Alarme! A Renamo mudou de água para vinho. E o MDM do vinho para a água. O momento histórico
que vamos atravessando, não será, talvez, o prenúncio de ocasiões difíceis, mas
é certamente um momento de graves preocupações dignos de reparo para quantos
pensam no futuro duma Frelimo que foi grande, entre os maiores partidos libertários,
e tem, nas páginas da história africana, mais duma epopeia brilhante. O telefone
mágico de Dezembro passado trouxe consigo um fenómeno novo na história da
Frelimo: o silêncio. De repente as vozes da reserva moral se calaram. O silêncio
sepulcral. Uma armadilha ou uma harmonia? Pelo sim ou pelo não, há momentos em
que é preciso falar. Ainda que a voz de quem fala seja insignificante para
merecer a atenção da corte. Calou-se Joaquim Chissano. Já não fala Graça Machel.
Já não fala Sérgio Vieira. Já não fala Jorge Rebelo, já não fala Teodato
Hunguana. Já não fala Luísa Diogo. Todos eles, nem apoiam nem se opõem ao rumo
das coisas. Harmonia ou submissão? Satisfeitos? Será o silêncio de concordância ou de traição.
O que nos diz a nossa história?
A Renamo que nos combate há quatro décadas se ergue. Pode ser com a nossa ajudinha, o que é mau! Pelo esforço e
pela audácia dos nossos libertadores, soubemos conquistar o mais extenso quinhão
das almas que Salazar ocultava à África, e chamar para o convívio da liberdade
milhões de homens, avassalados pelo colonialismo. Desvendamos ao continente inteiro,
que nos contemplava, este desejo genuíno que se acumulava para além duma simples
resistência e se havia conservado por 477 anos sem que ninguém conseguisse
aproveita-lo em benefício dos moçambicanos. Atingimos com vertiginosa rapidez o
apogeu da glória. A bandeira moçambicana flutuou vitoriosa nas mais longínquas paragens
onde se abriam representações diplomáticas. Cá dentro, os estrangeiros prestavam
vassalagem aos heróis que, pelo esforço do seu braço poderoso e pela fina têmpera
das suas alabardas e montantes, tinham conseguido impor-se ao número incalculável
dos inimigos que pretendiam impedir-lhes o passo e evitar-lhes o predomínio.
Representávamos, então,
o partido dominador e tínhamos nas veias esse sangue generoso e quente, que em
Lusaka nos firmara a autonomia e nos assegurára a paz. Nessa época em que
arrancamos o poderoso Portugal o senhorio de Moçambique, em que fizemos desta terra o porto mais importante da Linha da Frente, nem éramos mais
numerosos. A nossa grandeza e a nossa força era-nos dada pela fé que nos
alentava, pela esperança de que nos engrandeceríamos, pela convicção profunda e
inabalável de que pela Pátria tudo deveríamos sacrificar. Mas sobretudo, pela crítica
e pela autocrítica, como estatuado no nosso estatuto.
Infelizmente passaram
esses tempos gloriosos; a pouco e pouco foi-se-nos enfraquecendo o braço, e a
guarda avançada dos desastres começados em Tete, pela mão da então África Livre,
alastrou-se como lepra que devia corroer-nos em dezasseis anos de triste e amargurada privação da felicidade. A tradição que havíamos sido, a vergonha do que éramos
nesse período de lágrimas e de sangue, fez-nos tentar um esforço e o Leão
de Dar-es-Sallam sentiu, que nos heróis da liberdade não se havia extinguido por
completo o valor de antigas eras. E por mais de duas décadas pode acreditar-se
que novamente readquiriríamos o prestígio abalado e a força perdida em tão cruéis
e duras provações. Sucedeu-se, porém, a invasão de Moxungue, a luta fratricida
que as novas ideias proclamadas em 2012 e desde então tinham ateado por toda a
parte. Depois de implantada a nova liberdade, em Setembro de 2014, que era o
fruto óptimo de tanto sangue derramado e de tanta incerteza, adormecemos
serenamente a pensar em glórias e conquistas passadas, sem repararmos na evolução
social, que ao nosso lado se erguia, para transformar os moçambicanos e
desenvolver-lhes as ambições de confiarem em nós. Enquanto a Renamo e o MDM se
preparavam para a conquista pelos processos mais práticos e mais eficazes, nós
permanecemos nessa estática contemplação que nos colocou a beira do abismo e agora
nos ameaça às conquistas, o poder, a tranquilidade e a autonomia.
Como o leão da fábula
aqui estamos velhos e fracos, sujeitos as vaias, falsas acusações de roubo de votos e
aos apupos dos que não souberam descobrir, mas que aprenderam, nesse código de
astucia e ardis a que se chama esperteza, a aproveitar-se do trabalho alheio. Já
fomos corridos de duas das três cidades principais do país. Em 2018 somos
obrigados a defender o que temos e a reconquistar o que perdemos. É esta a
nossa situação: difícil, dolorosa, terrível. É a lei da vida dos partidos, atingir
as mais altas cumeadas para descer depois aos mais profundos vales. O que nos
resta é subir novamente a encosta, por onde nos deixamos resvalar e, ganhar de
novo às alturas só inacessíveis para os fracos e para os pusilânimes. Falem camaradas,
quer concordem como não com o rumo das coisas. O nosso adversário já espreita e
precisamos de defender o nosso período de glória. Em conjunto. Algures no centro, estão três cidades,
devidamente assinaladas. No Norte, uma. E todas elas estão ali naquelas mãos porque
alguém decidiu dormir em serviço. Foram eles quem nos roubou os votos pelo
excesso da nossa confiança. Mas são cidades por serem libertas, porque não
fomos nós que apanhamos a oposição a dormir. Como as libertaremos em silêncio cúmplice?
Mas para que este
novo período de engrandecimento recomece, para que possamos conservar com honra
a tradição brilhante que até nós chegou, unamo-nos ao presidente Nyusi, dizendo-lhe
algo, e convençamo-nos de que, se não temos legiões que cheguem para a conquista
do que às outras foi dado assoberbar, nos hão-de chegar meia dúzia de centúrias
para defender o que de direito nos pertence: Beira, Nampula, Quelimane, Gurue,
Moçambique. Mas é necessário que falemos. Abandonar Nyusi não é solução certa. Mesmo
que esta seja a vontade dele. Não fiquemos contentes com os dizeres do tipo “agora
Nyusi está a começar dirigir”. São armadilhas, que nos custarão o alto preço. Se
chegámos até onde chegamos foi porque éramos uma equipa. Vivíamos, dormíamos, comíamos
e lutávamos em equipa. Essa conversa do herói individual é uma grande falha. Unamo-nos,
sim, com um só pensamento, o engrandecimento da Frelimo e com ela, o de Moçambique.
Mas nessa união, não esqueçamos um só instante de que somos os bons e os leais
frelimistas doutras eras, e que o sangue que nos alimenta a vida e nos aquece o
organismo, é esse sangue nobre e generoso, que pode ainda elevar-nos com a
mesma fé e conseguir com a mesma esperança e que o momento psicológico para a
nossa reabilitação seja a data gloriosa em que vai passar para nós a terra perdida.
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