segunda-feira, 10 de julho de 2017

Joana Simeão: uma entrevista


A primeira parte: Aqui

Joana Simeão: uma entrevista a “Seara Nova”, em Março de 1974


Poderia começar por falar-me um pouco da sua infância, do ambiente onde nasceu e cresceu.


- Nampula era então, há 36 anos, um burgo simples. A minha infância foi banal, embora começasse a sentir desde muito nova que alguma coisa estava mal na sociedade em que vivia. Pelas experiências que tive, pela discriminação que sentia. Papá pôs-me a estudar numa escola particular para me subtrair a um certo número de medidas discriminatórias que existiam, na época, no ensino oficial. Havia também um conjunto de regras sociais a que nos tínhamos que submeter. As raparigas não podiam brincar com rapazes, por exemplo e isso confundia-me. Frequentemente, Papá, que era um simples “choffeur”, apanhava-me no meio dos criados e ralhava.

No meio dos criados? Tinha criados?

- Sim, toda a gente tinha. Chegou a altura de ir para o liceu, e ai uma vez mais o Papá preferiu mandar-me para um colégio. Mas a irmã recusou a minha entrada. Pela primeira vez na história do lugar aparecia uma negra a querer fazer o liceu. E o Papá, que entretanto se tornou “choffeur” do bispo, falou com este e acabou por ser por sua influência que fui admitida. Fiz assim o primeiro e o segundo anos, mas em condições psicológicas péssimas: o dia a dia, a recusa na matricula, tal e tal.
A certa altura o Papá disse: “bem, isto está mesmo tão difícil que o melhor é ires para a metrópole, mais a tua irmã. E escreveu para o Colégio de Santa Cruz, em Coimbra, para onde acabei por entrar, graças a umas facilidades que obtivemos através do Ministério do Ultramar, e onde fizemos o sétimo ano, eu e a Nina.

- A Senhora foi uma negra que pôde estudar até à universidade. Isso é raro.
- Sim, foi um cometa, o meu caso.

- É Capaz de dizer-me se essa situação ainda se mantém?

- Não. Absolutamente não.

Saberá dizer-me quantos estudantes negros acabaram o sétimo ano em 1972-73 nos diversos liceus de Moçambique?

Não sei. Mas sei que é um número superior ao que existia no meu tempo.

Sim, naturalmente, mas não tem uma ideia?
- Não sei, com franqueza. Isso mostra a minha ignorância na matéria.

E na Universidade, qual é a frequência?

- É grande. Agora formaram-se três médicos. Pode dizer: é pouco. Pois é, mas antes não havia nada disso.

Tem muitos colegas negros, a senhora?

- Eu sou a única no meu Liceu.

- E noutros liceus?
- Há, isso há.
- Numerosos?
Numerosos não?
- E na universidade, tem muitos colegas?
- Só conheço um professor de românicas.
…………………………………………..
Gostaria que falássemos um pouco de si. Importa-se?
Mais?
- Sente-se cansada?
- Diga-la, diga la o que é que quer! Mas eu depois QUERO ler o que vai escrever, sabe?
- Pode confiar, o gravador não engana e eu limitar-me-ei a pôr no papel as suas afirmações e as minhas perguntas.

- Bom… portanto a senhora regressou a Portugal em 1971. Qual era a sua situação em paris, na altura?.

Trabalhava, era secretaria na Radiotelevisão Francesa…….

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