Virou moda, nos dias que passam, encontrar pessoas que buscam felicidade barata ridicularizando os outros e intrometendo-se na vida alheia. Falar mal do partido no poder identificando-o com o veículo de todos os males, tem sido visto como acto incontestável de coragem, símbolo de esperança cimentada nas promessas. Aos poucos, os anónimos saem da clandestinidade para ajudarem a construir o muro da incompreensão, numa luta renhida na qual todos os meios são bons. A seus olhos, até parece um disparate jurídico quando os outros dão a cara em defesa dos seus ideais. Os primeiros actos da tragédia do desmoronamento dos seus argumentos fazem-me pensar possuírem o corpo de um boi com o coração de galinha.
A minha avó, Lúcia, para incentivar a importância de respeitar e aconselhar aos que prometem mudanças, recomendava-nos recordar da fábula do Boi e do Passarinho, mesmo que para isso tivéssemos de sofrer humilhações. Avó, sempre começava assim: Era uma vez, um Boi inteligente cujo único defeito era o de não conhecer o que era Consciência;… a cada pausa nós respondíamos: «estamos juntos» e ela continuava. Aquele boi utilizando-se da inteligência em benefício próprio humilhava os colegas domésticos, sempre que o desejasse incluindo os mais velhos e até as autoridades. Pela inteligência granjeou apoio de habitantes da fazenda desde os porcos, passando para os cães, cabritos, patos, galinhas e ovelhas. A todos prometia mudanças, jurando-se capaz de sacrificar o próprio estômago em benefício dos outros, sofredores cujas grilhetas eram forjadas pelo proprietário da fazenda.
Aos porcos prometeu habitação condigna com uma piscina e água potável; aos cães prometeu que passariam a dormir dentro da casa nas noites; aos cabritos prometeu liberta-los de comerem vigiados e com corda aos pés; aos patos prometeu uma privacidade separada das galinhas porque era injusto aos patos habitarem um local chamado «galinheiro»; às galinhas prometeu livra-las da morte prematura para servirem de banquete aos hóspedes e às ovelhas prometeu retirar o seu nome dos livros sagrados como símbolo de aceitação da submissão até à morte. Esquecido e ignorado, o gato perguntou ao Boi Inteligente se tinha Consciência das suas promessas, pelo que ridicularizou-o dizendo: tenho nojo de quem enterra o seu excremento para esconder a sua natureza. Os demais animais puseram-se a rir e o gato, humilhado e esquecido, escondeu-se no silêncio.
Dizem que nas redondezas da fazenda havia um passarinho, tão pequenino e tão trabalhador que só tinha o defeito de ser pequenino. Em determinado momento, o passarinho ficou de prenhe e pôs dois ovos junto do capim verde. Certo dia, a manada de bois, caminhando pela mata, foi em direcção ao local onde se encontravam os dois ovos do pequeno passarinho. Iam comendo o capim, quando o Boi Inteligente avistou os dois ovinhos. Não informou a ninguém o que acabara de ver e tomou a decisão de comer um; juntando-o ao capim, mastigou e engoliu. Sentiu que era muito bom. Terminou com o restante e continuou com as boas lembranças de uma deliciosa refeição no coração. Como o sol estava forte, a manada decidiu ir beber água ao rio. Pelo caminho cruzaram com o passarinho que estava de regresso, com raminhos na boca, para ir acarinhar os seus dois queridos ovos. Saudou os bois, mas nenhum quis abrir a boca, talvez pelo peso do calor intenso.
Quando o passarinho chegou ao ninho, uma sensação de tristeza lhe veio ao peito. Os ovos tinham sumido e com eles o capim em volta da ninharia. Pensou de si para si. Que coincidência entre a ausência dos ovos e do capim! Ficou duvidoso se seriam os bois ou alguém diferente, porque de uma coisa estava certo: os bois não comem ovos. Tristemente, tomou a coragem de ir ao encontro dos bois. E o diálogo começou:
- Oh bois, cavalheiros! Algum de vocês viu meus dois ovos?
- Não, não. Responderam em uníssono, incluindo o inteligente, o que os tinha comido.
- Ninguém de vocês que, ao comer o capim, sentiu na boca algo de diferente?
- Não, não, Ninguém. Repetiram em uníssono.
- Desde quando é que ouviste que os bois comem ovos? Perguntou o boi inteligente.
Está bem, desculpem. Disse o passarinho, entristecido e arrependido de ter feito uma acusação que a julgava sem provas. Eu não vim para acusar, sou fraco e nada posso fazer perante o vosso tamanho. Contudo, aquele que sabe e não quer dizer-me que, ao comer o capim, sentiu algo de diferente na boca, que SEJA MORTO PELA CONSCIÊNCIA. Após dizer estas palavras, o passarinho voou e desapareceu. O boi que tinha cometido o delito, pensou de si para si: o que é isso de consciência? Será que está lá onde vamos beber água? Que tamanho deve ter?!!! Será que foi aquele gato quem a contratou para me matar?
Perturbado, sem dizer nada a ninguém, o boi inteligente tomou a decisão de voltar a casa. Não foi ao rio beber água porque tinha medo que a consciência estivesse a espera. No dia seguinte, não foi ao pasto com os companheiros, porque tinha medo da consciência. Deixou de brincar, deixou de visitar amigos que já eram muitos, deixou de procurar novos amigos e permaneceu dentro do dormitório, porque tinha medo da consciência. Debilitado de fome, de tristeza e de desconfiança aos demais, negou ir ao hospital porque talvez a consciência estivesse lá. E, ao fim, morreu vítima de consciência, porque a consciência mata. A cada dia que passa vejo o sentido desta fábula. Pergunto-me se tenho consciência das minhas promessas e procuro o meu lugar de alertar dos perigos que atitudes individuais podem causar na convivência colectiva, pois, nem toda a felicidade é barata; nem todo o sofrimento é sublime!
Pedro MAHRIC
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