vêem-se obrigados a contratar alguns jovens para também revenderem seus produtos na rua. Foi contra esta anarquia que o povo de Cuamba votou. O povo de Cuamba votou a favor da continuidade: continuidade da felicidade, da tranquilidade, da prosperidade recusando receitas importadas da Beira, de Quelimane, de Nampula e de Gurue, porque Cuamba é Cuamba. O povo de Cuamba disse não ao tribalismo, ao regionalismo e à etnização da política. E o povo de Cuamba, finalmente, pôde devolver a credibilidade, aos olhos dos cidadãos, da imparcialidade dos órgãos eleitorais. Estavam lá os melhores olhos propagandistas da oposição, estava lá um filósofo que saltou o Save e o Zambeze, estava lá um PhD, estava lá um engenheiro, estava lá um gestor, estava lá um expert informático, estava lá um fotógrafo amador. Mas tudo isso, valeu menos e em coro de desespero disseram «fomos vítimas da abstenção». Um aviso: no futuro, se houver outra intercalar, enviem os melhores exemplos.

A Luta continua
Nota: Este texto foi escrito no âmbito do acordo de cessação das hostilidades na imprensa.

PS. A Renamo que reivindica ter ganho Niassa, amealhou 15% situando-se em terceiro lugar.

Sem comentários:

Enviar um comentário